AS AVENTURAS DO REI BARIBÊ
(ADAPTAÇÃO DA OBRA DE MALBA TAHAN)
1. Que Alá, Onipotente, 1
Em sua sabedoria
Ilumine a minha mente
Do primeiro ao último dia
Pra que eu possa falar
De sua glória sem par
Em linhas de poesia.
2. Bem calma a vida corria
Na formosa Bagdá, 2
Antes que os americanos
Dessem as cartas por lá
Quando uma certa manhã,
Naquelas terras do Islã 3
O rei mandou-me chamar.
3. E passou a relatar
O sonho que havia tido
Na noite antecedente
Em que mal tinha dormido
Pois o sonho o perseguia
Todas as vezes que dormia
4. Tendo me agradecido
A presteza em atender
Ao seu chamado real,
O rei passou a fazer
O relato do seu sonho:
“-Foi como um filme medonho”
Falou o rei Baribê. 4
5. “-Uma voz dizia que
Há um preso inocente
Na prisão do meu reinado.
E assim, repetidamente,
Todas as vezes que dormia
Essa voz me perseguia
Por toda a noite a frente.
6. Dessa forma, descontente,
Por ser um monarca justo
Baribê não aceitava
Que alguém, a qualquer custo,
Viesse a ser condenado
Em terras do seu reinado
Por algum cádi injusto. 5
7. E pra não mais sofrer susto
Em sonho ou pesadelo,
Queria o nobre monarca,
Em claro excesso de zelo,
Ir visitar o xadrez
E descobrir, de uma vez,
Se havia desmazelo.
8. ‘ Inda tentei demovê-lo
De fazer tal inspeção
Porque... lhe dizia eu
Perguntar seria em vão
Todo preso o crime esconde.
Se perguntado, responde
Que é injusta a prisão.
9. Contra minha opinião
Que nem me pediu que desse
O rei, ali, ordenou
Que APÓS A SEGUNDA PRECE 6
Fosse com ele à prisão.
Não podendo dizer não,
Era melhor que fizesse.
10. E por mais que não quisesse
Convidou-me pro passeio
De visitar o presídio
Um lugar nojento e feio.
Mandou reunir os presos
E, ante meu ar surpreso,
Logo o pátio ficou cheio.
11. Era justo meu receio:
Dos condenados presentes,
Uns quatrocentos e cinco
Disseram-se inocentes;
Que crimes não praticaram...
Somente dois se calaram,
Ficaram indiferentes.
12. Então o EMIR DOS CRENTES7,
O velho Rei Baribê,
Demonstrou grande surpresa
Sem saber o que dizer.
-É incrível, seu Joaquim!
-Tanto inocente assim.
Como é que vou fazer?
13. Aconselhei-o a que
Somente ouvisse aos dois
Que não eram inocentes
E deixasse pra depois
Pensar nos outros detentos
Que eram mais de quatrocentos
A isso o rei não se opôs.
14. De imediato, pois
Fez o VIZIR Abdala8
Trazer à nossa presença,
Em bem arrumada sala,
Os dois culpados apenas
Que cumpriam suas penas
Vizinhos na mesma ala.
15. Ali, o rei disse: -Fala
O mais novo de vocês.
O vizir disse: “-Alteza!
Ambos têm vinte e seis
RAMADÃ 9na existência
E até, por coincidência,
Nasceram no mesmo mês.
16. Com soberana altivez,
Falou o rei: “-Mac Allah!10
Fale o de nome mais curto.”
O vizir disse: “-Não dá.
Ambos têm o mesmo nome...”
O monarca disse: Homem
Escolha quem vai falar.”
17. Contudo, sem esperar,
Apontou o da direita:
-Fala você, meu rapaz
Porque sua culpa aceita.
Não se julga inocente,
Como toda aquela gente,
Cuja palavra é suspeita?”
18. Após a saudação feita
Ao Emir de Bagdá,
O recluso indicado
Começou a relatar:
“-Sou Nagib, o caçador,
Não me considero autor
De delito a reparar.
19. Mas este que aqui está
Que é Nagib também,
É muito menos culpado,
Pois é cidadão de bem.
Se o Rei quer ser clemente
Com um preso inocente
Solte a ele, a mais ninguém.”
20. O outro preso também
Relatou a sua história
Para o atento monarca
Em demorada oratória.
E o rei Baribê, contente,
Declarou-o inocente
Livre da prisão inglória.
21. “-Ao Eterno seja a glória!
Vejam só quantos deslizes
Têm havido nas sentenças
Dos meus cádis, meus juízes.”
E o Sucessor do Profeta,
O Rei Baribê decreta,
Soltar os dois infelizes...
..................................
22. Dentre os deuses invisíveis
Senhor de todas as cousas
Como o Deus-Pai dos cristãos,
O nome de Alá repousa
Entre os crentes muçulmanos.
E todos os maometanos
Têm seu nome inscrito em lousa.
J- Júlio César Mello e Souza
O- Oimortal MALBA TAHAN11,
A- Assinou tantas histórias
Q- Que retratam o ISLAM:
U- ULEMÁS, CÁDIS, EMIRES,
I- IMÃS, DERVIXES, VIZIRES,
M- MESQUITAS... UASSALÃ! 12
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NOTAS DO AUTOR:
1. Alá ou Allah – Deus, para os seguidores de Maomé. O vocábulo significa divindade.
2. Bagdá é a Capital do Iraque.
3. Conjunto de países que adotam a religião muçulmana ou maometana, fundada por Maomé no ano 622.
4. O nome é o mesmo da obra do autor, Malba Tahan.
5. Cádi – Juiz, magistrado. O cádi julgava e proferia suas sentenças em nome do rei.
6. A religião maometana impõe a prece como um dos cinco deveres básicos. O árabe é obrigado a fazer, durante o dia, cinco preces, a primeira, ao nascer do sol, a segunda ao meio-dia, a terceira às 16:00h, a quarta ao pôr-do-sol e a quinta à noite.
7. Ministro do Rei. Secretário do governo. O mais importante dos vizires era denominado Grão-vizir.
8. Emir dos Crentes – título dado ao califa.
9. Ramadã é a quaresma maometana
10. Mac Allah! – Por Deus!
11. Malba Tahan (1895-1974) era o pseudônimo usado pelo professor Júlio César Mello Souza para a publicação de suas diversas obras de cunho oriental. Dentre suas inúmeras obras, nas quais enfocava a matemática ou narrações e lendas da nação islâmica, a mais conhecida foi O HOMEM QUE CALCULAVA.
12. Ulemá– sábio, doutor; imã – religioso encarregado de ler a prece na mesquita; dervixe-religioso muçulmano, adivinho, mago; uassalã- saudação de despedida.
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