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Artigos-->O PRÉ-MODERNISMO DE FERNANDO PESSOA -- 08/02/2001 - 01:39 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O PRÉ-MODERNISMO DE FERNANDO PESSOA







A evolução de um escritor pode manifestar-se por fases. O gênio criador de Fernando Pessoa representou toda uma trajetória de busca e de experimentação até criar seu tipo representativo da heteronímia e de suas grandes criações modernistas e futuristas. Até lá há um caminho a pesquisar.

De acordo com a leitura de fontes testemunhais das cartas de Fernando Pessoa a Mário de Sá Carneiro, João Gaspar Simões, Armando Corte Real e outros, através de suas Páginas íntimas e de Auto-interpretação, de seus estudos téoricos e críticos, de suas notas apensas a livros, dos testemunhos de amigos e contemporâneos, da análise da variada obra ortônima e heterônima, de seu posicionamento frente às correntes estéticas e movimentos literários, Fernando Pessoa tem um posicionamento evolutivo.

O primeiro dado evidente é sua adesão ao nacionalismo e programa de renascimento literário preconizado pel! A Águia formado por Teixeira de Pascoaes e seguido por Mário Beirão, Leonardo Coimbra, Afonso Duarte, Jaime Cortesão, António Sérgio, Raul Proença, Augusto Casimiro, Villa-Moura, Pina de Moraes, Augusto Martins(1). Na lista dos duzentos e quarenta e três sócios que a Renascença Portuguesa ostentava em fins de 1913, apareciam os nomes de Fernando Pessoa (em carta a Álvaro Pinto, datada de 28 de janeiro de 1913 Pessoa escreve uma frase que mostra seu empenhamento renascentista: "Eu - que sou quanto há de mais renascente em toda a extensão da alma [...](2) e de Mário de Sá Carneiro, a par dos nomes de Abílio Guerra Junqueiro, Afonso Lopes Vieira, Antonio Correia de Oliveira, Antonio Sérgio, Augusto Casimiro, Augusto Malheiro Dias, Augusto Martins, Cristiano de Carvalho, Jaime Cortesão, Joaquim Carvalho, José Teixeira Rego, Leonardo Coimbra, Luís da Câmara Reis, Raul Proença e Teixeira de Pascoaes"(3). Conforme Teresa Rita Lopes já mostrou com clara documentação(4). Fernando Pessoa era animado por um emocionado amor à pátria e sentia com sinceridade pertencer "à raça dos navegadores e dos criadores de impérios".Este sentimento levou-o a criar variados projetos e a escrever inúmeros textos, inclusive sobre Os Portugueses, o Povo Português, a Nação Portuguesa, sobre o Quinto Império(5), etc.

Já como membro da Renascença Portuguesa participa como colaborador da revista "A Águia"em 1912, publicando o ensaio A Nova Poesia Portuguesa sociologicamente considerada e A Nova Poesia Portuguesa no seu aspecto Psicológico (6). Nesse ensaio, Fernando Pessoa, após ter comparado períodos da história literária inglesa e francesa com períodos da história política desses mesmos países, detém-se a analisar a moderna poesia portuguesa. No decorrer da análise escreve:"a actual corrente literária portuguesa é absolutamente nacional [...] com ideias especiais, sentimentos especiais, modos de expressão especiais e distintos de um movimento literário completamente português. De alto nível sistemático e bem elaborado intelectualmente, este ensaio de mostra um Fernando Pessoa entusiasmado pelas coisas portuguesas e por um movimento que tem como característica essencial ser genuinamente português. No desenrolar de sua argumentação e de seu raciocínio, Pessoa previa para muito breve o aparecimento do poeta ou poetas supremos "desta corrente" e da "nossa terra" porque -dizia Fernando Pessoa - fatalmente, o Grande Poeta, que este movimento gerará, e deslocará para segundo plano a figura, até agora primacial, de Camões. E mais adiante: "Prepara-se em Portugal uma renascença extraordinária, um ressurgimento assombroso. O ponto de luz até onde esta renascença nos deve levar não se pode dizer neste breve estudo; desacompanhada de um raciocínio confirmativo, essa previsão pareceria um lúcido sonho de louco".(7)

É interessante verificar que nesta fase, Fernando Pessoa, associando-se ao projeto da Renascença Portuguesa liderado por grandes figuras literárias do Norte e acompanhado pelo apoio e solidariedade de poetas e escritores de Lisboa, explicita e desenvolve a matriz nacionalista de seu projeto literário, mnais tarde coroada pela publicação de Mensagem". Quando fecha o artigo sobre a Nova Poesia Portuguesa proclama: "Tenhamos fé [...] dia e noite, em pensamento e ação, em sonho e vida, esteja conosco para que nenhuma das nossas almas falte à sua missão hoje, de criar o supra-Portugal de amanhã"(8). Através dessa chamada, Pessoa preanuncia a plataforma maior de seu pensamento profético desenvolvido em Mensagem e que é coincidente com o discurso paralelo do lusitanismo saudosista expandido por Pascoaes em "O espírito Lusitano ou o Saudosismo"(1912), "O Gënio Português na sua expressão filsosófica, poética e religiosa (1913) e "A Arte de ser Português". O texto do jovem ensaísta de "A Águia" não é apenas uma amostragem de sua capacidade intelectual e discursiva. É mais do que isso. Ele aninha o germe de um ideário nacionalista e abre o flanco para a transição em Pessoa. Momentaneamente entusiasmado com o Movimento da Renascença Poirtuguesa, ainda absorvido por ideias saudosistas, Pessoa já nutre uma visão maior, que desenvolverá amadurecidamente em Mensagem e em prosas várias de caráter político

Com a correspondência enviada de Paris por Mário de Sá-Carneiro, e com a involução temática e operacional da Renascença Portuguesa, parece que Fernando Pessoa decide se expandir para a arte intemporal e a-espacial de cunho cosmopolita, cosmopolitismo que entrará em evidência declarada na fisionomia estética do grupo de Orpheu. A partir de certa altura, esse nacionalismo da Renascença parecer-lhe-á "provincianamente português" e tentará evoluir para uma atitude mais europeia e para um "Nacionalismo cosmopolita", fruto talvez de uma convivência com Sá-Carneiro, poeta que acompanha o clima de Paris A estreiteza de um nacionalismo nunca lhe agradou e um dia em entrevista à Revista Portuguesa (nn.23/24) em 1923, dirá que "o povo português é essencialmente cosmopolita. Nunca um verdadeiro português foi português, foi sempre tudo"(9)

O que se depreende da evolução literária de Pessoa é que não é possível amarrá-lo num pensamento, numa fase, numa adesão ou numa reação. Pessoa é mutante, por essência. Seu espírito superior acompanha a onda da vida, as propostas de pensamento e de estética e ficará permanentemente em fase de experimentação. Tudo são capítulos da evolução de um poeta eternamente renascente, preocupado em ser fiel à energia interior que o move. Nas suas várias etapas, saudosista, paulista, interseccionista, sensacionista, orfaico, futurista, como Fernando Pessoa ortônimo, ou como heterônimo, o autor de Mensagem será sempre uma personalidade maior, que devemos examinar com atenção e carinho.

Na rota da evolução, captamos um Fernando Pessoa Pré-Modernista, ou seja, um poeta e um escritor que ainda não está de posse dos experimentos e da linguagem modernista, tipo Alberto Caeiro e Álvaro de Campos. Nesta fase teremos já certamente, um poeta inquieto, um "novo"querendo armar, não se acomodando, procurando mensagens estéticas, formas, linguagens. É um pré-modernista, enquanto é apenas um candidato à estética que um dia vai subscrever como estética do grupo Orpheu. É um período de muita riqueza interior, o período do poema Gládio, que atesta a experiência do transcendente que nele se opera entre 1912 e 1914, ou seja entre os 24 e os 26 anos: "O meu pior mal é que não consigo nunca esquecer a minha presença metafísica na vida. Daí a timidez transcendental que me atemoriza todos os gestos, que tira a todas as minhas frases o sangue da simplicidade da emoção direta"(1O). Um dos pontos altos desta evolução de sua fase pré-modernista deverá estar no paulismo. Trata-se de um novo espaço criativo de Pessoa, a que aderem M. Sá-Carneiro, Alfredo Guisado e Armando Cortes Rodrigues; é tipicamente pré-modernista na medida em que ainda expressa profundos laços com o simbolismo, revelado no poema Impressões do Crepúsculo, cujo primeiro verso "Pauis de roçarem ânsias pela minha alma em ouro" origina o nome de um novo gênero poético ou movimento que Pessoa apelidou de paulismo(11).. A corrente provocou reparos, "tempestades e fúrias". A esta corrente dedica António Quadros um capítulo específico em seu livro Fernando Pessoa. Vida personalidade e gênio(12). As informações principais fornecidas por Quadros nesse capítulo, são a de que o poema foi escrito em 29 de março de 1913 e que o mesmo marca decisivamente a reputação de Pessoa como Poeta original e vanguardista, inaugurando a corrente do paulismo, a que aderem muitos dos seus companheiros, nomeadamente Sá-Carneiro, Alfredo Guido e Cortes-Rodrigues" (13).E continua: "Foi com o paulismo na verdade que o grupo começou a impor-se na medida em que provocando tempestades e fúrias, se tornou notado... Depois do paulismo viriam outras correntes, sempre congeminadas por Fernando Pessoa: o interseccionismo e o sensacionismo. Viriam os heterônimos, viriam os versos desconcertantes de Sá-Carneiro, os desenhos modernistas de Almada e de Santa-Rita e viria sobretudo o Orpheu, a revista que finalmente em 1915 congregou e veiculou as ideias do grupo, agitando intensamente o aquário da vida literária portuguesa"(14).

É a análise de alguns dados evolutivos que nos podem dar a chave desta fase experimental pré-modernista de Fernando Pessoa. A apresentação de um quadro de experiências estéticas e de produção pode ser um ponto de partida para avaliação da época provável do real compromisso de Pessoa com a nova vanguarda do modernismo e futurismo. Para começar devemos lembrar que os anos de 1912 e de 1913 (até agosto, pelo menos) foram anos de Renascença Portuguesa e de A Águia, onde publicou quatro trabalhos: no período, a saber: Reincidindo, A nova Poesia Portuguesa sociologicamente considerada( abril de 1912) e A Nova Poesia Portuguesa no seu aspecto psicológico (publicada em três fascículos seguidos em novembro de 1912), As caricaturas de Almada Negreiros (abril de 1913) e Na Floresta do Alheamento (em agosto de 1913) .São publicações que Fernando Pessoa lembra explicitamente pela "irritação que causou o anúncio feito sobre o próximo aparecimento do Super-Camões". Pertence ainda a este período a composição do poema Impressões do Crepúsculo, vulgarmente conhecido por Pauis. É um poema ortônimo de Fernando Pessoa. composto em 29 de março de 1913 que inaugura uma nova corrente a que se chamou paulismo, e que é publicado em fevereiro de 1914.

Para entendermos a lógica da evolução, importa destacar também que durante os anos 1913 e 1914 Fernando Pessoa já estava rodeado de vários literatos e poetas que foram produzindo entre si afinidades, projetos em comum,.e revelando novos talentos e capacidades, preanunciando um grupo em fusão, que foi a base de Orpheu. Em fevereiro de 1913, Fernando Pessoa já estava ligado ao grupo da revista "Teatro"dirigida por Boavida Portugal, onde publica crítica violenta contra o Bartolomeu Marinheiro de Afonso Lopes Vieira, do grupo da "Renascença".

Esta crítica leva-o a escrever uma carta a Álvaro Pinto, tentando minorar o impacto. Em 15 de fevereiro de 1913, conforme lemos no Diario, esteve em casa de Ponce Leão, amigo de Sá-Carneiero, onde ouviu críticas à Renascença(15)..Sensível como era, estas críticas uma nova visão estética começavam a criar novas incl;inações em Fernando Pessoa. A verdade é que no dia de março de 1914, bem pouco depois da publicação de Impressões do Crepúsculo ( 2 de fevreiro de 1914) a heteronímia já é uma realidade. Seu espírito passa a ser dominado por uma estética própria e nova.. Em 8 de março escreve o Guardador de Rebanhos, e que o fez exclamar, possuído: "Foi o dia triunfal da minha vida e nunca poderei ter outro assim."E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro (17). Ainda no ano de 1914 escreve a primeira poesia de Ricardo Reis: "O dr. Ricardo Reis nasceu na minha alma em 29 de janeiro de 1914, pelas 11 horas da noite)." Não há dúvida de que a partir do milagre da heteronímia, Pessoa é outro e a virada modernista encontra seu ápice. Fernando Pessoa nem precisará de esperar pela publicação de Orpheu. O aparecimento da revista é para ele apenas um símbolo para reafirmar a realidade literária de vanguarda que ele já criara desde 1914. Alberto Caaeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos eram criaturas estéticas antes do aparecimento de Orpheu. Num apontamento solto, datado de 1915 Fernando Pessoa dizia: "sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas"(18).





NOTAS



(1) PASCOAES. Teoceira de - "Renascença". In: Portucale. Revista de Cultura, 3@ série, nn. 1-3, vol. I, Porto 1951-1953, pp. 9-11.

(2) PESSOA, Fernando -Obra Poética e em Prosa, Vol. II, Porto, Lello e Irmão Editores 1986 (Organização, introdução e notas de António Quadros), p. 135.

(3) PORTUCALE, nn. 1-3, 1951-1953, pp. 16O-163.

(4) LOPES, Teresa Rita - "A Europa de Pessoa e a de Sá-Carneiro". In: Fernando Pessoa e a Europa do século XX. Porto, Funda ;cão Serralves, 1991, pp. 49-61.

(5) PESSOA, Fernando - Obra Poética e em Prosa, vol.III, Porto, Lello e Irmão Editores, 1986, pp. 551-598.

(6) IDEM, Ib., II, 1145 ss.

(7) IDEM, Ib., II, p.1153

(8) IDEM, Ib., II, p. 1154

(9) LOPES, Teresa Rita, o. cit., p. 54

(1O) PESSOA, Fernando - Obra Poética e em Prosa, vol.II. Porto, Lello e Irmão Editores, 1986, pp.111-112.

(11) IDEM, Ib., I, p. 164-165.

(12) QUADROS, António - Fernando Pessoa. Vida, Personalidade e Gênio. 4@ edição, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1992, pp.77-81.

(13) IDEM, Ib., p.77.

(14) IDEM, Ib., pp.77-78

(15) PESSOA, Fernando - Páginas íntimas e de Auto-Interpretação, Lisboa, Ática, s.d., p. 32.

(16) PESSOA, Fernando - Textos de Crítica e Intervenção, Lisboa, Ed. Ática, 198O, p. 6O7.

(17) QUADROS, António - Fernando Pessoa.Vida, Personalidade e Génio, p. 279. Para estudo da fase pré-modernista de Fernando Pessoa consulte-se DAVID MOURÃO FERREIRA, "Fernando Pessoa antes do "Orpheu". In: Hospital de Letras. Ensaios. Lisboa. Guimarães Editores (1966), pp.173-18O.

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