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Contos-->Alma de poeta -- 05/09/2004 - 16:48 (Pedro Wilson Carrano Albuquerque) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ALMA DE POETA

Totonho morreu. Foi-se com a mesma tranqüilidade que o acompanhou em todos os momentos de sua vida.
Despediu-se à noite, embalado pelos seus sonhos. Não acordou para saudar o sol, como de hábito, imitando os galos de seu terreiro.
Era um poeta, embora não tivesse deixado um escrito sequer. Pudera! Ele só tinha cursado os dois primeiros anos do curso primário.
Amava a natureza, a música, os animais, as pessoas e tudo enfim que se encontrava ao seu redor.
E as mulheres? Era uma paixão atrás da outra, sem que isso prejudicasse sua longa convivência com Dorinha, de quem gostava mais do que qualquer um de seus casos.
Dias antes de sua partida para o outro mundo, tive a oportunidade de conversar com Totonho em uma viagem de ônibus de pouco mais de uma hora, entre duas cidadezinhas da Zona da Mata Mineira.
E foi aí que descobri sua alma de poeta. Cada comentário que tecia era logo acompanhado de versos.
Falou de Joaninha, uma grande paixão, que encontrara às escondidas, por diversas vezes, no moinho d água próximo ao Córrego dos Índios. Onde estaria agora aquela moça que tanto prazer lhe dera? Como eram brilhantes os seus olhos! E foi com lágrimas discretas que recitou:
“Os olhos verdes, castanhos
Cantam boleros e fados,
Os olhos negros, azuis
São temas de enamorados.
Com íris, córneas, pupilas
Mostram cores, mostram flores;
Com a alma, com o coração
Mostram dores, mostram amores”.
Pensativo, repetiu o nome de Joaninha três vezes, com o olhar fitando os morros, que certamente lhe lembravam os seios da amada. Foi depois disso que seus lábios se abriram, deixando escapar:
“Com gestos lentos, voluptuosos
Ela me oferecia os lábios
Os olhos semicerrados, gulosos
E a língua em movimentos sábios”.
Ficou sem palavras por um momento. Talvez uns quinze minutos. Retornou de seu êxtase com a lembrança da esposa. E fitando-me emocionado, clamou: “Seu Pedro, não há mulher como a Dorinha. Ela me dá a alegria de viver e torna divino o meu retorno ao lar”. E proclamou, num poema, como se sentia ao reencontrar o cônjuge:
“Pouso a cabeça sobre seu colo,
Entregue, carente e fatigado ,
Querendo mais que tudo seu agrado,
Enquanto com carícias a consolo”.
E continuou: “É uma bela e amorosa criatura. Não procura chifre em cabeça de cavalo, nem dá murro em ponta de faca. E se quisesse acharia muita coisa pr’a me crucificar e uma porção de gente pr’a consolá-la”. Após uma longa pausa, falou do sorriso encantador da consorte e soltou:
“Seus dentes são diamantes
Que escondidos atraem,
E exibidos extraem
Suspiros de cobiçantes.
Quero seus lábios abertos
Não pr’a mostrarem riqueza
Mas sim pr’a serem cobertos
Por minha boca surpresa”.
Lembrou-se, então, do primeiro beijo que ganhou da inseparável companheira:
“Foi só um beijo na face
Um mui singelo roçar
Gesto simples e fugace
À luz de um belo luar”.
E olhando, enigmático, para o reflexo de sua imagem no vidro da janela, referiu-se a si próprio dessa forma:
“Onde estão os brilhos dos olhos,
Os lábios que o tempo secou,
O desprezo pelos escolhos
E a cor que a vida levou?
Ao falar da chuva que caía sobre a estrada, lembrou-se, saudoso, de sua infância, dos banhos sem roupa no quintal de sua casa e de outras coisas que a água lavou. E emitiu essa trovinha:
“Uma gota que se esconde
É lume que se apagou
É sumiço de quem e donde
É a vida que me deixou”.
De repente, mostrou-se tristonho. Eu nunca o havia visto daquele jeito. E foi com uma certa melancolia que se despediu num ponto de ônibus:
“Fortes saudades
Não levo de minhas dores
Mas muitas de meus amores
Que aqui não mais verei”.




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