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Contos-->O MORRO DO FORNO (homenagem a Altinópolis) -- 26/09/2004 - 16:47 (adelay bonolo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O MORRO DO FORNO

Acho que foi Joaquim Manoel de Macedo, autor de A MORENINHA, quem disse certa vez mais ou menos assim: “Minha cidade natal pode ser feia, mas é a mais bela do mundo”. Também não sei se as palavras foram bem essas, mas vale a idéia. Pablo Neruda(1)disse, em um poema, referindo-se ao seu país natal: Se tivesse que nascer mil vezes/Ali quero nascer./Se tivesse que morrer mil vezes/Ali quero morrer! Saint Exupéry, aquele do “Pequeno Príncipe” e das “misses”, escreveu em uma carta à sua mãe(2): “... não posso pensar no meu pedaço de terra sem uma grande ânsia de estar lá! Não consigo me afeiçoar à multidão que me rodeia, pensando no perfume das tílias, no cheiro dos armários, nos lampiões de querosene e em tudo o que descubro constituir, cada vez mais, o fundo de mim mesmo...”.

Gonçalves Dias, que além de rua é nome de poeta famoso, cantou sua terra natal nos versos “Minha terra tem palmeiras...” cuja leitura obrigatória fazia parte do currículo da escola primária de meu tempo. Tudo começou com Camões, cujo “Os Lusíadas” é, antes de tudo, um panegírico a Portugal e sua gente. Machado de Assis, na nota n.º 2 ao poema “O Almada”, escreveu que “não conheço as belas cidades estrangeiras, e depois, falo da minha terra natal, e a terra natal, mas (ainda) que seja uma aldeia, é sempre o paraíso do mundo”.

Eu também quero falar da minha. Já falei dela em vários escritos. Suas lembranças nunca se me apagaram da mente. Sempre que posso refiro-me a ela, com orgulho, citando seu nome com destaque em cada sílaba. Ao pronunciá-lo, brinco sempre com quem estiver por perto, pedindo-lhe para se levantar em sinal de respeito. É claro que é brincadeira, mas de brincadeira em brincadeira vou divulgando a cidade, pelos lugares em que passo. Nem cuido se com isso estou sendo demasiado chato! Não espero nada dela, no nível pessoal: eu é que lhe devo tudo!

Não conheço mapa geográfico específico e pormenorizado da região onde está encravada. Com certeza deve haver algum, mas nunca vi. As poucas referências escritas são as citações dos acidentes geográficos e sítios turísticos mais proeminentes feitas pelas professoras das escolas primárias do Município nos ditados feitos em classe.

Da cidade de Batatais, toma-se a rodovia Altino Arantes(3)e depois de 29 km, em estrada asfaltada com apenas três, são mesmo três, pequenas curvas (contei-as milhares de vezes), chega-se à cidade. A rodovia passa ao alto, a cerca de 1.100 m de altitude. O centro da cidade está a 700 m e na parte mais baixa, por onde corre o leito da ferrovia São Paulo e Minas, a cota é de mais ou menos 500 m.

Vê-se por aí que a cidade fica na fralda de um morro, embora não haja morro algum. É que ali termina o planalto existente naquela parte do Estado de São Paulo. Exatamente em Altinópolis. Pronto! Disse a palavra. É essa aí mesmo.

Em Altinópolis termina o planalto, dali se descortinando um vale de cerca de 4.000 km2, exuberante, de beleza inigualável. Tal vale limita-se a leste com a divisa do Estado de Minas Gerais com o Estado de São Paulo, onde se situam as cidades de Santo Antônio da Alegria, Guardinha e mais à frente São Sebastião do Paraíso e Itamogi, essas três últimas já em Minas Gerais. Ao sul ficam as cidades de Cajuru, Santa Cruz das Palmeiras, Santa Rosa de Viterbo e a Fazenda Amália. A oeste, Ribeirão Preto e Serrana. E ao norte, a própria cidade de Altinópolis.

Trata-se de um vale de 40 km de largura no sentido norte/sul, por uns 100 km no leste/oeste. Mas pode ser bem mais que isso, apenas imagino que tenha essas dimensões.

Vários cursos d’água o cruzam em diversos pontos: o rio Sapucaí, o rio Araraquara, o Adão, o Pinheirinho ou Tomba Perna e o maior deles, o rio Pardo.

Além dos rios, há muitos outros acidentes geográficos entre os quais sobressai o Morro da Mesa, ao lado de Guardinha. De pertinho, esse morro não tem o charme, a beleza especial que tem se visto de longe, de Altinópolis, por exemplo, de onde sua visão é deslumbrante, vendo-se ao centro uma capelinha branca, sempre branca. Outro ponto de destaque fica bem perto dali: trata-se da cachoeira do Esmeril e de seu paredão de pedra, ambos famosos no mundo inteiro, como um dos sítios nos quais se pratica o “rapel”(4), espécie de esporte radical moderno. Figuram na INTERNET, com duas belas fotos. Até algum tempo atrás, podia-se visitar a cachoeira à vontade; hoje, privatizada a usina que ali gera um pouco de energia, seus atuais proprietários proíbem as visitas.

Na linha norte/sul há o Morro do Forno, que na verdade não é morro, nem há forno ali. Não se sabe a razão do nome, se em função do formato que lembra de longe um forno de carvoeiro ou de assar bolos, tal qual ainda se vê nas fazendas antigas. Na região de Cajuru há belíssima cachoeira, conhecida nacionalmente por Cachoeira dos Macacos e que fica na mata da Graciosa, dentro do perímetro urbano.

Na direção de Serrana está localizada a Gruta de Itambé, gruta maravilhosa, com nascente de água limpíssima, que brota de seu interior. Pena que passaram a utilizá-la como templo de macumba...

Mais adiante ficam as Águas Virtuosas, cujo próprio nome as identifica como boas para a saúde.

A estrada de ferro São Paulo e Minas(5)corta o vale de leste a oeste. Anos atrás, movidos a lenha ou a vapor, os trens transportavam passageiros e cargas. Depois, apenas carga e hoje, nem uma coisa nem outra. É uma grande pena!

(Nota do autor: No original aqui há uma figura com a seguinte legenda: Em Altinópolis, de onde quer que se encontre, se descortina um vale de cerca de 4.000 km2, exuberante, de beleza inigualável.)

Esse vale não tem nome, nem sei se se poderia chamá-lo de vale. Seu solo é constituído, em grande parte, de areia e, em outras partes menores, de terra branca, em que o componente areia entra em proporções majoritárias. Em outros lugares, poucos, a terra é fértil.

Numa dessas partes férteis localiza-se a região chamada Congonhal. Nasci ali, alguns anos atrás, num sobrado que meu avô construiu na década de 20 ou 30, não estou bem certo. Imponente, gracioso, meio abandonado hoje, é pena que tenha sido utilizado indevidamente, por outrem, para ilustrar a capa de livro em que conta a história da família dele. Achei uma ignomínia tal usurpação.

Mas voltemos ao vale. Bem próximo à cidade, abaixo da linha do trem, fica o famoso Buracão do Lixo, com seu fogo “eterno”(6). O local e arredores são chamados pelo sugestivo nome de Catingueiro. Ali perto jorra fonte de água puríssima, cristalina, que abastece a cidade de água potável. Sempre foi bebida “in natura”, dada sua incrível pureza, mas passou a ser filtrada depois que poluíram o mundo.

Anos atrás, a única vegetação que se via por todo o vale era o cerrado, cerrado ralo, em que predominavam árvores pequenas e retorcidas. Aqui e ali, numa espécie de oásis, se viam capões de mato mais fechado. Esse vale, a despeito da vegetação aparentemente pobre, era copioso de árvores frutíferas, como mangabeiras, maroleiros, marmeleiros, pequizeiros, gabirobeiras(7)e tantas e tantas outras, e possuía fauna esplêndida, riquíssima.

Em criança, juntamente com meu pai, outras vezes com irmãos ou primos, às vezes até sozinho, percorria grande parte dele à cata de frutos da época, que já sabia onde os encontrar. De tanto perambular por ele, conhecia seus principais lugares, estradas e até árvores. Quanta sede e fome passei: nunca levávamos água ou comida! Comíamos as frutas que achávamos e bebíamos nos riachos, ou nas folhas das árvores, se chovia.

Muitas lembranças guardo desse tempo! Depois cresci e o vale se transformou. O cerrado deu lugar a uma grande plantação de eucaliptos, que por sua vez foi substituída por extensos canaviais. Os animais, os passarinhos e as frutas desapareceram. Outra pena! Uma coisa porém não conseguiram acabar: a vista panorâmica, maravilhosa, que se tem dele de qualquer lugar da cidade, somente encoberta pelas fumaças das queimas dos canaviais por ocasião da colheita das canas.

O rio Sapucaí era repleto de ranchos para piqueniques de fim de semana. Famílias inteiras passavam às vezes vários dias à beira do rio: pescando, bebendo, jogando “buraco”. Os mais jovens namoravam; os mais velhos contavam histórias de todos os tipos. Alguns outros pescavam(8). Fora dos ranchos, muitos pernilongos e frio de rachar! Hoje remanescem poucas construções da espécie: o lazer e a diversão mudou de rumo em direção ao litoral, às compras no Paraguai, às viagens à Europa... Quem não tem condições de ir à praia, ao Paraguai ou à Europa, poderia pelo menos pescar ou acampar na praia dos rios, mas os donos dessas terras não deixam mais.

O rio Araraquara — não é bem rio, mas simples riacho — também tinha seus poços e prainhas de areia. Muitas vezes fui brincar e nadar por lá.

O Adão não é propriamente rio, nem córrego: é nascente, que dá origem a pequeno curso d’água, puríssima. Foi no Adão que, no tempo em que ainda se podia pescar, peguei a maior piaba de minha vida, medindo uns 40 cm. Foi a única.

O rio Pinheirinhos ou Tomba Perna não fez parte de minha infância: nunca estive lá, nem mesmo depois de crescido. Sei que é caudaloso e deságua no Rio Sapucaí, pela margem direita.

Ao rio Pardo ia-se de caminhão ou de trem; esse rio proporcionava boas pescarias. Pegava-se muito um lambari grande, do rabo vermelho, delicioso. Mas suas muriçocas, como sovelas de sapateiro, furavam calça de couro. O passeio, porém, compensava.

Naquela época, Zico, o barbeiro, morava por lá. Pescava, plantava pequena horta e vez por outra ia à cidade buscar mantimentos ou coisas que o rio não lhe dava. Trocava peixe por objetos diversos. Durante anos, aquela situação representou-me o protótipo da felicidade: eu acalentava o sonho de algum dia vir a morar à beira de um rio (qualquer servia!), ter uma casinha, uma mulherzinha (bonitinha!) e peixe à vontade. A felicidade era isso e me dava inveja. Muitos anos depois, vim a saber que ele retornara à cidade, de vez, fazendo-me pensar e admitir, com tristeza, que a felicidade, realmente, nunca é eterna!

Hoje, tanto o rio Sapucaí quanto o Pardo não dá mais peixes nem piqueniques. O garapão(9)das usinas de açúcar acabou com tudo, ajudado pelos herbicidas da agricultura, que em alguns lugares são lançados por avião. E depois culpam e perseguem o pescador amador, com sua varinha de pesca, que precisa ser cadastrado no IBAMA, pagar imposto, tirar carteira e pesar o peixe que pega (quando pega!), jogando fora o que passar da quantidade permitida! Ufa!

A Gruta de Itambé de meu tempo de criança propiciava passeio maravilhoso. Chegávamos a ela de carro (na época era caminhão), bem perto; descíamos depois grande escadaria a pé, até divisarmos, inesperadamente, a boca da grande caverna, onde nasciam dois coqueiros majestosos, cujas pontas se curvavam lá no alto à procura de luz. Diversos corredores e salas podiam ser alcançados, iluminando-se os caminhos com lanternas ou velas, onde havia sempre algo de misterioso. Dizia-se que bastantes anos atrás ali moravam índios. Procurávamos por algum pertence deles, algum indício de sua morada, mas nada, nunca achei sinal que comprovasse sua passagem pelo lugar. Aos domingos, a romaria em direção à gruta era enorme. Faziam-se lá piqueniques fantásticos e tiravam-se belas fotografias. As pedras de areia de suas paredes eram totalmente recobertas com mensagens dos visitantes. Milhares de nomes, inscrições novas e outras muito antigas, todas feitas como se fossem assinaturas de um Livro de Visitas...

O Morro do Forno, acidente geográfico sem atrativos especiais, virou local de encontro de jovens que vão lá acampar para beber e fazer outras coisas. Nos meus dias de criança, porém, o Morro do Forno era apenas um pedaço de cerrado, pouco só mais alto que o resto. Só isso.

***
Foi ai, nesse pedaço de cerrado, que o encontrei pela primeira vez. Estava seguindo um passarinho maravilhoso, preto com capuz vermelho e peito amarelo. Não lhe sei o nome, espécie e nunca mais vi outro igual. Segui-o de árvore em árvore durante muito tempo, até que dei de cara com ele. Parece que o passarinho me guiara até lá, propositadamente.

Aparentava ter seus 80 anos ou mais, pele muito escura, negra mesmo, cabelos grandes encaracolados e esbranquiçados, e longa barba espessa. Andava meio recurvado. Morava numa cabana de madeira encravada entre duas árvores grandes. Ponciano, seu nome. Filho de escravos; acho que também ele tinha sido cativo, numa fazenda em Minas Gerais, não muito longe dali, donde fugira ainda jovem.

A cidade de Altinópolis é nova e o povo que ali mora descende em grande parte de imigrantes da Europa, de forma que a escravidão para ele e para mim, também filho de imigrantes italianos, não passa de mero tema escolar, de ponto de referência histórica, apenas. O velho Ponciano, porém, contava-me coisas e histórias de estarrecer, que vira ou ouvira de seus pais.

Não sei como fazia para alimentar-se. Água havia por todos os lados em abundância, mas comida, não. Talvez algum fazendeiro o ajudasse.

Não sabia por que, mas ninguém conhecia tal velho, nem nunca ouvi alguém referir-se a ele. Parece que somente eu o conhecia. O velho gostou de mim. Toda vez que ia lá, sentia que seus olhos brilhavam! Acho que eu representava o filho, ainda que branco, que nunca teve. Eu me acostumei a visitá-lo. De vez em quando dava desculpa em casa de que ia pescar ou caçar passarinhos e ia lá ver o velho. Havia qualquer coisa que me atraia nele.

Naquele tempo eu era inocente e não tinha esperanças. Não que as tivesse perdido, mas porque não sabia de sua existência. O futuro não existia, apenas aquele presente. Nem imaginava o que seria quando crescesse. Portanto, também não tinha sonhos. Era feliz, como a letra do samba de Ataulfo(10). Posteriormente, com a vida que tive, a exemplo de milhões de brasileiros, passei a viver de sonhos e esperanças, para fugir à realidade, às vezes, cruel. Caiam uns, vinham outros; morria uma, logo nascia outra, e assim por diante. Verifiquei mais tarde que a felicidade está na esperança e no sonho, à espera de que se realizem. A prelibação, a rigor, é melhor que o próprio evento que lhe dá causa. Infeliz de quem não sonha nem tem mais esperança!

Por vezes olhamos para trás e não vemos motivo de alegria; pelo contrário, desgosto, mágoas e contrariedades, uma sensação de vida perdida... mas, por incrível que pareça, sentimos saudades daqueles momentos. “Por que seria”, perguntei-lhe uma vez em meus pensamentos, na oportunidade em que me transportava virtualmente àquele morro. “Naqueles momentos havia sonhos e esperanças”, disse o velho, “o coração se expande. Daí a saudade. Você tem saudades não daqueles momentos, mas dos sonhos e das esperanças que tinha naqueles momentos, os quais não sente mais... entendeu?”

Minhas dificuldades naquele tempo eram poucas. As “grandes” tragédias eram uma traquinagem aqui, uma briga ali e, com medo da surra, corria para o velho amigo. Quantos conselhos e ensinamentos me deu Ponciano!

Muitos anos depois, já casado, vim a conhecer outro preto velho chamado também Ponciano. Era um jardineiro à moda antiga, teimoso e pirracento, rabugento, ranzinza e zangado, bem diferente.

Aquele, do Morro do Forno, acompanhou-me durante toda a vida. Eu, também alquebrado pela idade, já estou passando dos 60 anos, relembro que até há bem pouco, em todas as grandes dificuldades que tive na vida, e foram muitas, sempre procurava o velho Ponciano, que, mesmo distante e talvez morto, me aconselhava em pensamento e mitigava meus sofrimentos com palavras mágicas que só ele sabia pronunciar.

Raros psicólogos e algumas técnicas de oração profunda, que se vêem nos livros de Santa Teresa D’Ávila, de São João da Cruz e de Santo Inácio de Loyola, entre outros, ensinam que, em situações aflitivas, ou para aprofundamento do contato com Deus pela oração contemplativa, devemos transportar-nos para um lugar bonito e tranqüilo, levando conosco pessoa querida, amigo, irmão, anjo, santo ou sei lá quem! Essa é a técnica. Sem conhecê-la nem nunca ter ouvido falar dela, eu aprendi sozinho a fazer isso e o meu lugar predileto era o Morro do Forno, com a companhia do velho Ponciano. Sempre que tinha algum problema, meu ou de minha família, transportava-me para lá, lá ficando até que a angústia do momento fosse superada completamente. Surtia efeito!

— “Seu” Ponce — perguntei-lhe certo dia — por que às vezes me pego chorando, sem motivo?

— É — respondeu ele, depois de me olhar fundo nos olhos, como que antevendo minha vida — é por antecipação.

— Que quer dizer com isso?

Nunca obtive resposta, por mais que insistisse. Depois, já adulto, todas as vezes que a vida me pregava boa peça, tinha vontade de chorar de verdade e me lembrava das palavras do velho.

***
Saí de lá, da cidade e do Morro do Forno, muito cedo, ainda criança. Aos 11 anos fui para Ribeirão Preto estudar, depois fui morar no Paraná, onde fiquei um ano e aos 18 me transferi definitivamente para o Rio de Janeiro. Dos 11 aos 18, morei na cidade apenas um ano.

Somente voltei a Altinópolis a passeio. Tenho, pois, dela, apenas lembranças de criança. Não vivi os problemas que possa ter tido. Tudo isso talvez tenha contribuído para que eu goste tanto dessa cidade. Considero-me no exílio, desde os 18 anos. Voluntário, é verdade, mas exílio. Não tenho mais condições de voltar a morar ali, tal o emaranhado de coisas que me prende distante dela.

Voltei ao Morro do Forno muitas vezes depois, ao longo de minha vida. Nem vestígios do velho ou de sua cabana. As duas grandes árvores, que a circundavam, estavam lá, do mesmo jeito. Por mais que procurasse, não localizei restos de fogão, cinzas, utensílio. Ninguém jamais o conhecera.

Não relatei essa história pra ninguém, nunca, com medo de que me achassem maluco ou visionário.

De algum tempo pra cá chego a duvidar de mim e me vejo perguntando:

— Será que existiu mesmo o tal preto velho, ou seriam visões de criança sonhadora, extremamente carente, guardadas como realidade no inconsciente para o resto da vida!?

Pode ser fantasia, mas...



Adelay Bonolo




NOTAS:

(1)Um dos grandes poetas da humanidade; nasceu no Chile. - Versos extraídos de entrevista concedida pelo poeta a Clarice Lispector, conforme se vê da coluna MIL COISAS, de Conceição Freitas, publicada na página 6 do caderno COISAS DA VIDA, do Correio Braziliense, de Brasília, edição de 20.9.00.

(2)Citação extraída da coluna MIL COISAS, de Conceição Freitas, publicada no Correio Braziliense edição de 16.01.02.

(3)Em homenagem a Altino Arantes, presidente do Estado de São Paulo na chamada República Velha, sob cujo governo a vila Mato Grosso de Batatais passou à categoria de município, com o nome de Altinópolis.

(4)Rapel: técnica de descida utilizada no alpinismo, montanhismo etc., que consiste em descer paredões, cachoeiras etc., utilizando-se de cordas. Tem sido considerado, por muitos, como esporte independente.

(5)Ferrovia que correspondia a um trecho da antiga Mogiana. Foi privatizada e desativada. Uma pena!.

(6)Desde que me entendo por gente há ali uma chama que nunca se extingue.

(7)Ou guabirobeira. Produz um fruto tipo araçá-felpudo, pequeno, gostosíssimo. É um arbusto rasteiro, não passando de 1 m, próprio dos cerrados.

(8)Num desses piqueniques, perdi um grande amigo de infância: Paulo, violonista, companheiro das primeiras serenatas ao pé das janelas das meninas...

(9)Subproduto das destilarias de álcool – Muitas vezes é jogado nos rios.

(10)"Eu era feliz e não sabia" – Verso da música MIRAI, que Ataulfo Alves compôs em homenagem à sua cidade natal.











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