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Contos-->ÁGUA RASA NO RIACHO FUNDO ( A VISITA DO LUNÁTICO) -- 08/12/2000 - 00:38 (VIRGILIO DE ANDRADE) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
AGUÁ RASA NO RACHO FUNDO é uma fábula de fim de Século. Nesta história hilariante, os personagens debatem questões sociais e políticos; destacando o tema ambiental, e a tramitação do Projeto de Lei nº 00805/93, de autoria do Deputado Wasny Rose, que almejava tornar o SINOBÉLIAS BOITINEI (pira-brasília) no Animal Símbolo da Capital Federal.
É sempre bom recordar que, o Projeto de Lei do aludido Deputado, proporcionou, no meio político local, debates calorosos, intrigas, rusgas, discursos indecorosos, e o surgimento de um candidato que uniu a oposição. Neste caso, ninguém menos do que o CHRYSOCYON BRACHYURUS (lobo guará).

Para o amigo leitor já familiarizado com a obra de ANTONIO VIRGILIO DE ANDRADE, notadamente, O SEGREDO DA PASTA ROSA, CAÇADA AO PEIXE PIRÁ-BRASÍLIA, e OINOTNA, O ÚLTIMO HERMITÃO; esta obra representa o marco embrionário que fecundou a trilogia acima citada; e traduz a aventura criativa do Autor.





CAPITULO I (A VISITA DO LUNÁTICO)



Conta-se que num certo dia de verão, um lobo peludo, de coloração pardo-vermelha, mais escura no dorso, pés e focinho pretos, com malha branca na garganta; estava sentado no barranco vigiando o exato momento em que o peixe apontaria a cabeça fora d’água. O canídeo estava inquieto e ansioso; cansado daquele esperar solitário quando divisou um vulto reluzente cortando a flor da água fria. Eriçou as orelhas; como se estivesse preparando um bote. E gritou:

- Pirá!
- O que foi, Guará... Qual é o motivo dessa aflição?
- Preciso levar o esqueleto pra casa, amigo...
- Que sina! – ruiu o outro. - Quando a festa está ficando boa você quer ir embora!
- Que nada, amigo...Você sabe muito bem que não posso ficar a vadiar neste pedaço de cerrado.
- Sei não... Tudo me levar crer que já não preza nossa amizade.
- Que nada, amigo... Você sabe que não é verdade. Tenho muito...
- Tem nada seu mentiroso! - atalhou o peixe.
-...Tenho muito chão pela frente, Pira! O fogo pode reaparecer... Já se esqueceu?
- Você está certo, Guará... Não posso exigir que o amigo se exponha ao perigo.
- Então, até breve, amigo... Mas antes de partir, quero agradecer por ter apagado o fogo do meu rabo... Fico te devendo mais uma!
- Larga de ser bobo, Guará! Um dia tudo vai ser diferente.
- Eu gostaria de ter sua fé... Mas tudo bem, a esperança é a última que morre! Não é verdade?
- Até breve, Guará... E volte logo! – gritou o outro, quase suplicando que o amigo ficasse.

Como é de se imaginar; o peixe ficou muito triste com a partida do lobo. Para ele, aquele era o pior momento. O momento de se separar do amigo, e ficar a mercê da própria sorte. Para fugir do último adeus, fingiu que estava procurando algo no meio das folhas secas que cobriam o chão.
Creio que toda despedida deva ser assim; um momento difícil e de forte emoção. Somente quem fica é capaz de dizer a dor que cala no peito. Para quem parte, o peso do fardo só é insuportável até que se dobre a primeira esquina.

Vivendo o vazio da sua solidão, o peixe tratou de procurar alimento para saciar a fome. Manter a dispensa cheia de alimentos era uma labuta que lhe consumia boa parte do tempo do seu dia-a-dia. E naquele ano de seca prolongada a situação estava pior do que nunca. A floração da vegetação não foi fértil e, certamente não ocorreria uma farta frutificação.
Culpa da estiagem. O céu estava carregado de nuvens, mas chuva que é bom...

Com o passar dos dias, o peixe esgotou sua dispensa de migalhas e teve que se contentar em comer folha seca. Prevendo que o período chuvoso tardaria a chegar, resolveu se arriscar numa peregrinação a cercanias da cidade do bicho-homem.
O lobo alertara-o para os perigos que teria de enfrentar. Era uma viagem perigosa. Correria risco de vida. Mas o que podia fazer... Enquanto a chuva não fecundasse a terra, iniciando um novo ciclo de farturas; não lhe restava outra alternativa. Teria que tentar. Teria que procurar alimentos no bueiro que desaguava no riacho para não morrer de fome.

E assim fez. Na manhã do dia seguinte, o peixe fez uma rápida viagem aos arredores da cidade do bicho-homem. Não teve dificuldades para encontrar o que procurava. Planejara que estaria de volta ao cair da noite, e tudo transcorreu conforme planejado.
Estava cansado. Mas só se deu conta que algo de mal havia lhe ocorrido quando chegou na sua morada. Percebeu-se febril. Respirando com dificuldades. Já não possuía a mesma vitalidade para superar as corredeiras mais revoltas. A cabeça doía, a respiração falhava, e os olhos lagrimejavam.
Entregou-se ao desânimo. Chegou a pensar que aquele era seu fim.

“Regime de guerra... você tem que fazer um rigoroso regime de guerra!, recordou-se, da conversa com o lobo. É... o Guará está certo. Já não basta apenas apertar o cinto; tenho que fazer um verdadeiro regime de guerra...”

O Riacho Fundo era o último resquício do habitar natural do pirá-brasília. No entanto, qualquer observador poderia prever que sua água cristalina em poucos anos ficaria turva pelos excrementos da civilização. A poluição nas suas principais nascentes era rotineira. Em poucos anos, não mais haveria quem suportasse ali viver. E aquele peixe, era um dos últimos da sua espécie.

A constatação daquela realidade, por ele, jamais imaginada; não mais lhe permitiu ter esperança de dias melhores. Estava cansado das promessas do lobo. Estava abandonado ao sabor da própria sorte. Chegou a cogitar que sua vida já não tinha nenhuma razão de ser; tamanho era seu sofrimento. Em momento de maior desespero, desejou ser capturado pelo bicho-homem. Quem sabe se não seria melhor abreviar o fim. O fim por todos anunciados.

“Só me restou o lobo Guará..., refletiu, ele. É o único amigo que se atreve a me visitar... Também, ele é esperto e ágil; o bicho-homem não vai capturá-lo tão facilmente. Mas o que pode o lobo fazer para me ajudar, se não consegue derrotar o bicho-homem. Será que vai me abandonar como os outros?”, quis saber, aflito.

O peixe estava inconsolável. Não conseguia encontrar uma saída para aquela situação. Se outros habitantes, que, eram maiores e mais fortes se afastaram dali; o que ele poderia fazer? A quem poderia gritar por socorro?
Coçou a cabeça; como quem procura algum pensamento perdido. Sentou-se no barranco. Atirou um pedregulho no riacho. E começou a remexer nas lembranças do passado.
Imagens lhe saltaram aos olhos; em cenas perfeitamente reconstituídas:

- Guará! Guará! Sai do riacho... Hoje, sou eu que tenho uma história pra contar...
O lobo saiu sacudindo água para todo lado; e indagou:
- Não me diga que é história do bicho-homem-caçador?
- Que nada, é história do tempo do meu avô!
- Não poderia ser mais nova? - propôs o outro, sorrindo.

Cantarolando, os inseparáveis companheiros foram sentar sob o pé de quaresmeira. Quaresmeira roxa. Roxa de tanto florir. A exuberância de sua florada só pode ser descortinada nas margens dos riachos. Dos riachos que rasgam o chão do Planalto Central.

- Quer saber de uma coisa, Guará: certa vez meu avô me contou que um bicho-homem meio esquisito fincou morada na beira do lago. Foi no tempo que ele morava no Córrego do Torto... Lá onde você disse que mora o bicho-homem-presidente!
- Auto lá, Pirá! - atalhou o lobo. - Eu disse que descansava das viagens na Granja do Torto. Que eu saiba, ele vive viajando do Palácio da alvorada para o Palácio do Planalto.
- Disso eu sei! Como também sei que é um bicho é esperto, vive viajando e mudando de rio... Mas como eu ia te falando: esse tal bicho-homem esquisito passou um tempão remexendo as águas...
- Todo bicho-homem é esquisito, Pirá.
- Disso eu também sei; mas aquele era diferente!.
- Diferente... Onde já se viu bicho-homem diferente?
- Que nada, Guará! Pelo que meu avô me contou, aquele era muito diferente. Chegava sorrateiramente; fazia uma caminhada matinal; e depois; ficava por ali espiando. Às vezes, jogava uma teia de aranha no rio. Meu avô ficava com medo; com medo de virar comida de bicho-homem...
- Não é pra menos! – interpôs-se o lobo, sorridente. - Eu é que não quero ser pescaria de bicho-homem!
- Como eu ia dizendo: quando o bicho-homem recolhia a teia; media e pesava suas presas, como se procurasse encontrar algo perdido.
- Será que achou o que procurava? - interveio o lobo, maliciosamente.
- Não sei! Como é que eu vou saber? Meu avô nunca soube me explicar qual era o motivo.
- Mas que motivo?
- O motivo para jogar a pescaria de volta no riacho, ora!
- Está vendo... Não te falei que bicho-homem é esquisito! - gritou o lobo, fazendo careta.
- Sabe que estou começando a acreditar que você está certo, Guará!
- Mas é claro que estou certo! Mas esquece disso seu bobo, vai ver que achou que seu avô não servia para o ensopado dele.
- Que nada! - gritou o peixe, fazendo cara feia. - Ele pode até ser um lunático... Mas, peixe é peixe, e bicho-homem é bicho-homem. Come de tudo! - concluiu, secamente.

Pirá não conhecera o bicho-homem de quem o avô tanto lhe falara; mas, lá dentro, lá no seu íntimo, alguma coisa lhe dizia que aquele visitante era diferente. Talvez um lunático. Sim, um lunático! Somente esse espécime poderá compreender o grande enigma da natureza.

Num belo dia, o chão estorricado pelo sol impiedoso recebeu as primeiras chuvas de verão. E elas, pela dádiva dos deuses, eram possuidoras do poder regenerador; transformaram a vegetação de caules tortos, retorcidos e cheirando incenso de queimadas em um oásis de colorido inimaginável.
Cores, flores; quantas flores e cores!
Os pequizeiros floriram, e, também as quaresmeiras e outras incontáveis plantas miúdas. O capim barba-de-bode brilhava ao sol, nascente ou poente. As manhãs eram cheirosas, cheiro de capim molhado. E tudo parecia ser de verdade, tudo parecia ser um sonho. Tudo era sonho.

A chuva proporcionou uma abrupta mudança no ecossistema local; a cadeia alimentar foi restituída. O peixe obteve o alimento do qual necessitava. Ficou forte, corado e preguiçoso. Já não precisava correr riscos para se alimentar com as sobras do alimento do bicho-homem.
E era muito bom que assim não mais o fizesse. As águas que banhavam a cidade estavam empreguinadas por um líquido viscoso e fedido.
Era uma nova praga. Uma praga muito mais poderosa e devastadora do que as queimadas; do que a pesca predatória; e do que as sobras de veneno das lavouras.
O Esgoto.
Esse autêntico produto da civilização moderna poluía a maior parte dos riachos e do lago. A construção de aterros sanitários e usinas para tratamento do esgoto não surtia o resultado esperado. A situação estava cada dia pior. A cidade crescia muito além do que era esperado e planejado. Favelas surgiam da noite paro dia. O lixo se acumula nas ruas. O esgoto corria a céu aberto. E todo o caldo fétido das águas servidas acabava desaguando nos riachos e córregos da região.

Quem saberá dizer quantas vezes o peixe terá se perguntado: “- será que o bicho-homem não tem nariz? Será que ele não fica incomodado com esta fedentina?”.
Não tenho certeza se ele já obteve respostas para as suas indagações, mas estou certo de que: o bicho-homem tem nariz, mas, não tem educação.

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- NA PRÓXIMA SEMANA: CAPITULO II -

(ENTRE SUPER-HERÓIS NEOLIBERAIS)

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