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Contos-->SEQÜESTRO RELÂMPAGO -- 31/10/2004 - 11:57 (ANTONIO MIRANDA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
SEQÜESTRO RELÂMPAGO

Conto de ANTONIO MIRANDA

Eu tenho pena é dos bandidos.
Foi o que pensou, amarrada, apavorada, observando o nervosismo dos delinqüentes. [Seqüestro e delinqüente têm tremas... como vou pensar nisso numa hora dessas!]É que estava sempre pensando em prosa, um vício da juventude, de ter mantido um diário por anos e anos. Lembrava agora era do filho em casa, sozinho, ela ali sob a mira de dois revólveres. O carro aos trambolhões. O garotão que dirigia não sabia conduzir, não devia ter carteira nem mais experiência do que algumas horas de treino clandestino. Bem que eu não queria vir à padaria hoje, pressentia alguma coisa, sei lá, só fui por uma obrigação, mas tinha ainda o que comer em casa pela manhã, dava para esquentar pão dormido, eu sozinha ali no estacionamento. Mas quem pode prever uma coisa dessas? Eu vi os rapazes mas estavam bem vestidos, não pareciam bandidos, pareciam gente normal das redondezas, como iria suspeitar!

O carro engasgava nas mudanças. Estavam todos muito tensos, sob o efeito de alguma droga. Nestes casos deve-se manter a calma, o quanto possível, deve-se evitar movimentos que surpreendam e intimidem os bandidos. Ficar inerte, em silêncio, o quanto possível impávida [que palavra estranha, talvez devesse dizer quieta, colaborativa].

Uma situação-limite, sem perspectivas. Tudo ou nada, incertezas. O percurso de auto pelo descampado do cerrado, noite escura, seca, abafada, angustiante e lenta, interminável. [Eu não devia parar no meio do caminho durante a noite, devia ir direto para casa.] Sentia os solavancos com os buracos do caminho, a direção errática, muito pó numa paisagem curta, sem profundidade, repetitiva, mesmificada em arvoredos ressecados. Algumas luzes à distância.

Não tinha dezessete ou dezoito anos ainda o jovem a seu lado, um rosto de menino debaixo do gorro de malha, a pele azeitonada e quase imberbe, um nariz entre achatado e curto, quase bonito, quase grave. Ela começou a entrar em pânico. Já não divisava luzes em parte alguma, apenas o cerrado ermo e abandonado. Não estava encapuzada, não ataram nenhuma venda sobre os olhos, os bandidos estavam de cara limpa, o sujeito ao lado – eram três os jovens seqüestradores – nem disfarçava, olhava-a nos olhos durante o percurso pela rodovia, quando ainda havia luzes em postes. O fortão que a subjugava tinha um revólver na mão, apontada para ela. O da frente também olhava para trás, com uma arma que se movia no ritmo das curvas e desvios dos buracos, aumentando o pavor e a certeza de que não teria como escapar daquela situação. Iriam matá-la. Que outra conclusão tirar, se eles não assumiam nenhum dissimulo, nenhum despistamento, nenhum disfarce, nenhuma cautela.

Agora estava amarrada a uma árvore, um jovem armado fumando com muita apreensão, enquanto os companheiros haviam ido com o cartão de crédito e as senhas em busca de um caixa eletrônico. Sorte que o garotão não a molestava, mantinha-se calado, afastado. Sentia dores no braços ralando na casca dura, as mãos para trás. Uma posição desconfortável, um tanto desequilibrada por causa da tortuosidade da árvore, inclinada para um lado, buscando apoio nas costelas, com os pés atados sem nenhum espaço para um movimento. Uma angústia sem limites. Tentava não pensar, não conseguia sequer rezar naquele desconforto. Não tinha mais noção de tempo.

***
Os marginais mirins andavam com lanternas pelos lupanares de Londres, de Paris, de Nova Iorque, de São Paulo. Vestidos de negro, com pulseiras de couro e botões de metal. Usavam luvas com pontas lanceoladas, em movimentos abruptos, marcados, ritmados, percorrendo as calçadas e desvãos da madrugada. Fustigando os mendigos, chicoteando as prostitutas e os travestis, espancando velhos andrajosos com a fúria justiceira dos sem-causa. Sub-heróis, possuídos por uma ação demolidora e sem fé, comandada pelos instintos, como massa descontrolada sob uma liderança cega, drogada, inconseqüente. Raiva do mundo, da sociedade, do excesso de gente, nojo dos dejetos humanos que empestam as ruelas mais sórdidas dos centros das cidades, restos desumanos. Hostilizando mulheres, molestando crianças abandonadas. A beleza dos excessos, um fascínio pela exacerbação mais cruel. Ateando fogo a corpos indefesos, fustigando a carne das vítimas surpreendidas nos subterrâneos da noite. Oh dor, oh náusea, oh pavor e desassossego. Talvez fosse uma cena de um filme inglês que assistira há muitos anos antes, num cinema de arte. E havia beleza e arte em toda aquela fúria, em toda aquela bestialidade! Ou loucura.

***

Impaciente, o jovem que montava guarda continuava a consultar o relógio, aflito, a intervalos cada vez mais curtos, espreitando na direção do caminho por onde chegaram até àquele capão cerrado. Andava de um lado para outro. Às vezes sumia, logo reaparecia. Uma aragem mais fresca estremeceu o corpo da vítima, incomodando-a, que já sentia um cansaço desconfortável, a perder os sentidos do corpo. Quanto tempo estava ali, naquela penumbra quase sem luar, nas sombras opacas e sem fundo? Ela saíra da padaria sem nenhum pressentimento, apressada, querendo chegar em casa, cansada, depois de um dia de trabalho e de um trânsito difícil. Havia tantos carros ali estacionados, à beira de uma avenida em que passavam os autos em indiferente velocidade, na direção dos condomínios nas periferias de Brasília. Bairros esparramados, como ilhas num cerrado descampado, por superfícies ondulantes, em todas as direções. Nem havia iluminação pública por ali, além de uns poucos postes na margem direita em que se estende um comércio ralo de padarias, casas de materiais de construção, agropecuárias. Do outro lado, o cerrado aberto e contínuo, acompanhando o percurso monótono da rodovia. Sentia tontura em meio àquela tortura a que estava sujeita, não conseguia organizar bem os pensamentos. Como estariam em casa seu filho, sua irmã mais nova? Seria ainda cedo ou tarde, não sabia mais.

A abordagem fora rápida, mandatória, com um revolver na altura da cintura. A escassos metros, por detrás de veículos enfileirados como muralhas, havia gente caminhando. Ela não ofereceu resistência, estava lívida e conformada, disposta a deixar-se levar, a correr o risco de um pânico, temerosa de provocar uma reação mais violenta ainda. Entrou pela porta de trás, acompanhada do garotão forte enquanto os dois, à frente, ocuparam seus assentos, um deles tentando ligar o carro. Teve dificuldades para fazer a ré, aumentando o nervosismo, podia ter batido em outro carro e aumentado o perigo de uma catástrofe. Ninguém percebeu o movimento, ninguém notou o que estava acontecendo de grave, até que o veículo entrou na pista e desapareceu na escuridão.

Pensava mesmo era na família. No filho adolescente. Com a mesma idade dos algozes, com modos não muito diferentes, membros de uma classe média difusa cujos estereótipos massificam-se pelos meios de comunicação ao seu alcance. Os tênis do filho estavam no carro, no banco traseiro. Ele os trocara na hora de ir à academia e os esquecera ali. Melhor assim. Os bandidos recolheram-nos como troféus de guerra, medindo-os nos pés. Pior é não ter nada do interesse deles. Tinha também um relógio – que o guarda do cativeiro olhava, o tempo todo, às vezes com um fósforo, quando a parca luz era apagada pelas nuvens errantes. Tinha setenta reais na carteira – ainda bem! -, os pães e biscoitos amanteigados que eles logo devoraram – e mais nada, além do carro, sem aparelhagem de som. Talvez fosse um erro não ter equipamento de som, mas pensava que isso é que podia atrair os ladrões. Na confusão atônita de suas idéias, não sabia se era melhor tê-lo para atenuar a avidez dos bandidos o não tê-lo, para não atrair a cobiça. No seu caso, de nada lhe valeu não tê-lo... Imprevisível. Eles estão em toda parte, numa clonagem ou emulação de um modelo de violência que se propaga pela mídia como uma praga social, disseminando-se na impunidade e impondo-se como situação incontornável. Lembrou-se de ter visto, há tempos atrás, uma cena impressionante, impactante. Ali mesmo, nas redondezas do presídio da Papuda. Dois ônibus repletos de presos. Estavam emborcados, com os rostos recolhidos sobre os braços debruçados nas costas dos assentos, impedidos de olharem para os lados, sob a mira de policiais armados. Batedores seguiam o séqüito sombrio, as ruas guardadas por viaturas, um aparato de guerra. Eram quase todos jovens como aqueles que a seqüestraram. Sentiu horror e pena. Que desperdícios de vidas! Presos por atos estúpidos, presos de suas ações intempestivas, por atos de bandidagem inconseqüentes, sem perspectivas. Não conseguia entender a condenação de parcelas imensas da população entregues ao crime, outras encarceradas como monstros em zoológicos humanos, em condições humilhantes. Não queria perder a fé em Deus nem na condição humana, religiosa convicta desde sempre mas sentia horror e desânimo, apreensiva com o filho solto no mundo, sujeito aos perigos da existência, aos riscos da convivência na escola, no clube, nas quadras de Brasília.
Que levaria jovens como esses ao crime? Não estavam mal vestidos, não eram miseráveis, talvez fossem moradores de bairros pobres mas também podiam ser membros de uma classe ascendente das periferias urbanas, iguais a tantos outros. Talvez freqüentassem [outra vez uma trema!] a mesma academia do filho, andassem no mesmo ônibus, forrem às mesmas festas e feiras agropecuárias e aos espetáculos de música jovem. Talvez um pouco mais primitivos, mas não eram analfabetos, falavam com certa correção e desembaraço, quem sabe jovens desesperados pelo desejo de consumo, dominados pelo vício, sem uma formação moral suficiente, sem um ambiente familiar bem constituído. Raciocínio típico de uma pós-graduanda, pensou, com certo constrangimento.

Sentia dores nos extremos do corpo, principalmente nas pernas, por causa das seqüelas (mais temas!!!) de duas cirurgias de varizes. As mãos e as pernas atadas ao tronco da árvore. O jovem fumava, em silêncio, olhando para umas estrelas parcas que insistiam em aparecer entre as nuvens, com uma cara de inocente. Discreto, parecia ser o mais tranqüilo [mais tremas!!!] de todos, apesar da apreensão, da espera prolongada. Mas nada de violência com ela, nenhuma palavra, nenhum gesto de agressão. Se eu fosse mais jovem, pensou, eu podia estar sendo molestada, seviciada. Nada disso, eles só queriam o dinheiro, ela revelara as senhas, sem hesitação. Quem sabe se eles ficariam satisfeitos com um saque modesto naquelas condições, agora que os bancos limitaram os valores da retiradas como medida preventiva, por causa da onda de seqüestros relâmpagos. Pior, pensou, ela preferia que levassem tudo o que pudessem levar, contanto que a deixassem em paz. As medidas talvez funcionassem contra as vítimas, exacerbando a fúria dos bandidos. Que levassem o carro, embora a falta do carro criaria problemas na vida dela que morava longe e levava o filho e a irmã para o colégio, para o trabalho, para todo lugar que requeriam. Lembrou, com alívio, que o carro estava no seguro mas, em vez de aliviá-la, tornou-a mais confusa ainda, por alicerçar seu otimismo numa probabilidade remota. Sairia ilesa daquela situação?

***

Na cena do filme, os delinqüentes enfrentavam bandos rivais, inimizades gratuitas, de puro animismo machista. Um enfrentamento bárbaro, de violência inaudita. Um dos jovens, ensangüentado {!!!!] escapara, deambulava quase cego por uma avenida de bairro de ricos, sem grades, indo cair no desvão do pórtico de uma das mansões. O proprietário acolheu-o com piedade, quis lavar as manchas de sangue de seu rosto juvenil. A esposa, paraplégica e muda, estava inquieta na cadeira de rodas. Ele percebeu o desassossego da companheira, vítima do vandalismo de uns jovens que haviam invadido a casa deles tempos atrás e que a vitimara barbaramente. Gratuitamente. De repente, ele reconheceu o jovem quase desmaiado em seu colo. Era um deles! Não tinha dúvidas. A mulher o reconhecera em seu silêncio de meses de invalidez, expressava uma angústia feroz, de impotência. Os olhos dela faiscavam rancor e desespero. O homem inquietou-se, estava sendo perturbado por uma lembrança devassadora, estava a ponto de estourar de fúria. Tomou a escultura de mármore com que um dos jovens – talvez fosse aquele indefeso que estava prostrado a seus pés – violentara a sua esposa, com golpes sucessivos de uma insânia sem qualificação, uma cena de instintos mais perversos. Começou a golpear o jovem com uma força que não era dele, que não reconhecia em seu comportamento civilizado, até esmagar o crânio do jovem.
Sentiu um calafrio. Via no pesadelo os jovens assaltantes regressando do caixa eletrônico, drogados, esfaqueando-a até perder os sentidos. Ela via o jovem próximo dela sendo trucidado por mendigos debaixo de um viaduto escuro, imaginava policiais chegando e disparando tiros, estourando-lhe os miolos diante dela, apavorada.

***

Os dois jovens voltaram muito irritados, reclamando que a senha não funcionara, que haviam estado em mais de um caixa eletrônico, sem levantar nenhum centavo. Melhor seria se ela revelasse a senha certa, se queria continuar viva. Talvez fosse melhor levá-la ao banco para fazer a retirada. Um deles argumentou que ele era burro, não sabia nem digitar uns números no teclado. Ela teve a sensatez e a calma suficiente para repetir o número, com insistência, para que conferissem o que tinham anotado.Com voz pausada, temerosamente suave, sublinhando sua sujeição, numa obediência absoluta. Teve a lucidez possível para argumentar que desejava colaborar, que de nada adiantaria salvar o dinheiro quando o que estava em jogo era a vida dela. Estavam nervosos e confusos. Um deles, o mais jovem, achava que deviam matá-la de uma vez e ir em busca do dinheiro.O garotão que montava guarda interveio em favor dela. Ouviu a voz dele pela primeira vez: era modulada, doce, bem educada. Disse que era melhor não exagerar, que já tinham o que queriam: o carro, a senha. Ela repetiu a senha mais uma vez, para que ficassem convencidos. Parecia haver uma disputa entre eles mas prevaleceu a ordem do líder, que havia escrevinhado os números e as letras na palma da mão com uma caneta ordinária e tomou a iniciativa de entrar no carro, seguido dos demais. Não haviam rodado cem metros quando chamaram o jovem que montava guarda. Conversaram por uns breves instantes. Que instruções estariam dando? Talvez pensassem em liquidá-la de vez, como queria o mais jovem. Ficou resignada com a idéia, quem sabe seria melhor do que seguir naquele suplício interminável. Continuaram conversando mas, àquela distância, não conseguia inteligir nada dos sons difusos que ouvia. O terceiro jovem entrou no carro e saíram em disparada, com muita força, levantando uma nuvem de poeira.

Ficou imóvel por um tempo, auscultando na direção da trilha por onde partiram. Ouvia sons que não reconhecia na confusão de seu sobressalto. Parecia haver mais luz. A aragem, voltou a senti-la, com um alívio. Buscava organizar as idéias enquanto experimentava a folga do cinto de couro em torno de seus punhos atados. Havia enrijecido os músculos e as munhecas na posição mais vertical, para amenizar a dor da atadura e percebeu que estavam mais frouxas do que imaginava. No desespero das horas de cativeiro, nem havia tentado qualquer relaxamento ou movimento de soltura, para não chamar a atenção do vigilante, mas sempre teve a sensação de poder soltar-se se houvesse uma oportunidade. O couro era mais flexível do que uma corda, pensou, experimentando a resistência do material, tentando deslizar uma das mãos, vagarosamente apesar da apreensão, até o ponto em que parecia haver espaço para a libertação. Continuou forçando, com reiterada pressão e ansiedade e sentia que avançava, mesmo com a dor que provocava. Insistiu, reiniciou várias vezes, até conseguir soltar uma das mãos. O resto foi rápido, logo estava solta, com uma certa câimbra nas pernas mas com ímpeto renovado de fuga. Correu para o mato, sem atinar para qualquer lógica ou estratégia, apenas para afastar-se do local do cativeiro. Sentiu-se com um ânimo renovado, menos de medo e mais de susto, tentando recompor-se. Melhor seria voltar na direção da trilha por onde escaparam os bandidos. Foi pelas beiradas, escondendo-se no mato ralo mas logo raciocinou que notaria as luzes dos faróis de algum veículo. Mas estava certa de que não voltariam de imediato mas também raciocinou que podiam mudar de idéia e voltarem para eliminar qualquer prova do crime cometido. Talvez tivessem ido comprar alguma comida, quem sabe cigarros e bebidas. Nisso apareceu o resplendor de um carro no caminho, bem longe. Correu para o mato, olhando do fundo de uma moita para perceber que se tratava de um carro velho em alta velocidade, com uma cauda de poeira levantada. Se tivesse tentado parar o carro, corria o risco de ser atropelada. Ninguém iria dar-lhe socorro àquela hora, naquelas circunstâncias. Voltou a caminhar até que avistou umas poucas casas de chácaras, com os latidos de cães numa cadeia de sons cada vez mais distantes, como se houvesse desencarnado uma seqüência [outra vez as tremas!] de alarmes programados. Mais adiante avistou uma casa iluminada com o clarão de um aparelho de tevê. Bateu palmas, gritou por socorro, até que apareceu um rosto de mulher assustada na janela. Gritou para ela que havia sido assaltada – achou mais fácil dizer assaltada do que seqüestrada – mas a mulher pediu que ela seguisse até ao final da pista, pouco mais adiante, onde havia uma venda com um telefone rural. Entendeu a precaução da moradora e, abnegada, seguiu na direção sugerida. Estava fechada a venda mas percebeu que tinha gente lá dentro e esmurrou a lataria da porta com desespero, pedindo ajuda. Não tardou que aparecessem os donos – um velho acompanhado de dois mais moços, com um revólver na mão.
A polícia chegou uma hora depois, depois da meia-noite, quando já havia tomado um refrigerante e comido uma broa de milho que a mulher do bodegueiro insistira para que comesse, enquanto relatava os fatos. Os policiais trataram o caso como de rotina, garantindo que era uma das quadrilhas que estavam perseguindo e que, a qualquer momento, conseguiriam flagra-los em delito, era só uma questão de perseverança e paciência. Havia uma certa fleuma, não demonstraram muito interesse pelo caso e agiam com alguma parcimônia. Limitaram-se a reportar o fato pelo radio, a dar o número da placa do carro roubado para alguma providência. “Eles devem estar em algum caixa eletrônico, não muito longe daqui”, insistiu a vítima. “A gente sabe disso”, limitaram-se a dizer, com certa indiferença e a conduziram, em silêncio, para a delegacia. Não estavam muito interessados nos detalhes, que os reservasse para o registro da ocorrência. .

(Conto inédito, 1 nov. 2004) cmiranda@unb.br
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