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Artigos-->A Era de Frankenstein -- 23/08/2002 - 11:14 (rodrigo guedes coelho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Em seu romance Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley

havia profetizado a fabricação de seres humanos em

série. Em tubos de ensaio de laboratórios, os embriões

se desenvolveriam de acordo com sua futura função na

escala social, desde os alfas, destinados ao mando,

até os ipisilones, produzidos para a servidão.



Setenta anos depois, a biogenética nos promete, como

presente do recém-nascido milênio, uma nova raça

humana. Mudando o código genético das gerações

futuras, a ciência produzirá seres inteligentes,

belos, saudáveis e talvez imortais, de acordo com o

preço que cada família possa pagar. Jaes Wason, prêmio

Nobel, descobridor da estrutura do ADN e chefe do

Projeto Genoma Humano, predica o despotismo

científico. Watson se nega a aceitar limite algum para

a manipulação das células humanas reprodutivas: nenhum

limite à pesquisa, nem ao negócio. Sem papas na

língua, proclama: Devemos nos manter à margem dos

regulamentos e das leis?



Gregory Pence, que dita a cátedra de ética médica na

Universidade de Alabama, reivindica o direito dos pais

a escolher os filhos que terão, da mesma forma que os

criadores fazem cruzamento buscando o cão mais

adequado a uma família.



E o economista Lester Thurow, do Massachusetts

Institute of Tecnology, exitoso teórico do êxito, se

pergunta quem poderia negar-se a programar um filho

com maior coeficiente intelectual. Se o senhor não

fizer isso, adverte, seus vizinhos farão, e então seu

filho será o mais bobo do bairro.



Se a sorte nos acompanhar, as estufas da futura

geração irão gerar super-crianças parecidas a esses

gênios. O melhoramento da espécie humana já não irá

exigir os fornos a gás onde a Alemanha purificou a

raça, nem a cirurgia que os Estados Unidos, a Suécia e

outros países realizaram para evitar que fossem

reproduzidos os produtos humanos de baixa qualidade. O

mundo fabricará pessoas geneticamente modificadas,

como já fabrica alimentos geneticamente modificados.



2001, odisséia no espaço: já estamos em 2001 e já

comemos comida química, como havia anunciado, há mais

de trinta anos, o filme de Stanley Kubrick. Agora, os

gigantes da indústria química nos dão de comer.

Questão de siglas: depois de produtos como o DDT, que

finalmente foram proibidos quando já fazia anos que se

sabia que davam mais câncer que felicidade, chegou a

vez dos GM, os alimentos geneticamente modificados.

Dos Estados Unidos, da Argentina e do Canadá, os GM

invadem o mundo inteiro, e somos todos cobaias desses

experimentos gastronômicos dos grandes laboratórios.



Na verdade, nem sabemos o que estamos comendo. A não

ser por raras exceções, as etiquetas dos alimentos não

nos advertem que eles contêm ingredientes que sofreram

a manipulação de um ou de vários genes. A empresa

Monsanto, a principal abastecedora, não inclui esse

dado em suas etiquetas de origem, nem mesmo no caso do

leite proveniente de vacas tratadas com hormônios

transgênicos de crescimento. Esses hormônios

artificiais favorecem o câncer da próstata e dos

seios, segundo várias pesquisas publicadas em The

Lancet, Science, The International Journal of Health

Services e outras revistas científicas, mas a Food and

Drug Administration dos Estados Unidos autorizou a

venda do leite sem menção nas etiquetas, porque afinal

das contas os hormônios apressam o crescimento e

aumentam o rendimento, e portanto, também aumentam a

rentabilidade e o lucro. Primeiro o que vem primeiro,

e em primeiro lugar, a saúde da economia. Seja como

for, quando a Monsanto é obrigada a confessar o que

vende, como no caso dos herbicidas, a coisa não muda

muito. Faz alguns anos a empresa precisou pagar uma

multa por causa de setenta e cinco menções inexatas

nos galões do venenoso herbicida Roundup. Foi a preço

de ocasião. Três mil dólares por cada mentira.



Alguns países se defendem, ou pelo menos, tentam se

defender. Na Europa, a importação de produtos da

engenharia genética está proibida em alguns casos, e

em outros, está submetida a controle. Desde 1998, por

exemplo, a União Européia exige etiquetas claras para

a soja geneticamente modificada, mas é muito difícil

levar as boas intenções à prática. O rastro se perde

em múltiplas combinações: segundo o Greenpeace, a soja

GM está presente em 60% de toda a comida processada

que é oferecida nos supermercados do mundo.



Nas manifestações ecologistas, um grande peixe azul

ergue um cartaz: Não se metam com meus genes. Ao lado,

um tomate gigante exige a mesma coisa. No mundo

inteiro multiplicam-se as vozes de protesto. A atitude

européia é resultado da pressão da opinião pública.

Quando os granjeiros franceses incendiaram os silos

cheios de milho transgênico, por causa do dano notório

que trazia ao ecossistema, o agitador camponês José

Bové converteu-se num herói nacional, num novo

Asterix, que alegou em sua defesa: Quando foi que nós,

os granjeiros e os consumidores, fomos consultados

sobre isso? Nunca.



O governo francês, que havia metido Bové na cadeia,

desautorizou os cultivos de milho inventado pela

biotecnologia. Algum tempo depois, a empresa

norte-americana Kraft Foods devolveu milhões de

tortilhas de milho, marca Taco Bell, sufocada pelas

queixas dos consumidores que tinham sofrido reações

alérgicas. Enquanto isso, a secretária de Estado

Madeleine Albright dizia e repetia na Europa, conforme

obrigação prioritária da diplomacia dos Estados

Unidos: Não existe nenhuma prova de que os alimentos

geneticamente modificados sejam prejudiciais à saúde

ou ao meio ambiente.



Os europeus têm motivos muito concretos para

desconfiar das piruetas tecnocráticas na mesa de

jantar. Estão escaldados pela sua recente experiência

com as vacas loucas. Enquanto comiam pasto ou alfafa,

durante milhares de anos, as vacas haviam se

comportado com uma cordura exemplar, e haviam

aceitado, resignadas, seu destino. Foi assim até que o

sistema louco que nos rege decidiu obrigá-las ao

canibalismo. As vacas comeram vacas, engordaram mais,

ofereceram à humanidade mais carne e mas leite, foram

cumprimentadas pelos donos e aplaudidas pelo mercado e

ficaram loucas de pedra. O assunto deu motivo a muitas

piadas, até que começou a morrer gente. Um morto, dez,

vinte, cem ...



Em 1996, o ministério britânico de Agricultura havia

informado à população que a ração de sangue, sebo e

gelatina de origem animal era um alimento seguro para

o gado e inofensivo para a saúde humana.







Eduardo Galeano







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