Visitando um amigo notei que no carro recém comprado havia um grande adesivo com a palavra CRISTO. Por certo, o dono anterior do automóvel era adepto da Igreja Universal. Chamei este meu amigo e cobrei a posição de ateu inveterado que costuma invocar. Notei um certo constrangimento, uma relutància. Comentou que o carro que tinha comprado era ótimo, que estava muito satisfeito, que não compra carro novo, pois o preço de um pouco-usado é muito mais compensador. Falou um bom tempo, relatou os jogos de tênis das últimas quatro semanas, repetiu o elenco de carnes que serviria no churrasco, as atividades dos filhos da infància à universidade. Eu ali, ouvindo. Quando ele fez uma pequena parada, me apressei a cobrar a explicação que estava pendente.
Ele confirmou que, de fato, é ateu de carteirinha e novamente trocou de assunto, falando sobre os negócios que iam tão bem, que em geral estava satisfeito com tudo, inclusive com seu carro seminovo. Já ia repetir pela terceira vez que o preço de um seminovo é muito mais vantajoso, quando forcei uma pausa e insisti.
Ele voltou ao seu discurso otimista, relatando novos negócios, perspectivas, planos. Falou dos filhos, da mulher, do cachorro, do pessoal do tênis, dos novos estagiários e funcionários, das viagens (não lembro a ordem). Pra dizer a verdade, ele destrambelhou a falar, sempre de forma positiva, otimista. Até que consegui interromper novamente.
- Tudo certo, fico contente. Você só não explicou como deixou este adesivo no carro novo. Este adesivão aí atrás não combina com um ateu juramentado. Combina?
- Combinar não combina, mas está indo tudo tão bem que eu achei melhor não arriscar.
Em compensação, há quem que ao soletrar uma palavra, diga "D de Deus" e não de "D de dado" como é mais comum.
Escrito em 04.08.2000
Publicado no sítio Crónica do Dia em 16.09.2000 (http://www.patio.com.br/cronica/indset00.html
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