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Artigos-->FREUD por Richard Rorty (da série: O meu livro do século) -- 06/02/2001 - 18:58 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Richard Rorty: "Aulas sobre a Introdução à Psicanálise" de Sigmund Freud



Tradução do inglês para o alemão: Christa Krüger

Tradução do alemão: Zé Pedro Antunes



DIE ZEIT, Hamburgo (1999)



O livro mais importante do século teria de ser a obra que haverá de apontar ao futuro historiador, com clareza, as maiores mudanças na auto-imagem da raça humana - reconhecível no lugar que ela tem por seu no sistema das coisas. De acordo com os parâmetros deste critério, os Principia Mathematica de Newton foi o livro mais importante do século XVII e o Surgimento das Espécies, de Charles Darwin, o do século XIX.

Estas duas obras levaram adiante o processo de secularização, ao contribuir para que pudéssemos pensar o firmamento não como governado por Deus, e a nós mesmos, não como criados por Ele. As aulas de Freud sobre a introdução à psicanálise, que, aqui, representam a totalidade do pensamento de Freud, podem realmente ser consideradas como o livro que, no século XX, mais fez para tornar Deus dispensável.

Freud nos ensinou a ver grandes obras de arte, grandes tradições religiosas e grandes idéias filosóficas como produtos de desejos sublimados - com freqüência, sonhos sexuais atípicos -, e assim nos ajudou a abalar a antiga auto-imagem dualista transmitida pelos gregos. A explicação de Platão para as respectivas realizações consistiu em dizer não serem os nossos semelhantes o objeto adequado e natural de Eros, mas algo de não-humano - a beleza ideal. Encontrar a satisfação perfeita na relação erótica com um homem ou mulher, especialmente quando tal satisfação inclui o intercurso sexual, seria algo de baixo, sujo e fatal para as chances de se chegar à felicidade eterna. Assim, Platão contaminou o ocidente com formas de pensamento dualistas, alienadas do mundo, que, no oriente, já se haviam disseminado em epidemias - formas de pensamento como que feitas para o "prelado ascético" (asketischer Priester) de Nietzsche. Estes seres humanos encontram satisfação sexual num sadismo de tipo especial: alegram-se com a frustração que recai sobre nós, o resto da humanidade, depois de nos terem interdito, de uma forma ou de outra, o prazer sexual.

Freud desentraçou duas questões, cuja indivisibilidade os prelados ascéticos queriam afirmar. A primeira: É decisiva, para o desenvolvimento da cultura ou da civilização, a repressão dos desejos sexuais? A segunda: A aspiração à satisfação sexual é uma ocupação humana inferior, de segunda categoria - a ser evitada ou, pelo menos, submetida a severas restrições? À primeira, ele responde com um sim e, à segunda, com um não. Com isso, ele aplainou o caminho para uma ética sexual utilitarista, que permite a todo indivíduo toda e qualquer atividade sexual a seu gosto, desde que esta a outros não venha a causar danos, e desde que não conduza ao impedimento de empreendimentos comunitários, que constituem a civilização.

Aquele que, em questões de ética, pensa de forma utilitarista, afirma: nada é, em si mesmo, bom, afora a satisfação das necessidades humanas; nada, em si mesmo, mau, afora o desprezo por estas necessidades. A repulsa à sujeira e o anseio por limpeza são bons, simplesmente, porque a sujeira traz a doença e, portanto, leva ao sofrimento humano desnecessário. A castidade e a repulsa ao sexo são bons, e só então, quando servem a objetivos duradouros de uma comunidade (por exemplo, a prevenção ao cruzamento consangüíneo, à superpopulação ou às doenças sexualmente transmissíveis). Um utilitarista rejeita o primeiro pressuposto de Platão: a suposição de que todos os seres humanos possuem uma necessidade inata de escapar do material para o imaterial, de, a partir do sujo, do baixo, aspirar ao imaculado, ao puro. Freud ensinou-nos a ver o ascetismo como uma das muitas formas passíveis de serem assumidas pela pulsão sexual - tomado como inofensivo para si mesmo e, muitas vezes, como produtor de grandes performances da fantasia, mas de efeito nocivo, na medida em que é imposto a seres humanos cujos desejos são de outra espécie.

Generalizando: Freud ajudou-nos a ver que as distinções tradicionais entre as necessidades classificadas como mais elevadas ou mais baixas, e entre as necessidades normais ou anormais podem ser trocadas. Em lugar delas deveríamos estabelecer uma outra distinção: a que existe entre as necessidades cuja satisfação é tipicamente inofensiva e as outras que, previsivelmente, acarretam danos (por exemplo, a necessidade de praticar sexo com crianças, por parte dos pederastas). Ensinou-nos possível imaginar a moralidade como algo que sonhamos para nós mesmos, tendo em vista auxiliar a nossa espécie na conquista do planeta - e não acarretar o nosso próprio dano. Mostrou-nos haver razões extraordinárias para que os tabus sexuais sejam empurrados para o centro das prescrições morais, e razões igualmente extraordinárias para explicar porque esses tabus não precisam mais, agora, desempenhar o mesmo papel que desempenhavam para os nossos antepassados.

É claro, Freud não inventou o utilitariasmo, mas os seus escritos deram impulso violento à doutrina que é defendida por Protágoras, David Hume, Stuart Mill e John Dewey: obrigações morais, têmo-las para com os nossos semelhantes, e não para com seres superiores. Ao libertar de valorações morais a sexualidade, ajudou-nos a nos livrarmos da idéia de que certas ações seriam, "em si mesmas", boas ou más, e isso sem absolutamente levar em conta as suas respectivas conseqüências. Capacitou-nos, ainda, para que a nós mesmos nos valorizássemos de modo mais elevado, pois, para citar os versos de Yeats, ajudou-nos a compreender que: "Whatever flames upon the night / Man s own resinous heart has fed." (O que quer que lance luz sobre a noite, é fogo, que, da resina, vive no coração dos homens.)



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