Finalmente, depois desses longos quatro anos, acho que consegui terminar a tarefa que a senhora me confiou.
Seu inventário terminado de acordo com o seu testamento público. A Escola dom Bosco, Arquidiocese, as Obras Assistenciais da Paróquia de Jaboatão, seus irmãos João, Leonardo, Eduardo, Clodoaldo e sua cunhada Maria do Céu, juntamente com os Filhos de Tia Clotilde, estão na posse e domínio de seus bens deixados para eles. Todos impostos pagos, e um formal de partilha para cada um.
Poderás até me reclamar da demora, mas tenho mil razões para explicar. A justiça brasileira é a coisa mais injusta que existe. Durante o processo de inventário foram cerca de 8 magistrados. Cada um com um pensamento, com uma exigência, com um parecer. Um encontrava defeito no parecer do outro e exigia mais documentos, reavaliações etc. Apenas os herdeiros não exigiram nada. Normalmente os inventários demoram por desentendimento entre os herdeiros, discordància de avaliações ou falta de pagamento dos impostos. No seu caso, não houve nada disso. Quem atrapalhava o processo era o magistrado do dia. Para a senhora ter uma idéia, após um dia da avaliação, paguei o imposto de transmissão. Pensava que assim o Juiz daria a sentença e mandaria fazer o formal. Já havia entregue todas as certidões negativas de todos os imóveis, quando o Juiz do dia pediu uma certidão negativa da Fazenda Estadual. Não entendi, porque a Fazenda foi quem avaliou, foi a ela que eu paguei e as cópias dos pagamentos estavam nos autos. Não discuti, providenciei a maldita certidão. Mais quinze dias. A certidão foi anexada aos autos. O novo juiz, mandou o processo novamente para um parecer da Fazenda. Após 30 dias a Fazenda devolveu dizendo que não tinha nada de errado. Já era outro juiz. Esse disse que levaria os autos para casa para examinar e depois daria a sentença. Passou um mês com o processo, disse que estava muito bem feito, mas para que não pairasse nenhuma dúvida, pediu uma certidão negativa do Domínio da União. Custava crer de tal necessidade, já que todas as certidões do Registro Geral de Imóveis estavam no processo e nenhum deles era foreiro. Não contestei nada, mandei tirar certidões e em trinta dias já estavam nos autos. Outro juiz assumiu a vara. Esse levou o processo para casa e praticamente não falava com os Advogados. Determinou que só atenderia os Advogados nas quintas feiras e nesses dias não aparecia por lá. Houve tanta pressão da OAB e na Corregedoria que ele foi exonerado da Vara. Por fim apareceu um Santo de nome Dr. José Vianna Ulisses Filho e deu a sentença final mandando que fosse expedido o formal de partilha em 17/03/2003. Ocorre que o Secretario "manda chuva", disse que estava com muito trabalho e o bendito formal só saiu no dia 05/05/2003, após o transito em julgado.
Comecei então a fazer a Declaração Final de Espólio do Imposto de Renda a fim de dar baixa no CPF. Por azar meu, este ano a Receita Federal não disponibilizou o programa e tive que fazer em um formulário datilografado. Tive que sair procurando quem tivesse uma máquina até que uma colega do Banco se prontificou a fazer o trabalho em uma velha máquina que ainda existia nos troços quebrados da organização em que trabalhava. Por fim apareceu o último problema. Como a senhora sabe, papai seu inventariante, devido a esclerose não assina mais e raramente nos reconhece. Fui a Receita Federal perguntar o que faria. Quem assinaria ? - A resposta inicial foi que deveria requerer a Interdição de Papai e nomear outro herdeiro como inventariante. Ponderei que isso era um absurdo. Não houve jeito. Então declarei: Não faço mais nada ! Saí fumaçando pelos ouvidos.
Dias depois esfriei a cabeça e voltei a Receita Federal. Encontrei uma senhora muito distinta, expliquei novamente o problema e ela disse: Qualquer um dos herdeiros pode assinar. Sai exultante de alegria. Pedi a Tio João que assinasse e entregasse a declaração, o que foi feito três dias depois sem nenhum problema. Não vou repetir nesta carta a primeira parte do inventário 1999/2002, já que foi motivo da carta anterior, no entanto tenho que voltar ao assunto dos seus salários.
Como a senhora sabe, continuaram pagando até 2 anos após a sua morte, embora tenha mandado carta e certidão de óbito para: Os Ministérios da Educação, Planejamento, Previdência Social por duas vezes cada um. Além disso enviei o seu dossiê para o Presidente da Republica, Ministros, Presidente do Senado e a 3 Senadores, além de publicar no Jornal nossas cartas. Poderia até ter sacado dinheiro e distribuído com as instituições a quem a senhora beneficiou. Mas como sei que a senhora jamais me perdoaria, deixei no Banco e continua até hoje lá, com um agravante. Estão pagando uns atrasados de 3 em 3 meses, e pediram o seu comparecimento para assinar um novo plano de saúde.
Querida Tia, estou pensando seriamente em candidata-la a Academia Brasileira de Letras, não só pela sua obra e seu português impecável que a tantos ensinou, mas também pela sua imortalidade perante os órgãos públicos de nosso país. Ultimamente aprovaram uma reforma previdenciaria, alegando que do jeito que estava em 4 anos o governo não teria mais dinheiro para pagar os aposentados. Para tanto vão cobrar dos aposentados e pensionistas 11% de contribuição, aumentaram o tempo de contribuição para os ativos, e a idade mínima para se aposentar. Agora eu pergunto Tia ? Quantos imortais existem na previdência, que diferentemente da senhora continuam recebendo seus salários ? Tem até imortais não morridos ! ou seja, usam o nome dos mortos para aposentar os vivos. Tudo quanto é trambicagem, e mutreta, sai diariamente nos jornais e na televisão. Golpes e mais golpes. Aposentadorias milionárias, Mutreteiros de alto escalão são descobertos todos os meses, com rombos de milhões, ficam impunes e ricos, graças a nossa legislação facciosa e ultrapassada, que é seguida ao pé da letra pelo Poder Judiciário. A previdência social é a maior arrecadadora do país e só vive lisa com um déficit impagável. Entra governo e sai governo, as reformas são reformadas, e no fim quem paga somos nós o contribuinte. Todo governo novo vem com a mesma cantilena: "povo também tem que dar sua dose de sacrifício para que possa garantir o futuro deste país." Ocorre que o povo que é sacrificado já deu seu sangue e não é justo que pague pela incompetência, corrupção e desvarios do Poder Público. Quando são candidatos prometem moralizar, reformar, prender os corruptos e transformar esse país em uma nação. Quando chegam lá, começam a falar que o anterior deixou os cofres vazios de dinheiro e cheios de dívidas. É assim desde que me entendo de gente, o filme é o mesmo, mudam os atores, que geralmente entram pobres e saem ricos.
Agora a senhora tem a companhia de dois conterràneos: Van-van e o primo Miro. O primeiro está fazendo uma falta muito grande, pois estaria largando a lenha pelo Jaboatão Jornal, e o primo Miro, estaria dando grandes risadas dos nossos aborrecimentos. Não vou dizer que vocês fazem um trio imortal, mas que deixaram muitas saudades e serão inesquecíveis, principalmente pelos seus alunos que lhes devem tanto. Serão imortais no entanto, pela honestidade que pregaram e pela luta de transmitir o saber para os menos favorecidos e contra as injustiças sociais que tanto combateram.
Recebam um abraço afetuoso de todos que lhes quiseram bem e nunca os esquecerão.
MAURO
26/09/03
