CABEÇA A PRÊMIO
Faz tempo que eu ando cabrera com a minha cabeça. Anda dando uns brancos nela. Mais ou menos assim: eu desapareço... Estou vendo um filme, entendendo tudinho, acompanhando a trama, guardando até nome de gringo, de repente não sei mais o que aconteceu, tudo parece ter ficado diferente, ou mudou o enredo ou é outro filme... Aí me atrapalho e desisto. E pior ainda, quando retorno (retorno de onde, se nem sei onde estava?), percebo que o programa é outro, confiro, não, não mudei de canal. O mesmo acontece quando leio livros. Muitas vezes estou conversando com alguém que me conta uma história, e lá vem o branco, eu sumo, mas fico firme ali, olhando pra pessoa que continua falando; só que, quando eu atino, ela contou uma longa história, eu perdi um bom pedaço e não entendo o fim. Primeiro pensei que todo o mundo e todas as coisas tinham enlouquecido. Demorou pra entender que eu é que estava pirando... E quando entendi, me desesperei: o que vou fazer sem a minha cabeça?
Entender! Essa é a palavra-chave. Comecei a confundir tudo, não entendia mais nada com clareza. Às vezes não entendia mesmo, Ã s vezes ficava contente por entender e vinha o dono da fala, quase sempre com bronca, dizendo que entendi erradamente. Na correspondência isso foi um desastre. Eu entendia o que eu mesma dizia, achava tudo muito claro, é claro!, mas vinha a resposta: "você não entendeu nadinha do que eu disse". Eu falava uma coisa achando que era até um elogio, o amigo se mostrava ofendido e brigava comigo. Com isso, parei de escrever cartas, e-mails, bilhetes... Solenemente, optei pelo silêncio...
Percebi que os poucos amigos que tenho foram desaparecendo, falo aqui dos amigos reais que são poucos mas bons. E atribuo isso a tanto desentendimento. O pior é que me sinto culpada... e tenho certeza de que não sou.
O estranho de tudo é que, quando escrevo - e só escrevo quando fico inspirada -, tudo vai pro papel, ou para a telinha, com começo, meio e fim, bem certinho e até transparente. Eu tenho o hábito de escrever de uma enfiada o que penso e o que sinto, chamo a isso "montar o esqueleto", não ligo para a ortografia nem para a gramática, não me importo se escrevo bobagens. Depois eu fico vários dias, conforme o tema e a responsabilidade, até semanas ou meses, lendo e relendo, trocando palavras por outras mais adequadas, analisando o que digo, corrigindo, etc. A isso eu chamo "botar as carnes no esqueleto". Mas há textos que, quando saem de mim, já saem prontinhos e perfeitos. E percebo pelos comentários que todo mundo entendeu. E eu, é claro, entendo também.
Aí a questão: por que não entendo textos dos outros? por que me atrapalho com frases que leio? Isso me atormenta.
E de tanto pensar descobri uma riqueza imensa nesse tormento. Descobri que eu entendo, certo ou errado EU ENTENDO. Se alguém diz que eu não entendi, quer dizer apenas que entendi diferente. E isso é um direito meu. Aí resolvi fazer anotações daquilo que entendi diferente, e voltar à questão sempre que desejar. Então veio a luz: cada vez entendo de outra forma, cada vez a mensagem que me atinge é diferente daquela que percebi antes e me revela novos aspectos. E a riqueza está aí: isso me dá a chance de nunca esgotar o sentido das palavras que me chegam. Isso se chama interpretar, o que também é meu direito. E essa descoberta me fez não apenas entender, mas aceitar melhor essa cabeça que carrego há tantos anos e que nunca parou de pensar, de refletir, de criar entendimentos e desentendimentos, enfim, de funcionar.
Não tenho conta das panelas que já deixei queimar, nem posso contar porque joguei todas fora. Eta prejuízo! Mas, com isso, agora, até me divirto... A única tristeza é que, com as panelas, joguei fora o amor, que também não me entendeu...
Eu ia falar mais alguma coisa... Queria... esqueci...
Costumo dizer que a minha cabeça é a minha glória e a minha desgraça. Vocês entenderam ou querem que eu explique?
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