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cronicas-->A quadra do japonês -- 14/09/2000 - 17:18 (Luís Augusto Marcelino) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
São Paulo não pára. Essa é uma frase verdadeira. Experimente sobrevoar qualquer bairro periférico num sábado à tarde. São dezenas e dezenas de carros rodando meio sem rumo. Quase todos usados, desgastados pelo tempo. Açougues, mini-mercados, padarias, simples botecos. Todos eles cheios de pessoas de toda a espécie. Engraçado ver na periferia um Audi transitar livremente pelas avenidas estreitas. Não se tem uma explicação razoável. Teorias mirabolantes surgem nos bares. Deve ser um jogador de futebol da área, recém agraciado com um contrato reconfortante - comenta um senhor de meia idade. Outros arriscam que é fruto de roubo. Uns, mais inspirados, profetizam que é um bacana da Zona Sul em busca de cocaína ou de uma rapariga qualquer. O fato é que a cidade realmente pulsa 24 horas, sete dias por semana. Então, para quem construiu a frase memorável, meus votos de louvor. São Paulo não pára! Mas se destrói, pouco a pouco, sem que ninguém perceba.

Por esses dias percorri metade da Freguesia do Ó - um dos bairros mais antigos da cidade. Nasci, cresci e vou levando a vida morando nesta região. Transitando pela rua dos Sitiantes me deparei com uma construção em estado avançado de decomposição. As estruturas metálicas ainda sustentam o teto falso da edificação. Contudo, o mato se sobressai no terreno elevado. Ali, poucos anos atrás, se erguia um monumento do futebol da Vila Bancária. Se a Freguesia nunca teve um estádio à altura de seus eminentes atletas, teve sim um templo que acomodou alguns dos craques da região. A quadra do japonês. Nunca tive a honra de jogar lá, mas era com certeza meu sonho de consumo. Ouvi muitas histórias de gols magistrais e de jogadas de tirar o fólego. A Meca do futebol de salão da Freguesia! E eu nunca tive o privilégio de pisar nos confortáveis tacos daquela quadra. Lembro-me até de um gol sui generis, narrado por meu amigo Canela:

- O camarada deu uma porrada do meio da quadra, no àngulo. Mas o goleirinho foi até a forquilha, agarrou a bola com as duas mãos e a trouxe até seu peito, antes mesmo de esparramar o corpo miúdo ao chão. A galera aplaudiu. Entusiasmado, ele lançou a bola com força, rente à quadra, em direção ao meio. O mesmo arrematador dominou-a e, em fração de segundos, disparou outro torpedo. O pobre arqueiro se posicionou para agarrar o tiro certeiro, mas deixou a pelota passar entre suas pernas, até encontrar a velha rede. O menino chorou.

Imagino quantas outras histórias devem ter sido contadas. Quantas outras ficaram registradas nas mentes dos jogadores da quadra do japonês. E hoje ela adormece ao relento, sem a proteção de zinco que acobertava seu palco. Gerações de potenciais craques deixaram sua marca na velha quadra da Sitiantes. Agora, possivelmente a maioria esteja trancafiada num escritório. Ou têm uma Kombi para fazer um bico aqui e acolá. Ou quem sabe estejam atrás de um balcão de padaria. Eles não pararam, como a cidade profetiza. Mas um pedaço da vida deles - a quadra do japonês - provavelmente desaparecerá e dará lugar a um edifício de vinte andares, com piscina mal cuidada, playground minúsco e estacionamento subterràneo.
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