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Contos-->DESCOMUNAL E DESCONCERTANTE -- 27/10/2004 - 23:07 (ANTONIO MIRANDA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
DESCOMUNAL E DESCONCERTANTE

Conto de Antonio Miranda

Cabelos brancos, cheios. As sobrancelhas grossas, grisalhas, hirsutas. Ar sisudo, ranzinza. Vestido com um terno escuro, ultrapassado, o Velho presidia a mesa do restaurante, com a família em sua esfera, olhando-o com respeito e afeição. Um tanto grave aquele olhar, considerando a alegria de seu entorno. A mulher apoiando-o na feitura do prato de comida, conhecedora de suas preferências: um equilíbrio entre porções secas e molhadas, arroz e feijão, ou macarrão e molho de tomate, entre batatas cozidas e carnes moídas. Nada de comidas secas, nunca pratos excessivamente úmidos. Era melhor servir-se ao poucos. Em vez de saciar os olhos, agradar ao paladar, degustar devagarinho, ingerindo colheradas de comida e goles de bebidas, costume antigo.

Os netos comiam às pressas, disputando garfadas, sob o olhar complacente da avó e da mãe, enquanto o velho criticava o barbarismo apenas com as sobrancelhas. Se estivessem em casa, talvez esboçasse alguma censura mais explícita, mas discretamente, porque preferia os gestos às palavras, acenava mais do que falava. Às vezes apontava para algo e as pessoas ficavam a esperar que declinasse alguma opinião, ou crítica, ou queixa mas refluía, amenizava o gesto que acabava dissolvendo-se no silêncio parcimonioso. Os silêncios eram mais eloqüentes que os argumentos que usava, quando usava.

Estavam ali para o aniversário da filha, acompanhado da esposa, do genro e dos dois netos.
Irritava-se amiúde com a balbúrdia dos pequenos, recolhia-se ao seu escritório quase todo o tempo em que estava em casa. No restaurante, continha-se. Gostava das crianças mas não tinha muita paciência para uma convivência prolongada com elas, só por instantes e isso bastava para a alegria dele. Tiveram uma única filha mas ele não a assistia muito, era mais bem protocolar em suas relações familiares, mais à mesa do que na sala de estar. A esposa poupava-o das tarefas da casa, dos passeios ao parque ou às sessões de cinema quando a filha era pequena, elas iam sempre sozinhas, com a certeza de não importuna-lo, de deixa-lo tranqüilo, dedicado às suas pesquisas e de ser queridas e amparadas por ele. Era o jeito dele, era bom assim. Dialogava mais com os livros do que com vizinhos e amigos. Não, não era um ser fechado e amargo, nem desagradável. Era caseiro e dedicado à família, que acompanhava à distância, assistindo-a na medida do possível, com muito zelo e solidariedade. Só não era efusivo nem de muitos afagos, nem de conversas prolongadas. Ninguém se queixava. Bastava um meio-sorriso dele para dar conforto à família, bastava um olhar mais grave para cortar desavenças e desentendimentos. O Velho não discutia, nem impunha nada de forma incisiva. Bastava manifestar seu interesse ou desaprovação para ser acatado. Sem contestação. Não era autoritário, mas exercia sua autoridade, não vivia metendo-se em assuntos alheios mas nada escapava à sua percepção.
Não era contrariado nem propriamente contrariava porque ninguém trazia à sua opinião e decisão aquilo que presumivelmente não aceitaria ou aprovaria. Sentiam-se seguros em sua companhia. O Velho também estava feliz à sua maneira, sem qualquer transbordamento de emoções, sem efusões afetivas de alegria ou descontentamento. Ali, à mesa, passava uma sensação amena de estabilidade, de simpatia.

As crianças é que exigiam mais liberdade de movimentos, mais espaço para suas atividades, subiam alguns decibéis nas extroversões corriqueiras. Os pais tentavam sossega-las, a intervalos, para evitar os excessos, com paciência, sem alterar muito as vozes. As crianças entendiam e só transgrediam as normas por instantes, recompondo-se com resignação e sem maiores descontentamentos.

O genro tentou algumas palavras de congraçamento, na esperança de que o Velho o seguisse na saudação à aniversariante, mas ele restringiu-se a esboçar um sorriso de aprovação e a levantar a copa de vinho. Parecia não querer romper a normalidade do ambiente, talvez achasse abusivo perturbar as mesas vizinhas, todas repletas de casais e grupos celebrando com muita discrição os motivos que os levaram até ali – aniversários, namoros, reencontros de amigos.

Na mesa ao lado estavam dois casais de jovens. Um gorducho com a namorada mais alta que ele, bem vestidos; um jovem de corpo de atleta, com roupas esportivas e a provável namorada, de corpo esbelto e com roupas muito colantes. Uns exibidos, pensou o Velho, sem deixar de admirar a perfeição daqueles corpos jovens, exuberantes, esculturas trabalhadas provavelmente em academias, dourados ao sol de praias e piscinas. É gente que gasta mais tempo no cultivo das formas dos bíceps e das nádegas do que com o cérebro, deve ter pensado, sem deixar de admirar a beleza daquele esforço, de descansar os olhos na fortaleza dos ombros do rapaz ou na suavidade das curvas da moça ao seu lado. Depois percebeu que o primeiro casal era mais afetivo, que estavam sempre se tocando, não raras vezes se beijando, enquanto que o apolíneo rapaz à sua frente, mantinha certa distância da companheira, que o buscava e o alisava, a intervalos, sempre correspondida de forma automática e descontínua, desfazendo-se logo o relacionamento. Via-se que a abordagem o agradava mas não o mantinha relacionado, desprendendo-se e gesticulando solto e livre, com muita vivacidade. Tudo de forma muito natural, conforme e alegre, com espontaneidade e desembaraço. Talvez fossem apenas amigos. Riam muito, moviam-se bastante mas sem estardalhaço, mais com o corpo do que com o volume das vozes. Gente educada, com uma simpatia inusitada para os olhos cansados do ancião, porque não costumava observar os jovens, nem havia adolescentes em sua família nem em seu círculo de amizades, de gente da terceira idade, quase sempre com filhos adultos. Também porque não saíam muito de casa, não visitavam tanto os amigos nem eram de recepções a familiares e colegas. A vida em casa era de uma rotina ininterrupta, de trocar umas impressões curtas sobre as questões de família, do tempo e das notícias que chegavam pela televisão relativas à carestia, aos seqüestros e desastres naturais e de toda índole, naquela exacerbação dos fatos que rompem o cotidiano da existência humana.

O jovem atleta – seria um nadador, um jogador de basquete? – era uma exceção entre corpos amorfos e degradados que constituem o cenário das nossas cidades. Levantou-se e deu para perceber a sua imponência, sua magnitude: uma estatura incomum mas esguio e estilizado, cintura fina, pernas grossas e longas, ombros largos e o peito cheio mas sem excessos, num equilíbrio de formas que não agrediam, que pareciam leves e ágeis com as de um bailarino. Parecia flutuar sobre os tênis claros, pés proporcionais à sua altura, flexíveis, girando com o corpo no movimento de saída. Cabelos escuros, lisos, bem cortados, viam-se de trás, desaparecendo como uma silhueta grácil no fundo do salão.

Voltou a olhar para os netos, que reclamavam atenção. A esposa queria saber se preferia um pudim de sobremesa ou uma salada de frutas. Ele custou a entender a pergunta, absorto, recompondo-se em seguida. Queria um torta de maça, o que não costumava ter em casa. A filha queria saber se ele apreciara a comida, se não aceitava um bocado mais do que ainda estava em seu prato. Por uns instantes havia deixado de mastigar, de comer, mas ele balbuciou que estava satisfeito, que podiam retirar o prato, sem problema, logo atendido pelo garçom. Nem viu quando o jovem da mesa ao lado retornou ao seu assento. Só deu com a presença dos jovens quando riram mais alto de alguma piada ou de um comentário inusitado, entre goles de cerveja. A moça passava a mão pelas coxas rijas e musculosas do rapaz, que não esboçava nenhuma reação na face esplêndida, entre sorrisos e frases divertidas. Gesticulava com as mãos e levava a caneca à boca para sorvos demorados, celebrados pelos amigos. Externava um júbilo contagiante, começava a exceder-se em seus movimentos, esticava as pernas e, de repente, deu para notar que estava muito excitado, que um volume descomunal acentuava as dobras do jeans, de forma acintosa. O Velho sentiu-se incomodado com aquela revelação de intimidade excessiva e pública quando os olhos de ambos – do jovem e do velho – se cruzaram. Furtivamente, de relance, para o desassossego e vergonha do ancião. Sentiu-se mais miserável e desconfortável com um sorriso de malícia e cumplicidade do jovem que, incontinenti, meteu as mãos pela cintura e puxou, com desenvoltura, todo o volume para cima, para disfarçr a exuberância. A moça limitou-se a dar um tapa na perna dele, a retirar a mão e a buscar a caneca de cerveja, num gesto de censura velada mas cúmplice. O jovem voltou a olhar para o velho, que se refugiava na contemplação da sobremesa posta à sua frente, buscando um garfo, notando que estava sendo observado. Percebeu que o vizinho de mesa se levantara e que caminhava na direção do fundo do salão, mas evitava olhar, concentrando-se no trinchar dos talheres sobre a porção de torta à sua disposição. Queriam saber se estava boa. Uma delícia, a massa leve e com pouco açúcar. Fora mais detalhista, mais prolixo do que de costume, como que buscando apoio aos seus pensamentos. Quis entreter-se com as brincadeiras das crianças, por uns instantes, tentou observar a filha atendendo ao marido com o café mas estava tenso e perplexo. Levantou-se subitamente, sem falar com ninguém, e foi na direção do banheiro, acompanhado pelo olhar da esposa.

Dirigiu-se ao mictório mas não conseguia urinar. Fechou os olhos tentando evadir-se. Não atinava para a causa da perturbação a que estava sujeito. Imóvel, respirando fundo quando pressentiu a aproximação do jovem atleta, vindo colocar-se quase ao seu lado, abrindo a braguilha com desenvoltura, retirando de dentro um falo enorme que lhe crescia entre as mãos e que exibia com algum nervosismo. Com uma das mãos alisava o corpo volumoso do pênis e com a outra comprimia a ponta intumescente e rija e, em seguida, levou uma das mãos ao peito, alisando-o sob a camiseta justa e logo foi descendo a mão na direção do umbigo, como se fosse outrem que o acariciasse, comprimindo os lábios entre os dentes, arfando. Os olhos fechados, a cabeça inclinada para trás, até levar a mão ao rosto e enfiar os dedos grossos e longos na boca entreaberta e ansiosa. O Velho estava estupefato, inerte, assustado até dar-se conta do estado de estupor e encantamento. Custou a vencer aquela inércia. Saiu às pressas, assustado, lívido Cruzou o salão, recompondo-se. Os jovens na mesa ao lado divertiam-se, distraídos. Segredou para a mulher que não se sentia bem mas ela já havia percebido o seu descontrole e pediu ao genro para pagar a conta enquanto se dirigiam para o carro no estacionamento.

Queriam leva-lo para o hospital mas ele pediu para ser conduzido para casa. Desejava apenas um chá, seria uma queda de pressão, coisa de menor reparo, bastava um breve repouso.

Ficou várias horas olhando o vazio do quarto, na escuridão insondável, como um túnel naquela letargia, com o pensamento apagado, até que foi vencido pelos sedativos, pelo sono mais pesado, e dormiu sem sonhos e sem pesadelos.
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