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Contos-->" GENTE HUMILDE" -- 08/09/2004 - 21:03 (RUBENS NECO DA SILVA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
"GENTE HUMILDE "
PSEUDÔNIMO: NECO


Na década de 70 houve o início da migração do homem do campo para os grandes centros, principalmente para as capitais. Em pouco tempo ocorreu a degradação do ser humano, pois a falta de oportunidade e especialização profissional obrigou as pessoas a se sujeitarem a sub-empregos morando em favelas ou embaixo dos viadutos. O abandono às famílias precipitou o aparecimento dos meninos de rua, que criaram um verdadeiro contingente de pedintes e pequenos infratores.
Um grupo de famílias lideradas por Elias, ex-líder sindical, que viviam em baixos de pontes e viadutos por terem sido despejadas, passava o dia perambulando pela cidade. Eram crianças, jovens, adultos e idosos, que sentindo-se rejeitados iniciaram um movimento popular que ficou conhecido como os “Sem Teto”, e passaram a cobrar providências das autoridades para terem direito a um lugar digno para morar. Como estratégia de pressão, acamparam em frente à prefeitura, a câmara dos deputados e o Palácio do Governo. Para intensificar o movimento, trouxeram os meninos de rua, entre eles Pedrinho. Garoto forte, 10 anos, esperto e muito inteligente. Fora abandonado pelos pais ainda muito pequeno, vivendo em orfanatos e com outras famílias. Sem esperanças, passou a viver nas ruas da grande metrópole. Aceitou o convite de Elias, pois entendeu que era uma oportunidade de viver em comunidade e lutarem juntos por moradia. A luta dos sem teto não foi bem vista, porque vivíamos no auge do regime militar. A polícia violentamente expulsou os acampados com bombas lacrimogêneas e “cacetetes”. Na época a imprensa não pôde registrar estes fatos. Após este episódio vários grupos foram formados e se espalharam pela cidade. O ex-sindicalista conseguiu reunir um grupo homogêneo. Famílias inteiras se agruparam para reiniciar uma nova luta por moradia e emprego.
Com o passar do tempo Pedrinho tornou-se como filho para aquelas famílias, sendo adotado por todos sem distinção. Recebia carinho e participava com muita garra de todos os trabalho da comunidade.
Em 1971 o governo desapropriou as casas para um projeto da construção de um pontilhão, onde a linha de trem do subúrbio cruzaria pelo alto aliviando as ruas do bairro. Fincou pilares para a sustentação da obra, mas não demoliu as casas que estavam sob a plataforma, pois serviriam de alojamento para os trabalhadores. Fazia parte do projeto a construção de um pátio neste local para estacionamento dos vagões de trem, mas no decorrer do tempo, o governo considerou inviável esta construção, levando o pátio para as extremidades da ponte, deixando as casas abandonadas. Numa noite de julho em pleno inverno, caminhões e ônibus clandestinos trouxeram as famílias que ocuparam estas casas.
Dezenas de pessoas que residiam naquela rua, apesar de terem sido indenizadas, não desocuparam os imóveis. Juntaram-se aos invasores, pois lutavam pelo mesmo ideal.
A invasão se consolidava a cada dia. O governo cheio de planos e projetos em todas as áreas militares negligenciou adiando seus planos para este local. Os sem teto e os antigos moradores estavam preocupados, pois sabiam que a qualquer tempo poderiam ser despejados. Aproveitaram o descaso governamental e procuraram por Padre Zezinho que se encarregava de convocar os líderes das invasões para freqüentes reuniões a fim de marcar o início da resistência.
As necessidades eram tão aflitivas, que, antes que as reuniões terminassem, todos já haviam entrado num consenso, onde unidos lutariam pela mesma causa, que era garantir o seu pedaço de terra.
O trem passava pontualmente no mesmo horário, trepidando as paredes abalando os alicerces das casas. Da calçada os moradores olhavam para cima e reconheciam os passageiros através das janelas do trem.
Organizavam a primeira festa em homenagem a Santo Expedito, o protetor das causas impossíveis. As ruas foram decoradas com bandeirinhas. Colocaram cadeiras nas calçadas, serviam pipoca e muita música para animar a todos, a partir de então esta festa tornou-se uma tradição até os dias de hoje. Aos poucos Padre Zezinho providenciou a matrícula de todas as crianças na escola. Já no primeiro ano Pedrinho e Aninha se destacaram, de forma que o aprendizado foi avançado, permitindo que eles ultrapassassem algumas fases escolares.
Elias e o Padre Zezinho reuniram os sem tetos apresentando uma proposta, onde todos investiriam nos estudos de Pedrinho e Aninha, pois a inteligência e o interesse dos mesmos eram tão evidentes, que os levaram a acreditar que formados em direito defenderiam a sua causa. Apesar das grandes dificuldades financeiras, mensalmente todos se uniam e arrecadavam o valor suficiente para mantê-los na melhor escola particular do bairro.
Aninha era filha legítima de uma das famílias que ajudavam naquele investimento. Pedrinho não era filho de ninguém, porém, adotado por todos. Comovia-se ao notar a preocupação e dedicação daquelas pessoas humildes e esperançosas que entregavam tudo o que podiam a fim de investir em seu futuro. Agradecia a Deus e a todos pela confiança e jurava aos céus que não os decepcionariam, pois formar-se-ia em direito e como advogado lutaria por sua causa e pelo ideal de todos.
Todas as noites no retorno da escola os amigos os esperavam em frente a suas casas. Sentados na calçada, aguardavam o trem passar, e viam da janela quando Pedrinho e Aninha acenavam para eles, que alegremente seguiam até a estação para encontrá-los. Pedrinho sentia o quanto acreditavam nele, por isso dedicava-se cada vez mais. Apesar da estrutura das casas estarem abaladas e das rachaduras nas paredes, pintaram suas moradas, uma de cada cor, e em todas elas em sua fachada uma placa com os dizeres:
“ Este é o meu Lar”.
O tempo passava, e cada vez mais aquelas humildes pessoas, tornavam-se mais unidas, formando uma grande família. Agora mais esperançosos porque Pedrinho e Aninha já cursavam a faculdade e o hábito de esperá-los na estação permaneceu. Estudavam na universidade de Mogi das Cruzes e aproximava-se o dia da realização do sonho de todos, eles se formariam em direito.

Aninha desde menina era apaixonada por Pedrinho, que a tinha simplesmente como uma irmã, pois amava Márcia, uma bonita jovem, filha de um conceituado advogado, proprietário de um escritório na Av. Paulista com muitos advogados contratados especializados em causas litigiosas do estado. O romance entre eles era muito estimulado pelo pai de Márcia, que via em Pedrinho uma excepcional capacidade intelectual e acadêmica. Aninha sentia-se angustiada, pois percebia o apoio de todos no relacionamento do casal, mas mesmo assim, decidiu lutar por seu amor.
Na noite da recepção dos calouros, no início do terceiro ano, para provocar ciúmes em Pedrinho, Aninha saiu com outros colegas da faculdade. Pedrinho pediu a ela não fosse. Aninha percebendo sua contrariedade, acreditando ter atingido seu objetivo, saiu com eles, deixando que Pedrinho voltasse sozinho para casa.
Como era de costume os amigos os esperavam na calçada e estranharam quando avistaram somente Pedrinho.
O pai de Aninha também estranhou a atitude da filha, porém mesmo zangado ficou a sua espera na estação. Pedrinho foi para casa, estava desapontado. Não conseguia dormir, revirava-se de um lado para o outro. De madrugada ouviu a sirene do carro da polícia. Levantou-se e olhando pela janela observou que o pai de Aninha conversava com o policial e viu quando de repente caiu no chão. A notícia logo se espalhou, Aninha sofrera um acidente e estava hospitalizada. Os colegas estavam embriagados e dirigiam em alta velocidade. Bateram o carro, dois rapazes faleceram e Aninha foi atirada para fora ficando gravemente ferida.
A família de Aninha recebeu apoio de toda comunidade. Fizeram várias noites de vigília. Uma novena realizada pelo Padre Zezinho atraia jovens de todo bairro, além dos alunos da faculdade. Aninha ficou internada por algum tempo, sofreu lesões na coluna permanecendo numa cadeira de rodas. Com isto perdeu o ano letivo, teve que parar de estudar, pois havia grande dificuldade em locomover-se. Apesar da fisioterapia a recuperação foi muito lenta, embora sua melhora dependesse única e exclusivamente de sua vontade. Na verdade a seqüela era muito mais psicológica do que física. Aninha sentia-se arrasada e sem o amor de Pedrinho não tinha forças para lutar, entregando-se a depressão.
Pedrinho estava cada dia mais envolvido e apaixonado por Márcia. Já planejavam trabalhar juntos. O pai de Márcia tinha grande interesse em contratá-lo. Percebeu logo o grande potencial de Pedrinho e fez questão de ajudá-lo a pagar as despesas da formatura.
A colação de grau e o baile ocorreu num dos mais requintados clubes da cidade. O alto custo dos convites impediram que os sem teto, amigos de Pedrinho, tivessem a oportunidade de presenciar a sua maior conquista. Pedrinho teve direito a apenas quatro convites e os deixou a disposição de todos, para que escolhessem entre eles os que pudessem comparecer. Na verdade todas as famílias queriam participar desta alegria, afinal esperaram por este momento há muitos anos. Mesmo não podendo compartilhar da festa, com muita simplicidade, todos se reuniram em frente ao clube, para parabeniza-lo.
Os convidados olhavam com estranheza para aquelas pessoas humildes sentadas na calçada, umas com crianças no colo, outras com aspecto cansado, porém todos demonstrando ansiedade. Após as homenagens Pedrinho saiu entre os demais formandos, ao vê-lo fizeram uma verdadeira folia. O abraçaram, beijaram, aplaudiam e assobiavam, todos felizes e realizados pela conquista, e Pedrinho, que mesmo cercado por pessoas da alta sociedade, não deixou de reconhecer os esforços de seus amigos. Tirou a beca, desafrochou a gravata e sentindo-se á vontade, carinhosamente correspondeu a cada um deles ao abraço e cumprimentos recebidos.
Os demais formandos percebendo aquela manifestação de alegria uniram-se aos humildes e também aplaudiram. A festa lá fora parecia mais interessante e genuína do que a formal que se realizou dentro do clube.
Pedrinho aceitou o convite do Senhor Boris, pai da Márcia, e começou a trabalhar em seu escritório. Assumiu causas que para muitos era de grande complexidade, porém conseguiu com êxito adquirir respeito e confiança do velho e experiente advogado. Pedrinho sentia-se realizado, agradecia incansavelmente a seus amigos, pois estava colocando em prática tudo o que aprendera na universidade. Seguia o exemplo e a experiência do pai de Márcia, já que era um advogado conceituado por ter resultados vitoriosos. Assim Pedrinho foi conquistando experiência e conseguindo fazer nome, ganhando causas, sendo convidado para defender outras com sucesso, mas nunca se desvirtuou de seu real objetivo. Na verdade estava se preparando para enfrentar a sua grande e esperada defesa pelas terras de seu povo.
O romance entre Pedrinho e Márcia firmava-se ainda mais. Senhor Boris satisfeito com os resultados de Pedrinho ofereceu-lhe uma das mais importantes causas dos últimos tempos, e firmou um contrato, onde ele assumiria esta defesa á reintegração de posse para a multinacional, não podendo voltar atrás sob pena de uma multa. O governo havia dado uma indenização á uma multinacional os terrenos que estavam sem destino e sem projetos definidos, e estes teriam que ser desapropriados e recuperados.
Pedrinho confiando plenamente em Boris, aceitou a causa com unhas e dentes, assinando o contrato com cláusulas definidas. Entendeu que seria um aprendizado, pois esta causa era semelhante à de seu povo.
Senhor Boris havia ocultado alguns fatos relevantes sobre a causa, e Pedrinho foi surpreendido ao ler os autos da ação que se tratava da desapropriação do loteamento que lutou a vida inteira para defender. Tentou voltar atrás, mas tinha um contrato firmado assumindo a responsabilidade de ser o promotor do caso. Pedrinho ficou enlouquecido. Não poderia trair aqueles a quem tanto amava e que humildemente confiaram-lhe suas esperanças. Por outro lado amava Márcia.
Pedrinho passava os piores dias de sua vida. Não tinha condições para assumir a multa contratual, nem tão pouco poderia trair sua gente, pessoas que o acolheram quando criança e investiram em seu futuro. Sabia ainda que perderia seu grande amor; estava desesperado, sem saber como agir. Durante dias sentiu-se deprimido, andava cabisbaixo e não mais participava das festas do bairro. Tinha consciência que não poderia deixar de lado seu ideal. Decidiu abrir mão de seu amor e desistir da causa. Mas naquele momento não teve coragem de contar à sua gente o que estava acontecendo. As famílias já haviam recebido a intimação para abandonarem as casas. A polícia havia sido escalada para adentrar no bairro e retirar a qualquer custo os invasores.
Os sem teto durante toda noite procuraram por Pedrinho para que ele usasse sua influência, mas não conseguiram seu intento.
Decidiram resistir criando barreiras na entrada da rua. Usaram móveis, carros velhos e pneus embalados em sacos com gasolina como obstáculos. A qualquer movimento da polícia ateariam fogo. A tropa de choque foi chamada e se postaram na rua principal aguardando as ordens do comandante.
Pedrinho, angustiado, acompanhava pelo rádio o que estava acontecendo. Atormentado pelo remorso como uma última tentativa procurou por Márcia que o levou até Sr. Boris. Pedrinho tentou usar de todos os argumentos possíveis e se propôs as mais vexatórias humilhações. Implorava para cancelar o contrato que havia assinado, mas foi em vão Senhor Boris negou, pois a desistência da ação levaria o seu escritório a má reputação. Sentindo-se impotente Pedrinho se desentendeu com o futuro sogro. Contaria tudo para o seu povo que com certeza saberiam compreendê-lo e até mesmo perdoá-lo. Saiu do escritório deixando tudo para trás.
Senhor Boris convenceu Márcia a interceder para que Pedrinho reconsiderasse em sua decisão.
Pedrinho pegou o trem de retorno para casa determinado a contar-lhes tudo.
A polícia e a tropa de choque mantinham-se no mesmo lugar, e presenciavam a movimentação dos sem tetos, que mesmo sob pressão armavam as barracas para a Festa de Santo Expedito.
Márcia percebendo que a atitude de Pedrinho ameaçaria o futuro da empresa, foi ao seu encontro. Chegou primeiro que ele e apresentando suas credenciais de advogada pediu uma autorização para conversar com os líderes do grupo. Reuniu todos que montavam as barracas, entre eles Elias, Padre Zezinho e Aninha. Começou a relatar sobre a causa que Pedrinho havia assumido e que ele era o responsável pela ação de recuperação daqueles terrenos. Enquanto Márcia falava, Pedrinho saia da estação e a viu á distância conversando com seus amigos.
Apressou seus passos a fim de impedir que Márcia destorcesse a realidade. Aproximou-se ofegante e pela primeira vez notou uma revolta nos olhares de todos aqueles que amava. Acreditava que Márcia conseguira jogar todos contra ele.
Aninha que estava em sua cadeira de rodas, sentindo-se traída e totalmente enfurecida, ao vê-lo levantou-se e começou a andar em sua direção. Todos que participavam da reunião, decepcionados pela suposta traição de Pedrinho ficaram atônitos ao vê-la caminhando novamente como se nunca estivera numa cadeira de rodas. Envolvidos por emoção e fé atribuíram este milagre a Santo Expedito. Márcia aproveitando a dispersão retirou-se do local, enquanto Pedrinho pedia calma e uma chance para explicar como tudo aconteceu. Esclareceu que desde a faculdade vinha sendo usado por pessoas influentes e poderosas, que percebendo suas habilidades o envolveram nesta causa. Há pouco tempo descobriu que estes escritórios estavam por trás das grandes ações de recuperações de terras e imóveis e que eram contratados por latifundiários e grandes empresários, não dando nenhuma oportunidade para os menos favorecidos. Elias e o Padre Zezinho liderando os sem teto, abraçaram Pedrinho, se propuseram a lutarem juntos novamente para desta vez pagarem a multa contratual. E mais uma vez aquelas famílias, mesmo com a causa perdida, uniram-se para ajudá-lo, pois sabiam que Pedrinho também fora vítima da situação. A tropa de choque perfilada marchava batendo seus cacetetes contra os escudos a cada passo ecoando um som ameaçador. Pedrinho tomando a frente levantou um lenço branco e com voz firme pediu a todos que o seguissem. Os amigos entreolharam-se e confiantes caminharam em direção ao pelotão. O comandante vendo a multidão vindo em sua direção, ordenou que os soldados abrissem passagem, pois aquele povo não queria confronto, estavam saindo sem resistência, liderados por um jovem que á frente tinha o respeito de todos aqueles que deixavam suas casas e suas esperanças. Somente os policiais e o comandante perceberam algumas lágrimas rolarem no rosto de Pedrinho, e estas expressavam a frustração de liderar as incertezas do futuro.
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