meus pés nus desvendam a terra molhada
da chuva que acabou de passar.
preciso dessa umidade, desse frescor
que invadiu a casa inteira,
para sentir a deusa,
a mãe,
que dá vida,
mesmo aos desgraçados.
quantos, entre nós, tem esse luxo
de sentir, querendo, a terra molhada?
quantos, entre nós, vêem no frio
a taça de vinho, o aconchego,
o abraço quente?
ah, poesia...
há um poema cruel por essas ruas.
um grito de dor, um ai sem fim,
que é o poema negro, o poema prostituto,
o poema esfomeado, nu, espancado,
é o poema da infância devorada,
que se faz poesia porque leva a dor
e a miséria, o coração agoniado.
e a mãe, deusa, que dá a vida,
dá vida também aos desgraçados
enquanto meus pés nus
desvendam a terra molhada
09/12/2000
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