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Cartas-->Carta para Helena Armond -- 07/05/2003 - 01:18 (Elane Tomich) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos








Helena,
"Escutar" você, isto vale. De muitas coisas, como você, também não sei o que vale mais. Antes , talvez mais- valia...rs.. Não sei se por conta de um antigo olhar mais jovem, não sei se por desconto da maturidade de hoje.
O vale do Jequitinhonha vale...Vale pela qualidade da sua gente com selo de qualidade humana iso nove mil e muitos dois. É seiva querendo circular É prova de resistência do que já não valia mais...É teimosia da vida.
O céu que me cobre não está sempre azul, como você queria, mas lá bem dentro do meu peito, mora um sorriso que vacila entre ironia e fé... das bem supersticiosas.. que me diz que o mundo é lilás. Um pouco da paz do azul, um pouco da ingenuidade fútil das rosas, sob a cobertura triste do roxo. Roxo das procissões de Nosso Senhor dos Passos que tanto amedrontaram meus sonhos infantis, pela vias tortas de Mariana.
A vida está perdendo os modos e a gente segue a moda em todos os lugares, até nos antes bucólicos rincões.
Não sou muito paciente e acho retrógrada a apologia à pobreza. ... Estou cheia de ver meus amigos ou não, perdendo a olhos vistos a dignidade de viver, que é diminuir cada vez mais o seu menu de escolhas.Como se houvesse uma ditadura dos tempos em que a única escolha é concordar em sobreviver.Aqui este processo é bem visível, sem contar aqueles que estão muito aquém de poder sobreviver. Mas sobra a vontade, pois como disse-o antes aqui á vida é assustadoramente forte.
Estou louca para me mandar, mas algo me segura , como se eu estivesse aprisionada pelo poder das montanhas. Ou talvez, por saber que não há como fugir, a não ser de mim, mas aí sentirei saudades.
Gosto muito de você, moça azul nos olhos e na amizade. Embora seus livros sejam leques coloridos de sílabas, dizendo em cor única e sem nome, o seu recado para um mundo com futuro. .
Tenho apenas um livro escrito, mas a tiragem foi grande. Lançado por conta das comemorações dos 300 anos de Curitiba..Viva ali, só eu.. todos mortos na coleção. Escrevi de metida, pois quê que uma mineira tinha de inventar moda e falar das raízes culturais do Paraná? Foi uma forma de aprender a amar o lugar onde vivia...Embora raízes, a gente sinta como sina inexplicável e ainda que eu faça a volta ao mundo num balão, a minha sina enterrou aqui, todos os estigmas, cicatrizes e sonhos da minha vida. No mais, por falta de oportunidade, publico descuidadamente na net.
Eu também gostaria de divulgar seu trabalho pois tenho uma coluna no Jornal local, que não é bem um jornal, mas um devezenquandário. O que vale é que o Vale lê, não só minha coluna, mas o que deve-se ler, de lido ou lida. Das lidas, do batente, do bater de roupas brancas no lajedo às margens do rio, pelas lavadeiras do Vale.
O canto das lavadeiras ganhou mundo, mas elas continuam no seu canto.Batendo roupas no ritmo do coração e cantando como sabiás, pássaros da minha paixão.
Há também o cara do quebra-queixo e a dança na praça. Terça tem seresta, sábado tem feira de pedras preciosas, o pagode do desleixo.
Todos os dias tem crianças com olhos de topázio e os índios machacalis têm nos olhos um brilho de diamante, que é o brilho da fome.
Tem também o que tem tempo de ter: tempo de cajá, tempo de manga, tempo de umbu, tempo de jabuticaba, tempo de jenipapo.
A estátua dos imigrantes aponta para o infinito, mas aqui o infinito é curto. Bate logo numa vossoroca da montanha. Terra ferida por água chorada.
Fico feliz quando me escreve! Sinto-me meio só, desterrada de um certo é proibido proibir e brincar com palavras, levando a vida a sério... E como!
O café da mãe-nhã, gostei desta sua expressão pois casa de mãe tem sempre cheiro de manhã e quando o perfume do café nos acorda voando pela casa, não há aromapterapia maior contra os desencantos das buscas que nos fizeram partir e das coisas que não encontramos. A mesa fica repleta: tem mandioca amarela cozida onde a manteiga da roça derrete-se em dengos para o nosso paladar.Tem broa de fubá, mingau de milho verde e rosca de nata.O pão de queijo esta implícito, mas ganhou fama e corre o mundo. Às vezes encontro-o revestido de outros sabores e com forte sotaque urbano.Fico feliz pelo seu sucesso mas sinto uma pontinha de ciúmes quando vejo-o tão maquiado, como se negando suas origens rurais.
Perto da antiga estação mora no meio-fio, uma velha escrava que sempre teve cem anos e depois de um copo de cachaça ajoelha -se e canta todo o ofício de Nossa Senhora. Canto mais triste e longo não há e se você sair antes do término da oração, no céu a Virgem chorará lágrimas de sangue.
Aqui as pessoas têm apelidos que passam a ser transmitidos e se perpetuam em gerações, por uma espécie de genética desconhecida.
Só para ilustrar, tenho um amigo de mais de trinta anos, conhecido como Marreco de Seu Sinval Micrim. O ano passado, fez parte das minhas pesquisas trabalhosos, descobrir seu nome verdadeiro.
Até que num churrasco na fazenda da minha irmã, depois de muita bebida ele confessou cabisbaixo, que se chamva Luís, mas que por favor, que não cometêssemos a suprema inconfidência de espalhar pecha tão vergonhosa. O o falecido Seu Sinval Micrim, chamou-se toda vida, ou melhor, não se chamou em vida, Evaristo Barbosa.Talvez depois de morto, quem sabe! Segredo desvendado anos depois, fez com que as pessoas passassem da euforia a um silêncio pensativo e triste. O nome de cartório derrubou a fantasia. Isto é aquele tipo de verdade que a gente jura pela saúde de algum infeliz,que não vai contar prá ninguém, mas uma brisa mexeriqueira, sopra nos ouvidos de meio mundo. Embora eu tenha misturado nomes diferentes de dois casos iguais, para não trair meus amigos expondo-os e envergonhando-os por terem nomes tão estranhos como, Carlos, Antônio ou Alfredo.
O Bicho de Pedra Azul há mais de 50 anos assusta os moradores do Vale e dizem que virou assombração por matar o pai numa disputa de lavra de águas marinhas.
Há um outro fantasma que assusta a todos nós, que é a alma da estrada de ferro, a extinta Bahia e Minas, assassinada por uma assinatura governamental...Foi um genocídio onde muitas vilas morreram. Hoje, seus trilhos gemem ais de aço lançados aos céus em noites sem lua. Isto porque o destino da estrada foi cortado e não segue mais até Ponta de Areia., isolando Minas do mar.
Mas há o consolo dos filhos das montanhas, os rios, cada um mais lindo, ainda que maltrapilhos e famintos.
Rio Jequitinhonha, Rio Mucuri, Rio de Todos os Santos,Rios de Mim, Rios de Sonhos, Rios de Minas, não rio de Minas, mas rio de mim. De minhas vaidades, choro em cachoeiras minhas verdades. Mas ainda há o que chorar sobre a desordem não mais natural das coisas.
Como se o meu Vale tivesse hoje, uma moldura bonita e mal cuidada, feita do resto do mundo. Como se passasse aqui uma antecipada brisa do tempo, rápida como o pensamento e fria como o mau agouro.. Arrepio que passa e faz a gente se benzer intuitivamente.
Como se pairasse no ar um descumprimento da sina e deselegantemente cruel, onde a lógica invertida do mundo, permitisse mais freqüentemente, a partida de filhos antes da saída silenciosa dos pais.
O Vale hoje é mundão de meu Deus!
Mas, minha amiga, vale!
Com meu carinho,
Elane

Teófilo Otoni, 01 de maio de 2003
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