Uma nau foi lançada de um porto pacífico para cruzar um mar impregnado de desventuras, tempestades, maremotos; cantos e contos de sereia a iludir o navegador.
Netuno era desafiador em cada milha, em cada onda.
Enquanto ancorado o vento soprava suave; o brilho do sol esplendia: tudo era paz, felicidade.
Dada a ordem de partir, mal recolhida a âncora o sol não brilhou como antes. Os ventos tornaram-se gélidos. O coração navegador tornou-se, tal qual o mar, a transbordar de dúvidas. Não demorou muito para os viajores serem assolados pela primeira tormenta, que de tão terrível quase pôs a pique a nau.
O Leme de firme passou a inseguro. Foi quando a Âncora de súbito disse:
- Quando eu estava em repouso, vivíamos em paz. Nada nos perturbava: nem as ondas, nem os ventos, nem os raios. Lancem-me ao fundo novamente e tudo será paz.
O Leme vencido pelo pavor acatou as palavras da companheira e disse:
- Encontrarei uma praia, onde possamos permanecer sem tormentas a nos assolar e lá ficaremos.
Assim foi feito.
Atingiram uma praia na manhã seguinte, mas não sem antes terem vivido novos dissabores e desafios.
O local era ideal. Pouco profundo. Um estreito braço de mar que entrava junto a terra formando uma baía segura e tranqüila. Dali não sairiam mais. A Âncora mergulhou e sentindo-se segura em profunda calma, pôs-se a dormir e esquecer dos dissabores vividos. Rememorando o primeiro entrave, pensou:
- Bem que poderíamos nos deixar ao naufrágio e nossos problemas já estariam resolvidos.
Naquela racanto os dias corriam monótonos. O Leme a olhar o horizonte ao longe, no mar das dúvidas, fechado numa tranqüila baía, sentiu-se mais aterrorizado que ante as terríveis tormentas que enfrentara, pois tinha impressão que seus sentidos embotavam.
Olhando-o com infinita desolação a Vela disse:
- Sinto-me inútil. Sinto que a vida se perde ao longe enquanto morremos covardemente. Tenho pressa de cruzar esse mar. E se este for bravio, sejamos mais; se os ventos forem poderosos, usemos estes para que cruzemos mais rápido; se o mar nos quiser tragar, busquemos o equilíbrio e sejamos maior que a maior das ondas.
O discurso inflamado veio de encontro ao desolado Leme que em sobressalto içou a Âncora que acordou assustada e bradou;
- Porque me tiraste de repouso tão agradável?
- Retomaremos a viagem! Respondeu com energia o Leme.
Estremeceu-se a Âncora ante a segurança e firmeza do Leme. Silenciosa tomou seu lugar no barco.
Sabia a Âncora que, aquele hora, a Vela vivia seu momento, mas sabia também que ao menor vacilo teria novamente o domínio sobre o Leme. Com este pensamento, sorriu irônica e se calou.