6 DE AGOSTO DE 1945 – UMA SEMI-CANÇÃO PARA ROBERT LEWIS
Luiz Alberto Machado
- Meu deus, o que fizemos?
Era seis de agosto de mil novecentos e quarenta e cinco.
Nem se esperava um ataque cardíaco a vinte de junho de mil novecentos e oitenta e três.
O bolso cheio de dinheiro e tirania.
E cem mil olhares sob o sol rastejando a sentença.
- Meu deus, o que fizemos? -, proferiste e teria feito tudo de novo como se o orgulho besta norte-americano resolvesse a crise do mundo e o mesmo mundo é o mesmo mundo e o mesmo mundo está sob ameaça de uma nova guerra e sempre na iminência de uma tragédia, tudo sob o símbolo da Cruz de Prata e da Cruz Aeronáutica Distinguida. E sob estas comendas muitos diriam a mesma coisa e dirão!
E, por isso, um novo cogumelo de radiotividade se faz e fará reluzir num Japão que não será mais Japão, mas América ou Américas do fim do mundo.
Eu não sei por que na Ilha de Guam não te esparava um cogumelo similar e o céu desaparecesse e tua filha, Susan Marcotte, chorando com a noite por não ter onde dormir no meio da incandescência porque teu peito não saberia deitar a cabeça de Susan, a tua Hiroshima despetalada, bramindo, estrebuchando a sina que o destino reservou.
E ela, a inocente Susan, tentava fugir, tentativa inútil. O Enola Gay aprisionava as tuas e as pernas dela e o teu corpo catatônico e tua alma patriótica mais e mais como um dentuço vítreo apavorante cheio de sangue e esconjuro.
Enervado e inútil, tu nem sabias como sair da enrascada nem via teu companheiro Tibets sorrindo de tua desgraça, enquanto tremias e ele com uma careta piscando o olho, sem perceber o fogo queimando o próprio Enola Gay e o tempo que restaria para que pudesse ser dito:
- Meu deus, o que fizeram?
Era seis de agosto de mil novecentos e quarenta e cinco.
Nem se esperava um ataque cardíaco a vinte de junho de mil novecentos e oitenta e três.
Agora, tudo cinza, pó, poeira, radiotividade aqui e por todo lugar.