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Artigos-->George no País do Caos -- 17/08/2002 - 22:39 (Ivan Guerrini) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


George, um personagem fictício, acaba de ler “Parque dos Dinossauros” pela segunda vez. Um dos trechos que mais lhe chamou a atenção foi a introdução feita à Teoria do Caos num diálogo ocorrido a caminho do vale. Michael Crichton, o autor, deve ser bom nisso, imaginou George. Afinal, que o bater das asas de uma borboleta na Amazônia poderia causar um tornado no Texas não é algo tão trivial assim de se assimilar para mentes cartesianas, lineares e reducionistas. Porém, uma das mais marcantes lições desse chamado Efeito Borboleta, totalmente não-linear, é que o mesmo poderia ser aplicado em outros sistemas dinâmicos e nada melhor do que escolher situações convenientes no também fictício País do Caos para colocá-lo em prática, pensou ele.

Na linha do faz-de-conta, imagine-se num primeiro caso que George é escritor principiante, além de um bom professor. Numa manhã ensolarada, recruta alguns de seus alunos prediletos e os leva a uma grande livraria de um belo shopping de São Paulo. Junta doze livros dos mais vendidos e se apresenta num dos caixas. A bonita moça que o atende com sorriso e dedicação, logo depois de passar os códigos dos livros em seu sistema de computação, lhe dá o montante da compra. Nesse instante, ele diz que ainda precisa de um outro livro que não conseguiu achar na loja e passa os dados para a atendente. Ela não sabe, mas esse é o seu próprio livro, recém escrito. A moça consulta seus registros no sistema a sua frente e, lamentando, diz que essa obra não consta do acervo da livraria. Num movimento brusco, George diz, teatralmente zangado, que se não puder levar esse último livro, não leva nenhum outro e deixa a moça surpresa e desapontada. Bem programado, poucos minutos depois, um de seus alunos repete a façanha e também desiste da compra no momento em que a atendente diz que não dispõe do livro de George em seu estoque. Meia hora depois vem o segundo aluno e assim por diante. É claro que antes de chegar ao quarto cliente, a grande livraria já providenciou o livro de George para ficar exposto em sua bela vitrine de gala. George vê, assim, sua interferência ter sucesso num sistema dinâmico representado pela venda de livros. Com a ajuda de mais alguns companheiros nos dias subsequentes, percebe que consegue se tornar, indiretamente, um bom vendedor de seus próprios livros e deixá-lo bem à vista nas livrarias. Em pouco tempo, uma pesquisa dos jornais vai inserir seu livro na relação dos mais vendidos e a indução funcionou. Em outras palavras, o Efeito Borboleta. Através dele, seu livro passa efetivamente a integrar a relação dos mais vendidos.

Num segundo caso, George é proprietário de uma grande rede de comunicações e decide colocar em prática seus conhecimentos da Teoria do Caos para fazer com que seu candidato passe a liderar a pesquisa eleitoral mesmo estando 30 pontos atrás nos primeiros levantamentos. De 40 a 10 pontos percentuais obtidos, George exige que o locutor divulgue 37 a 13, utilizando a margem de 3 pontos de erro permitida pela pesquisa. Isso pode gerar grandes mudanças, pensa ele com razão. Além disso, George leu e aprendeu bem sobre o pequeno livro de Darrell Huff intitulado “Como Mentir com a Estatística”, publicado inicialmente em 1954 e reeditado em 1993. Nele, George lê que “... muitas vezes a linguagem secreta da Estatística, tão exigida em nossa cultura, é utilizada de forma sensacionalista, inflacionada, confusa e deformadamente simplificada”. Assim, George não sente remorsos em deletar alguns dados não tão interessantes para seu candidato. Dados que ninguém precisa saber, afinal. Não fazem isso rotineiramente os cientistas? Não diria isso de graça, é claro, se antes não houvesse lido em “Sete Experimentos que Podem Mudar o Mundo”, de autoria do biólogo Rupert Sheldrake, que o americano Robert Millikan manipulara estatisticamente os dados do experimento da gota de óleo que lhe dera o Prêmio Nobel em 1923. Coitados dos estudantes de Física que continuam tendo inúmeras informações sonegadas. Ninguém lhes fala do misticismo de Newton, da intuição de Pascal, dos devaneios de Einstein para elaborar a Relatividade e nem das distorções impostas por Millikan. Ora, se isso pode ocorrer na ciência e ainda granjear um Nobel, porque eu aqui na minha empresa não posso fazer algo semelhante, pergunta o personagem. Ênfase nas qualidades do seu candidato e nos defeitos do outro atuam no sistema dinâmico da pesquisa eleitoral como Efeitos Borboleta e George tem grande chances de se tornar vitorioso em seu intento em pouco tempo, fazendo as curvas das pesquisas se cruzarem antes das eleições. Afinal, considerando as últimas eleições presidenciais, esse filme não tem nada de novo no País do Caos. George pode até mesmo utilizar dessa repetição de padrões para entender melhor os fractais como padrões do caos.

Num terceiro caso, George é um mega investidor e ganha muito apostando alto na economia capitalizada no País do Caos. Como a equação matemática da continuidade mostra que se uma soma entra de um lado, necessariamente ela sai de outro, ele tem consciência de que são muitos os que estão perdendo com seu ganho maiúsculo, mas isso não é problema dele! Quando vê a possibilidade de seu ganho diminuir, embora ainda permanecendo num nível absurdo, arrisca-se dentro do que conhece da Teoria do Caos aplicada num sistema dinâmico e lança balões de ensaio que certamente serão comprados pela parte da mídia conivente com o sistema, atuando como borboletas. Diz para as primeiras páginas dos jornais: “quem decide uma eleição neste país é o mercado e o Risco-País só tende a aumentar com os resultados atuais das pesquisas ...” e também “ou votamos para continuar como estamos ou vamos para o caos”. Conta ainda com o contrôle de algumas variáveis do mercado que andam na mão dos manipuladores do sistema, estrategicamente espalhados pelo país. Esquece, George, no entanto, que esse sistema dinâmico tem mais variáveis do que ele possa imaginar. Chega às vezes a ficar parecido com um sistema meteorológico onde uma borboleta batendo asas pode, de fato, alterar tudo. George leu muito, mas não deu crédito aos experimentos de Lorenz e nem aos exemplos de Peitgen ao explicar didaticamente os sitemas dinâmicos que são muito complexos. Esqueceu que as inserções às vezes promovem efeitos contrários aos esperados. Achou que a extrema sensibilidade às condições iniciais trabalhariam sempre a seu favor. No fundo, esquece-se da imprevisibilidade e incerteza, marcas registradas da nova ciência. Se consultasse o eleitorado de Botucatu, uma cidade do interior de São Paulo, veria que um panfleto lançado de um teco-teco no lusco-fusco da madrugada pode causar um tornado no próprio local e não necessariamente no Texas. Sem se preocupar muito com isso, George paga para ver e lança mão de suas armas supostamente conhecidas para obter o resultado que quer. Que farão os eleitores do País do Caos ao tomar consciência da trama de George, se é que o conseguem? Juntar-se-ão ao medo incomensurável do novo que aterroriza George? Medo de perder um pedaço do quintal ou da inflação subir de novo por conta da redução de impostos? Medo de ver o destino do país sair do contrôle dos poderosos e de votos não serem mais comprados? Medo, pregado com disciplina e religiosidade na parte rabo-preso da mídia, de que o país vire um nova terra de muchachos? Medo do Risco-País estourar, levando burgueses da classe média e média-alta a propagar nos cafezinhos de sua hipócrita mesmice a anedota de que sem-dedo que não fala inglês e francês não merece subir a rampa? Não fora por isso que os integrantes do Legião Urbana já perguntavam num refrão de uma conhecida canção sobre o País do Caos: que país é esse? Será que o personagem em questão não percebeu nas leituras que fez que caos e ordem se interagem e que de um nasce o outro, não havendo nada bem definido neste universo maravilhoso? Quase certo que se esqueceu de ler “O Fim das Certezas” de Prigogine. E esquece-se também que uma nova ordem só se consegue com um caos que a precede. Portanto, é mais que natural que surjam situações caóticas que precedam a instalação de uma nova dimensão evolutiva no País do Caos depois de 500 anos do poder nas mãos dos mesmos espertos sangue-azuis que se auto definem. Esqueceu-se do modelo da pilha de areia que precisa, de quando em quando, de uma avalanche para atingir a nova ordem, ainda que a avalanche não seja por ninguém procurada diretamente. Quem mandou George não continuar estudando a Teoria do Caos? Quem mandou não perceber que, irmã daquela, a Física Quântica tem tudo a ver com a evolução do ser humano e da sociedade? Teria descoberto que Crichton poderia ter escrito inúmeras histórias diferentes a respeito dos enormes répteis antigos, até mesmo chegar ao absurdo de propor saltos quânticos da evolução de dinossauros para aves, mesmo tendo que pressupor cataclismas celestiais com chuvas de meteoros. De repente veria que a Biologia Evolucionista tem muito a ver com a Física Quântica na explicação dos gaps. De novo, o caos precedendo a nova ordem. Por que, então, o País do Caos não pode passar por cataclismas e avalanches para dar saltos quânticos e evoluir substancialmente? Faria, dessa maneira, chegar finalmente o tempo a que se refere a frase pronunciada provavelmente por um dos gajos da frota de Cabral: “este, com certeza, é um país do futuro!” Por que teria que seguir a evolução clássica e tartarugante que asseclas e conterrâneos de George tanto desejam? Que alívio, pelo menos, quando se sabe que George é somente um personagem fictício e que só se materializaria se o mesmo acontecesse com o País do Caos. Ufa!









Ivan Amaral Guerrini

Professor Titular

Departamento de Física e Biofísica - IB

UNESP - Botucatu - SP

e-mail: guerrini@ibb.unesp.br ou btguerri@terra.com.br

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