Usina de Letras
Usina de Letras
296 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62171 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22531)

Discursos (3238)

Ensaios - (10349)

Erótico (13567)

Frases (50576)

Humor (20028)

Infantil (5423)

Infanto Juvenil (4756)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140791)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6182)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Textos_Religiosos-->RREVISÃO DOUTRINÁRIA PARA ...ESPIRITISMO -- 02/03/2005 - 06:27 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
WLADIMIR OLIVIER







REVISÃO DOUTRINÁRIA

PARA ESTUDANTES E ESTUDIOSOS
DO
ESPIRITISMO




TURMA DOS APELOS EMOCIONAIS





“Observação: O Espírito que assim assina [Jules Morin] é completamente desconhecido. Podemos ver pela comunicação acima, e por muitas outras do mesmo gênero, que nem sempre é preciso um nome ilustre para obter belas coisas. É uma puerilidade prender-se ao nome. Deve-se aceitar o bem de qualquer parte que venha; aliás o número de nomes ilustres é muito limitado; o dos Espíritos é infinito. Por que, pois, não os haveria também capazes entre os que não são conhecidos? Fazemos esta reflexão porque há pessoas que julgam nada poder obter de sublime, senão chamando celebridades. A experiência prova o contrário todos os dias, e nos mostra que podemos aprender alguma coisa com todos os Espíritos, se soubermos aproveitar as oportunidades."
Allan Kardec (Revista Espírita. Jornal de Estudos Psicológicos. Trad. de Júlio Abreu Filho. [s. ed.], São Paulo, EDICEL [s.d.] — Terceiro Ano, novembro de 1860, p. 363.)





Edição da CASA DO MÉDIUM
Rua Cinco de Julho, 1184
Indaiatuba — SP



ÍNDICE

Roteiro ................................................. 3
1. O trabalho socorrista ................................... 3
2. O terraço ............................................... 4
3. O atropelo .............................................. 5
4. O pára-brisa ............................................ 6
5. O azulejar .............................................. 7
6. Ao alho e óleo .......................................... 8
7. A solidão ............................................... 10
8. O alvitre ............................................... 11
9. O costureiro ............................................ 12
10. O domínio do horizonte .................................. 13
11. A cambalhota ............................................ 14
12. O arrependimento ........................................ 15
13. Minha mensagem de amor .................................. 17
14. O dicionário ............................................ 18
15. As figuras .............................................. 19
16. Bendito seja Deus! ...................................... 20
17. A lanterna .............................................. 21
18. A plataforma ............................................ 22
19. A proposta .............................................. 23
20. A ciência infusa ........................................ 25
21. A gárgula ............................................... 26
22. O esqueleto ............................................. 27
23. A orelha ................................................ 28
24. Pluralidade existencial ................................. 29
25. O saber como informação mediúnica ....................... 30
26. Boêmia .................................................. 31
27. Notícias do além ........................................ 32
28. A catapulta ............................................. 33
29. As regalias do bom servidor ............................. 34
30. O controle das emoções .................................. 35
31. O meu pimpolho .......................................... 36
32. O trabalhador braçal .................................... 38
33. Efeitos especiais ....................................... 39
34. Precisão doutrinária .................................... 40
35. O apelativo ............................................. 41
36. As alterações de rumo ................................... 42
37. Como realizar o curso ................................... 43
38. Exercícios .............................................. 44
39. No regaço do Senhor ..................................... 45
40. Uma palavrinha final .................................... 46



ROTEIRO

Nesta manhã dos trabalhos mediúnicos, a Turma dos Apelos Emocionais, orientada pelo Professor Dorismundo, vem trazer os princípios norteadores das apresentações.
Não iremos desenvolver temas de inteiro domínio do médium, para o que lhe pedimos, antecipadamente, compreensão para os dizeres que não se ajustarem aos conhecimentos cristalizados na sua mente. Poderá parecer que incidimos ou induzimos a erro. Puro engano! Urge confiar em que os mentores da Escolinha de Evangelização não permitiriam deslizes que comprometessem o seu ensino evangelizado.
Veja que redigimos com desenvoltura e propriedade, buscando o termo mais próximo da realidade do contexto. Sendo assim, acurada busca no dicionário será o reflexo da excelência do serviço que o humano poderá prestar-nos, ajudando-nos a tornar a forma o mais compatível possível com os desejos de pureza doutrinária haurida das lições dos instrutores da classe.
Este primeiro empenho também sofrerá modificações terapêuticas, de modo a se sanarem os vícios de linguagem através do remédio prescrito, conforme as doses mais sadias e rigorosas, não para que o prefácio não desfaleça na expectativa do apuro da perfeição, mas para que possa obter acesso para a obra nos meios de divulgação espírita.
Com o fito, entretanto, de não manter o roteiro nos tópicos de caráter geral, adiantamos que os textos estão sob a responsabilidade dos autores, quarenta ao todo, segundo o número de colegas de classe. Como não estamos com as provas, não podemos definir os projetos, contudo, Dorismundo nos enfatizou que déssemos cunho pessoal aos trabalhos, cada qual elegendo o gênero que melhor saiba desenvolver.
Eis que a nossa perspectiva se abre em leque de realizações, de maneira que as prescrições serão a alavanca com que cada qual, pela apreciação conjunta, irá erguer o seu questionar filosófico, doutrinário, científico ou religioso, através de apreciações técnicas ou de enredos narrativos. Obviamente, temos de consignar que não fugiremos da temática kardequiana estabelecida sobre as bases do cristianismo inspirado nos Evangelhos.
Cabe explicar, finalizando, a razão de termos prevenido o médium quanto ao desconhecimento das teses e, ao mesmo tempo, de termos estabelecido o padrão espírita e cristão como norma e essência das composições. Seguramente, o conhecimento da teoria é imprescindível para os trabalhos mediúnicos de natureza superior, mais enfaticamente ainda quando se dá no âmbito da consciência do serviçal isolado, incapaz do exercício simultâneo da absorção da forma e do conteúdo da comunicação. Quando ressaltamos que o médium ficaria em descompasso em relação ao momento do trabalho, estávamos dimensionando o raciocínio para esta relação de causa e efeito imediato. Nada impede, na verdade, que exerça vigilância redobrada, mas que o faça a posteriori, dando acolhida, durante a assentada dos ditados, apenas aos aspectos externos.
Ampare-nos Jesus, enviando-nos seus mensageiros de amor, de luz e de paz, para concretizarmos as aspirações do socorrismo fraterno que aprendemos nesta colônia e que nos move no auxílio dos irmãos, em ambas as esferas interligadas pela mediunidade.
Graças a Deus!



1. O TRABALHO SOCORRISTA

O trabalho socorrista visa ao crescimento evangélico.
Quando nos matriculamos nos primeiros cursos da Escolinha, geralmente, estamos sob a impressão das terríveis catástrofes da derradeira romagem terrena e da obrigatória estadia nas regiões trevosas do Umbral. Aqui chegando, julgamos que os professores, os instrutores e os assistentes da área de saúde mental se dedicam a nós com o único objetivo de nos oferecerem o anteparo de sua sabedoria, transferindo-nos a sua confiança em que o futuro será de paz e conforto.
Poucos são os que vislumbram as necessidades dos que nos assistem, porque imersos nos dramas egoísticos dos sofrimentos reconhecidamente provocados por nossa incompetência na aplicação das diretrizes cristãs. Julgamos que são anjos os que nos atendem, porque nos deliciamos neste paraíso provisório, onde a pressão mais desagradável reside na recordação do mal que nos fizeram ou que provocamos. É mera constatação da consciência, de forma que concretizamos os ganhos na quietude do ambiente e na formosura dos relacionamentos.
Todavia, mantemos a personalidade quase a mesma dos tempos da carne, sem perceber que nos impregnamos da malícia da bem-aventurança que vem de fora e não da augusta tranqüilidade como fruto do equilíbrio das forças essenciais de que somos forjados.
Que se espera dos alunos? Que vão observando a si mesmos, segundo situações dramatizadas, em que se obrigam ao exame das reações, conforme a intensidade do envolvimento que sejam capazes de se proporcionarem. É atividade cem por cento lúdica, preparada especificamente para a classe, conforme a média do progresso que lhe decretou a organização.
Os instrutores responsáveis pelo roteiro das atividades se esforçam por oferecer algo instrutivo, mas se encontram impedidos de atuar em abstrato, porque existem problemas específicos a se enfrentarem. Desse modo, quase sempre, elaboram projetos a partir das suas próprias experiências, para refletirem, em conjunto com os discípulos, sobre a melhor solução, o que lhes propicia a oportunidade de exame de todos os fatores incidentes na conjuntura a que se submeteram nas esferas em que suas ações e reações não condisseram com as lições de Jesus.
É costume deixar o registro do desenvolvimento do ensino nos anais da turma, para posterior consulta, discussão e reavaliação. Daqui, este outro aspecto do trabalho socorrista, qual seja, o do empenho de todos para a redação de, pelo menos, um caso, geralmente o seu mesmo, com a participação dos colegas, para se uniformizarem os conhecimentos e se dar o mesmo cunho emocional ao fundo melodramático existente em cada descoberta do caminho para a perfeição.
É esse o motivo mais categórico de as mensagens aos encarnados se projetarem dentro dos limites da ponderação, do equilíbrio e da razão. Mais raras são as manifestações oriundas desta Escolinha em que os apelos se fazem emocionados, sentimentais ou, mesmo, fracionados pela intervenção dos delíquios nervosos das reminiscências pesarosas.
Quando fizemos questão de ressaltar a novidade para o médium, desejávamos também preveni-lo quanto ao fato de estar habituado a certo tipo de comunicações, tipo que iremos transtornar de propósito, mas sem corrermos o risco de ofender os princípios morais ou doutrinários do Espiritismo, quer no contexto da ordem estabelecida pelo rigor kardequiano, quer no sentido mais popular das manifestações espontâneas dos espíritos sofredores.
Quem estiver disposto a analisar este mesmo texto, haverá de perceber o quanto de informações carreia para o acervo dos conhecimentos sobre o etéreo e sobre a colônia. Se enxergar um pouco mais, verá o quanto de proveito extraiu deste trabalho a própria comunicadora, neste esforço em que foi testada, para reproduzir, com dignidade e expressividade, as noções que absorveu nas aulas.
Sirva-se o encarnado da nossa experiência, resguardando na memória os tópicos mais importantes, porque, sem sombra de dúvida, irá perpassar por situação semelhante, em sua caminhada para o eterno.
Elisa.



2. O TERRAÇO

Não havia terminado o curso secundário e já me encontrava empregado em firma de representações, na qualidade de técnico aduaneiro. Era bem uma posição invejável para jovem de vinte e dois anos, cheio de esperanças financeiras, tantas que, não demorou, caí nas garras aduncas de umas águias velhas, que me engolfaram no vórtice dos ganhos fáceis das falsificações das notas e no fechar de olhos para as irregularidades. Formei na quadrilha dos fiscais corruptos e me aboletei em razoável pecúlio.
Esse tempo foi o das loucuras, porque o que vinha fácil depressa se diluía, até que...
Conheci Marieta numa festa popular, em viagem pelo Norte. Enamorei-me e não quis saber das origens da mulher. Quais tivessem sido suas aventuras ou desventuras, quedaram no passado. Trouxe-a para o Sul e tomei-a para mim de papel lavrado em cartório.
Vieram os filhos e os netos. História mais do que corriqueira de quem se mantinha firme no posto, dinheiro escorregando por fora da burra do erário público, a deleitar-me os sentidos, todos eles, conjugal e extraconjugalmente.
Sem querer encurtar o narrado, não há como referir-me a algum feito grandioso, diferente, invulgar. Morri bem velho, cercado dos parentes chorosos, porque a ninguém, como suspeitava na época, havia deixado por herança a ladroeira em que vivera. Servira-me das largas posses para dar educação escolar esmerada a todos os meus, amparando-os eventualmente em alguns desajustes de procedimento, sem ameaças, nem cobranças.
Teria sido a consciência a sofrear-me os impulsos da ira? Veremos.
Ao chegar ao etéreo, matreiro, vinha com a relação das indulgências na pontinha da língua, pois jamais denegara à Igreja os seus reclamos de espórtulas e contribuições. Entretanto, por mais expusesse as minhas razões para o deferimento da solicitação de despacho favorável para a bem-aventurança, ninguém me ouvia. Aliás, vários espíritos folgados me pediam a sua parte do por fora, como a representar a comédia das impossibilidades.
Demorei para perceber que a alegação de que não prejudicara ninguém, porque dilapidava em crime incruento os cofres do governo, não correspondia à verdade. Dei um passo adiante e levantei a suspeita de que a minha atitude se dava na linha de frente das apropriações indébitas, uma vez que era do meu conhecimento a existência de corrente de produção de desvios de verbas, argumentando eu que, quanto maior o montante disponível, maior seria a locupletação dos demais.
Por essa ocasião, apareceram-me uns sujeitinhos mal-encarados, com grossos livros de atas, que vieram tomar-me a termo as declarações, para efeito das acusações daqueles que mereceram a minha péssima consideração. Insistiram e me cercaram tão rudemente que desatei em abalada carreira, desejoso de me ver livre de semelhantes criaturas. Não descansava dez minutos e já me alcançavam e assediavam.
Desalentado, fui obrigado a declarar que não sabia quem eram aqueles famigerados e perniciosos administradores, a ver se me davam sossego. Foi pior, porque me obrigaram a seguir com eles, agora fluidicamente acorrentado, incapaz de reação contrária de desafogo da pressão externa. Houve, inclusive, um momento de reflexão em que ponderei que teria sido bem menos oneroso manter-me na condição de credor da espiritualidade católica. Corolário do pensamento caótico, regozijei-me por não haver censurado aqueles mesmos fiscais que me abocanharam para a sua falange de crimes. A só recordação deles levou os meus carcereiros morais a me cercarem de novo, para lavrarem em termo os atos de prevaricação, com os respectivos nomes e sobrenomes, dos quais não tinha como furtar-me.
Atemorizado pela condenação com que me ameaçavam, uma vez que me diziam que, se não esclarecesse as circunstâncias em que me enredei na Terra, iria apodrecer jogado nalguma masmorra, ditei um a um todos os nomes daqueles com quem mantivera os relacionamentos bandidos.
Assim que defini o último da lista, apareceram-me todos, pois haviam partido antes de mim, para tirarem desforra da maliciosa intriga em que os arremetera. Em lugar de nos felicitarmos pelo reencontro das antigas amizades, uma vez que na carne nos tratávamos de compadres, ali as imprecações e xingos apenas precederam as vias de fato. Apanhei e bati, sofrendo sordidamente a desilusão dos laços do convívio na paz conveniente do usufruto indevido dos bens alheios.
Um dia, acordei em leito hospitalar, dando murros aéreos e pontapés no espaço, rilhando os dentes, encharcado de suor, sangrando, cansado, sem ânimo de xingar, sem ouvidos para perceber os impropérios, ansioso por me libertar de tão pungente desventura. No fundo do coração, solicitava por uma trégua, por um instante de repouso, por um átimo de concentração na própria existência.
Sedaram-me e adormeci.
O mais é a história comum de todos os que recebem assistência das ótimas criaturas que atuam nesta colônia. Dizer que algumas atividades minhas tiveram o condão de atenuar os sofrimentos será providenciar um halo de esperança naquele mesmo leitor que vem causando a si e à sociedade análogos danos, indiferente às recomendações do orai e vigiai da doce pregação de Jesus. Baste ao amigo saber que Deus é pai de misericórdia, tanto que me encontro cumprindo o dever do alerta, depois de alguns anos de extenuantes estudos, para a configuração do que teria sido melhor para o meu futuro, desde o dia em que aceitei a primeira propina, para a facilitação do contrabando.
Acrescento que deverei ressarcir a comunidade de todos os prejuízos, o que realizarei por meio do trabalho de assistência a muitos indivíduos carentes de entendimento, por causa dos mesmos vícios de caráter que me trouxeram tantos desgostos.
Voltar ao plano terreno para existência de resgate dos débitos? Para tanto, serão considerados muitos fatores que não se encontram sob meu domínio, de sorte que, um dia ou outro, serei chamado pelo meu anjo guardião, para que estabeleçamos em conjunto o que será melhor para mim e para os meus familiares, uma vez que a sorte dos indivíduos se encontra jungida à dos que formam em seu grupo cármico.
Para simples informação, devo dizer que a maioria dos parentes mais próximos voltaram e se encontram espalhados por várias regiões, umas de angústias e dores, outras de relativa felicidade. Comigo Marieta, com quem conto para a sustentação do alto nível desta comunicação. Terá ela tido atuação decisiva para a intervenção dos socorristas da colônia, quando me via enredado com os inimigos? Que pensa a respeito o atento leitor?
Um desafio final: a descoberta do porquê dei o título de O terraço ao texto.
Fique na paz do Senhor!
Reinaldo.



3. O ATROPELO

Inerte permaneci no etéreo por mais de duas décadas. Era como se estivesse, não estando, absolutamente. Queria e não queria, desejava e repudiava, ansiava e temia.
Fruto da vontade de quem preponderara, dava-se a hesitação em admitir a verdade, que refugara em vida de luta em prol do dogma e da virtude viciada.
Mas tudo tem fim no dia-a-dia da espiritualidade, seja o sofrimento pusilânime dos que paralisam, seja a ventura esforçada dos que pleiteiam trabalhos para o esquecimento das pressões conscienciais.
Assim, fui arremessado de encontro a mim mesmo e achatei-me sob o peso das tremendas injustiças contra os semelhantes, justamente porque me iludia, afirmando-me dono da religião e ministro do Senhor.
Agora era o desarme das faceirices e maneirismos de matreiro sacerdote, melífluo na expressão dos termos evangélicos, rude, contudo, na malversação das palavras de esconjuro aos que investiam contra a Igreja ou, simplesmente, caminhavam noutro sentido.
Estava e não estava presente nas assertivas que minh’alma absorvera dentro das diretrizes canônicas, sempre místico e predisposto a exaltar os eleitos da santificação religiosa e a excomungar os que profligavam a riqueza desperdiçada nos templos do luxo e da grandiosidade material.
Tudo se resumia na mais simples expressão do advento do etéreo na realidade das convicções, pobres certezas argamassadas nas cinzas do carnaval festivo e na cera das tristes sextas-feiras santas, aureoladas pelas flores dos sacramentos, pela liturgia dos cânticos, dos paramentos e dos incensos.
Queria porque queria a salvação, sem saber que precisava libertar-me de mim mesmo, pelo jugo do mítico transformado em transcendentalismo, modalidade miraculosa que depositava na mão de Deus o poder discricionário de eleger e de prosternar.
Em suma, objetivava gerir os desígnios divinos, como a afirmar, à sombra de perverso raciocínio, que, se não fosse do jeito que via e que determinava por meio da pobreza de minha razão, não poderia ser nada além do que o paraíso, para júbilo eterno de quem se sacrificara pela excelsitude do ideal religioso.
Pusera o corpo carnal em decomposição muito antes de baixar à sepultura, exegético, interpretativo, íntegro nas afirmações de poder sobre os sentimentos e as emoções, impedindo o livre curso das lágrimas, sempre asseverando que Deus promoveria o insigne pároco a humilde anjo, dentro das hostes magníficas, a reinar sobre as terras prometidas.
Cheguei ao cúmulo de induzir os fiéis à crença na ressurreição material do Cristo, ameaçando com as chamas infernais a quem, trêmulo, vinha ao confessionário depositar alguma inofensiva dúvida. Transformava o medo em rancor contra si mesmo, açulando a consciência contra o pobrezinho ou pobrezinha, impedindo-os de ir mais longe no questionar elucidativo da própria fé.
Era penoso, enfim, reconhecer os débitos agigantando-se, da mesma forma que incutira na mente dos infelizes, dentro da assustadora fantasmagoria de minha incompetência perante a verdade, que vedava com os argumentos dos impossíveis, peremptoriamente, como se o fracasso das concepções fosse incompreensível, mediante o rol dos benefícios que rogava e de que me julgava no direito.
Não fui visitado por sujeitinhos estranhos com malfadados livros de atas. Nem tinha contra quem voltar a hipocrisia do meu rancor forjado, para a justificativa da melancólica situação. Rejeitei a influência doméstica e pus fim às suspeitas de que o momento, a raça e a cultura é que se impuseram sobre a minha personalidade, estruturando-me a psique e formando-me o caráter. Fui justo, no mínimo, em relação ao meu direito de me acusar, finalmente, pela incúria e pela impropriedade da aplicação dos ensinamentos de Jesus.
Aceitava a idéia de que muitos dos padres se projetavam no céu da bem-aventurança, pela eficácia dos estudos e pela insuspeita dedicação à salvação das almas, com proficiência canônica, sem atributos de superior dotação intelectual mas energizados pela condolência aos sofredores que buscavam o amparo espiritual de quem sabia, realmente, perdoar, em nome de Deus.
Foram esses pensamentos que deram início aos repelões contra a imobilidade, no atropelo do reconhecimento sentimental que me forçava às crises de culpa, arrependimento e remorso.
Um dia, sagrado dia, apareceu-me um ser vestido de capuchinho, modestamente, sem cruzes e sem sermões, com o convite de segui-lo na confiança de quem transmitia somente a paz, com a palavra singela, sem as afetações que tão bem conhecera e utilizara eu, causando-me a irresistível e malévola emoção da inveja, porque compreendia que perdera a excelsa oportunidade de me tornar o pastor do meu rebanho.
Segui-o, porém, envergonhado porque cônscio do abalo evangélico que me atingia o fundo do coração, que palpitava na expectativa das ladainhas das acusações, pelo tribunal inquisitório da consciência ativada pelos reclamos da comunidade que ferira, que magoara, que iludira, que desencaminhara.
Ainda não havia chegado a hora do reconhecimento da infinita misericórdia de Deus, apesar de, se questionado, poder desenvolver todo o sermonário relativo às propriedades e atributos do Criador, a partir da justíssima expulsão de Adão e Eva do paraíso, da oportunidade da pena do dilúvio universal, do castigo irrevogável das pragas do Egito e demais chacinas que os livros sagrados atribuíam a ele. E recitaria os dez mandamentos e todo o Levítico, incluindo as palavras de Jesus contra os fariseus e doutores da lei, demonstrando que os muros de Jerusalém caíram porque o Senhor foi crucificado.
Descrevo um instante no passado que me parecia a permanência no inferno, porque nem me dava o lenitivo do purgatório, onde persiste a esperança, enquanto se caldeiam os pecados até a consumação.
Graças vos dou, meu bom anjo guardião, por me favorecer esta modesta contribuição para a obra que se dará à mediunidade! Ao contrário do que sempre prometi como castigo, espero que a descrição das minhas tribulações não se constitua em opressão moral, mas que se legitime na universalidade da lei de ação e reação, conforme os ditames doutrinários levados aos mortais pela Terceira Revelação.
Seja Jesus por nós todos! Amém!
Frei Damasceno



4. O PÁRA-BRISA

Assustei-me com a incumbência espiritual de tanta importância. Queria tarefa menos envolvente, porque tinha para mim que não corresponderia sequer às expectativas dos colegas mais atrasados, das turmas iniciantes. Todavia, o rascunho surpreendeu-me eufórica, cheia de esperança de que a realização excederia aos padrões que estipulara como os mais severos, dentre as normas da escritura mediúnica.
É que não me atrevera ainda a elaborar nada por escrito, afeita, sempre, às avaliações orais, em que me expunha de corpo e alma, de forma que podia imiscuir às reações oportunos desleixos de caráter emocional, o que agora seria impossível, dado que a reflexão obriga ao descortino da realidade psíquica, impedindo as manobras casuísticas de quem se aproveita das oportunidades para aparecer como diligente e eficaz.
Seja o presente intróito a mais inflexível observação quanto aos melindres provocados pelo a propósito das circunstâncias, como ainda a irrefragável verdade a ser apontada contra os matizes da imperfeição tida como obra de arte e resultado de superior entendimento, quando o conjunto lexical corresponde ao máximo dos semantemas, na busca das equações lógicas, sem fundamento no conhecimento produzido pelos estudos e pela organização mental, conforme os princípios evangélicos consignados na doutrina espírita.
Entenderam? Nem eu, diria, se não tivesse feito intencionalmente para confundir. E é somente isso.
Depois de narrar os acontecimentos relativos aos meus inúmeros deslizes terrenos, ficariam Vocês mais à vontade para elaborar de forma clara o parágrafo acima, em que mesclei conhecimentos técnicos da lingüística com a barafunda dos pensamentos eivados de precípites conclusões, a partir dos elementos extraídos da fantasia do autor e do repertório do médium à disposição?
Pois que se evidencie, se é que já não ficou expresso, que me recusei a fornecer os dados que me poriam desnuda perante a opinião dos encarnados, para o que lhes tenho desviado a atenção no sentido das estruturas absolutamente incompatíveis com o discernimento mais comum entre os leitores das obras espíritas mediúnicas.
A convicção de que estive muito próxima da perfeição leva a ponderações saudáveis a respeito do crivo pelo qual faço passar os ensinos de que somos alvo na Escolinha, para que se firmem os conceitos sobre o nível evolutivo de cada um da classe. Muito embora se tenha a autora deixado levar pelo intento do disfarce, ainda que muitos leitores não venham a atingir o cerne dos dizeres que estou a ministrar ao meu patético intermediário (patético no sentido de que teve a alma comovida por forte sentimento de piedade ou tristeza), insisto no ponto de que o principal se encontra subjacente e não no que vem explícito.
Revelo, pois, que o título deve sugerir o anteparo que protege a motorista dos ventos e dos eventos que poderiam perturbar-lhe a tranqüilidade. Texto meio fantástico, meio bombástico, muito pretensioso, nada próprio para a divulgação dos prismas que devem ser explorados para implementação das virtudes no coração e nas mentes dos leitores, mesmo assim me atrevi a submetê-lo à aprovação dos mentores, que tiveram (segundo me informam neste mesmo instante) o máximo de trabalho para receberem o nihil obstat dos responsáveis pelas transmissões mediúnicas. Houve, é verdade, a ressalva das futuras explicações pelos colegas, tácitas ou declaradas, porém, eis-me perante os encarnados, factótum dos ideais das trevas, pela condensação dos sentimentos nos contingentes vocabulares desconexos.
Deverei aluir os princípios dos que se incomodam por pouco, mas, de maneira nenhuma, me proponho a forçar o desentendimento das normas evolutivas que primam por oferecer aos matriculados na turma, os instrutores e demais membros da colenda congregação dos catedráticos.
Seguramente, a intensidade com que voam as informações para se estamparem nas retinas mentais dos amigos não me autorizam a prosseguir na linha de incoerências, a provocar íntimas rebeldias, como se o texto se constituísse em pretexto para as acusações de praxe contra o efêmero desempenho dos que não precisariam comparecer junto a esta mesa, porque nada trazem que se acrescente aos magistrais desenvolvimentos dos espíritos superiores, por meio deste e de muitos outros médiuns. No entanto, persisto no cumprimento da tarefa, agora ditando e não mais escrevendo, mas sem improvisar, porque seria de pronto substituída, antes mesmo de iniciar a sessão, uma vez que a ninguém é dada tal liberdade, a não ser que se perca o humano que nos serve para a mediação.
A derradeira notícia se deu para embaraçar a compreensão do quanto de conhecimento têm os instrutores do futuro imediato, dado que são capazes de sustar o serviço antes mesmo de se caracterizar o fato melodramático da perda dos preparativos e da falência do dia de esforço mediúnico. A verdade é que a atuação deles se estabelece a partir da auscultação do equilíbrio psíquico (sentimental e intelectual) do emissor, como também do recebedor. Caso constatem problemas insuperáveis, apelam para forças superiores, que determinam o que fazer para propiciar ao grupo em atividade a formulação da melhor conduta, a fim de se obter sucesso, ao mesmo tempo que se asseguram de que o encarnado possa modificar o tônus emocional que o está impedindo para a sintonia ou para a absorção das vibrações, com a correspondente tradução para o linguajar humano.
Tendo fixado como diretriz desta mensagem a noção do improvável, do fortuito e do ilógico, como apresentação do roteiro, e o emprego do rigor vernáculo e conceitual, para a conclusão a que estou chegando, corri o risco de ser mal entendida, a ponto de previamente advertir-me para o fato de que muitos suspenderão a leitura antes mesmo de atingir a presente explicação. Risco maior correm os mestres ao aceitar a minha premissa, porque haverá quem se recuse a prosseguir até o fim da obra, apesar de se encontrarem tão no começo.
Então, qual a vantagem para se manter a dissertação?
É óbvio que a extrema complexidade cederá, se o exame de cada trecho se der sob a luz do resultado global, ou seja, se, independentemente, de entender ou não o conjunto, o indivíduo se sujeitar à leitura integral, para, em seguida, proporcionar-se o ensejo da análise de cada parte. Eis que revelo, enfim, o principal objetivo que me trouxe tão imersa nos queixumes dos que apenas se interessam por textos transparentes e absolutamente conformes à sua própria experiência, esquecidos de que, para chegar até ela, precisaram caminhar passo a passo na senda da aprendizagem.
Não é verdade que muitos participam deste meu princípio de abordagem da realidade, ou seja, cumprem o ritual do negativismo primário até se afiançarem de que a postura inicial foi adrede estabelecida para a surpresa do fim, porque, durante a caminhada, foram percebendo que o diabo não era tão horrendo como lhes pintara a imaginação?
Reflitam profundamente a respeito de suas reações, enquanto vinham decifrando o organograma da redação, e peçam à consciência que assente definitivamente se tive razão em enunciar os pensamentos pela formulação provocativa e lúdica resultante da integração da forma com o conteúdo. Caso assim não estabeleçam, passem, por favor, sem preocupação maior, à mensagem seguinte.
Deus nos abençoe!
Valéria.



5. O AZULEJAR

Estimo que os meus confrades tenham vindo solucionar os problemas das descrições psíquicas embutidas nas nuanças sentimentais e emotivas mais estapafúrdias. Resta-me exemplificar, simplesmente, o que é muitíssimo mais fácil e agradável. Mas não no farei ao arrepio da boa lógica que se deve esperar dos escritos de caráter elucidativo, na contraproposta do texto anterior da colega Valéria.
Fui em vida um bon vivant, muito embora não nadasse em dinheiro. Mas também não era dos menos abonados. Vivi miseravelmente, segundo os padrões da classe A, justamente aquela que não vê limites para suas posses. A bem dizer, herdei um pequeno comércio de meus pais e dei continuidade à irrisória prestação de serviços à comunidade, sem grandes aplicações de imaginação, de criatividade, de espírito de ampliação, contentando-me com pouco, mas também não me esforçando um mínimo para melhorar.
Já se vê que a minha descrição psicológica se encerrou, nada mais havendo para dizer. Casei mas também não procurei muito. Foi com a primeira que aceitou permanecer no anonimato do pequeno comércio sentimental. Tivemos dois filhos, que não progrediram na escola e que se dedicaram ao comércio clandestino das drogas.
Pensam que nos preocupamos, os pais? De maneira alguma. Achamos até muito justo que fossem presos, julgados e condenados, para viverem às expensas do governo.
E eles nos acusaram de lhes desleixarmos a educação? De modo algum. Julgaram-se responsáveis pelos deslizes e buscaram não pensar muito nos atos praticados como resultantes da péssima formação moral que adquiriram.
Teríamos nós, os pais, alguma vez interrogado a consciência a respeito de termos tratado os pequenos com recursos canhestros de ignorantes? Jamais. Ficamos, como dizíamos, na nossa, comendo sem prazer, bebendo (pouco) para momentâneas alucinações, amando quase por obrigação, marasmáticos, medíocres, insignificantes.
Íamos ao templo, onde dávamos ao pastor o dízimo das arrecadações, pontualmente, crendo sem questionar, orando sem convicção, considerando que as palavras que ali ouvíamos serviam para os outros, porque nós éramos fiéis aos princípios adotados desde sempre, imobilizados para as mudanças, ainda que requeridas enfaticamente pelo candente discurso do dirigente do culto.
Mesmo quando cheguei ao etéreo, enviado por pertinaz moléstia, sem o concurso da Medicina nem dos doutores, porque não acreditávamos que com dinheiro se deveria comprar a saúde, não atinei com o sofrimento da falta de perspectivas espirituais. Por mais de trinta anos permaneci inerte, aguardando que as coisas melhorassem por si, sem dar nenhum empurrãozinho no destino.
Para, finalmente, movimentar-me, foi preciso enfrentar a fúria de um dos pimpolhos, que, após curtir alguns anos de prisão, foi mutilado em acidente automobilístico, impossibilitado até para o malefício a que se habituara. A estadia forçada em cadeira de rodas envenenou-lhe a mente contra os pais, de sorte que, assim que logrou libertar-se do assédio dos inúmeros perseguidores, tendo aprendido a obsidiar, veio para o confronto, vítima que desejava tornar-se algoz.
Fique evidenciado que não revidei, não porque não sentisse os comichões da vingança, mas porque não reputava lucrativo o empenho. Mas incomodei-me e, lembrando-me de que se mudam os incomodados, parti em busca de paz. Não consegui e foram duas décadas de correrias pelo Umbral, até que se cansou o infeliz, porque o seu desejo de desforra não se concretizava contra quem não se importava com os acontecimentos.
Deixado quieto, não me satisfez a modorra, porquanto me habituara às paisagens renovadas pela caminhada sem destino. Foi assim que, um belo dia, dei com os portões da colônia, aconchegando-me ao pé da construção, a ver quem entrava e quem saía. A curiosidade se me despertou, porque os indivíduos passavam por mim sem notar-me a presença, quer para me escorraçarem, quer para me convidarem a entrar.
Certa ocasião, quem vejo sendo trazida no meio de leva de protegidos? Claro: a esposa, desgrenhada e feroz, mas contida, olhos muito esbugalhados na minha direção, como a me acusar de algo cuja culpabilidade eu não assumia. Mas interroguei-a de longe:
— Que Você vai fazer aí dentro?
Incompreensivelmente, respondeu:
— Quem não tem cão caça com gato...
Antes que fechassem o portão, roguei que me agasalhassem, no que fui atendido.
Foi assim que me introduziram nos jardins da instituição, mas não me atrevi a entrar em nenhum dos prédios, suspeitando de que me cobrariam a hospedagem com trabalhos forçados, conforme ouvira de muitos errantes. Foram dias de longa duração, mas que se contaram, finalmente, por não mais do que um mês. Sem saber, estava sob a influência de protetor designado para me vigiar e seguir os fluxos e refluxos do pensamento.
Em resumo, agora que estou compenetrado do valor do trabalho para a evolução dos espíritos, em prol dos ganhos das virtudes que nos elevarão ao patamar seguinte, rumo ao campo sagrado do Senhor, agradeço à diligência extremada do bondoso orientador, que, com muita paciência, me convenceu a entrar no hospital para tratamento gratuito da afecção que me matou e que se incrustara indelével no perispírito.
Comparo o trabalho que se realiza junto aos espíritos renitentes, teimosos, obstinados, pertinazes, contumazes, como a lenta aplicação, sobre a parede, dos azulejos, um a um, sempre dispondo-os de acordo com a configuração dos desenhos, no equilíbrio que se estabeleceu desde a base, medindo-se previamente a extensão da tarefa, para a fixação definitiva de cada peça no seu devido lugar.
Posso dizer que, no meu caso, arranquei, imbecilizado, muitos dos ladrilhos, incapaz de admitir que aquele fosse, verdadeiramente, o local a eles destinado.
Terei descrito a minha personalidade sem arrojo e sem brilho. Isto é mais do que certo. Mas o que esperar de entidade tão apagada, tão mesquinha, tão ingrata ao Criador, o qual tanta riqueza espalhou pelo Universo, sem estimular-me para o progresso, ainda quando tinha recursos para isso?!...
Assim, a minha contribuição não poderá ser outra, a não ser a de solicitar ao caríssimo leitor que avalie as posses intelectuais, sentimentais e materiais, na perspectiva de conhecer onde devem empregar as sobras de capital para a multiplicação dos talentos, conforme está na belíssima passagem bíblica, justamente aquela parábola de Jesus em que o patrão acusa o debilóide preguiçoso que devolveu a quantia escondida, sem o acréscimo do trabalho e da inteligência.
Sei que não segui as normas estabelecidas para esta classe, cuja lucidez redacional é superior, contudo, resta-me o velho recurso de requerer do astuto leitor que me perdoe a lerdeza, mas incentivando os que caminham na mesma velocidade que eu a que apressem o passo.
Tenho dito.
Graças a Deus!
Olavo.



6. AO ALHO E ÓLEO

A sugestão gastronômica do título vem para explicar de imediato que o meu principal defeito foi o da gula. Pesando mais do que cento e vinte quilos, com apenas um metro e sessenta de altura, tinha a grave obesidade dos candidatos à síncope cardíaca. E não deu outra. Aos trinta e seis anos de idade, embarquei em esquife reforçado, a caminho do campo-santo.
Quem estiver extraindo certo ranço de bom humor das palavras que alinho pode ter a certeza de que, neste instante, recuperei o dom das facécias e a alegria inerente aos gordos e bonachões. Tendo, aqui no etéreo, estudado um pouco o caráter das pessoas com corpos avantajados, cheguei à conclusão de que o que acima afirmei é mero preconceito. Então, pus-me a avaliar com mais firmeza de propósito como é que eu era na Terra, carregando o corpanzil.
Era um fraco. Não apresentava força de vontade para realizar o objetivo maior de minha vida, qual seja, o de me estabelecer como figura preeminente no campo político. Ao invés disso, deixei-me empolgar pela facilidade com que produzia os bens de consumo para mim e para a família, através de inteligência até que razoável, que me favoreceu instalar-me por conta própria no ramo dos eletrodomésticos.
Candidatei-me à vereança e gastei bastante com a campanha, contudo, não me elegi, talvez por haver apostado alto na fidelidade dos correligionários e cabos eleitorais. Tardei a reconhecer que deveria profissionalizar-me, realizando cursos apropriados, conforme me propuseram os amigos bem postos no seio dos partidos. A morte colheu-me em plena freqüência a um desses cursos.
Aqui deve levantar-se a suspeita de que faz muitíssimo pouco tempo que morri. É verdade. Encontro-me há quinze anos no etéreo e há cinco na Escolinha de Evangelização. É de causar inveja, não é mesmo? Será?
Agora é que vem o aspecto mais triste da história: é que perdi completamente a encarnação, não tendo servido para nada no acrescentamento de virtudes ao acervo das que tinha antes. Além disso, por incúria, deixei viúva e filhos em desconsolo, porque me amavam. Como eu também os amava, Vocês podem imaginar as aflições por que passei nos primeiros dez anos.
Eram tão pesadas as preocupações com os meus que, de repente, fui arrebatado de minha casa por amigos e protetores familiares, porquanto ia constituindo-me em verdadeiro obsessor justamente das pessoas a quem devotava os melhores sentimentos.
— Não sei se terei coragem de dizer tudo — era o que repetia durante o tempo em que permaneci com a incumbência do relato de minha jornada no etéreo. É que fui engolfado pelo ciúme, quando a viúva se pôs de namoro com antigo companheiro de folguedos, desde os tempos em que praticava o esporte bretão.
Eis a razão de terem carregado comigo para cá.
Mesmo assim, acho que muitos leitores poderão julgar que estou entre os bons, porque não descrevi os tremendos sofrimentos dos que perpassam anos e anos a correr através da escuridão, como o bom companheiro Olavo e outros. Tive a sorte, isto sim, de não ter cometido muitos enganos, sendo gentil para com as pessoas com quem tratei, inclusive levando calotes dos clientes, sem excessivo reclamar, buscando sempre a conciliação, sem, entenda-se, o objetivo escuso de reabrir o crédito para futuros endividamentos.
Punha tudo na conta da gordura cordata e satisfeita, enquanto não me vi na posição de quem escorregou na própria sombra. A morte me apanhou desprevenido e, no primeiro momento, fui incapaz de aceitar que perdera o crédito à vitalidade. Desejei recompor-me perante a natureza e sofri os embates da realidade da decomposição corpórea. Se estive concentrado em meu cadáver por pouco tempo, carreguei comigo, pelos dez anos seguintes, a recordação funérea como peso adicional à carga da consciência.
Como acima referi, no entanto, fui atraído pela família, pondo-me como guardião dos filhos, aliás, desnecessariamente, porque eram bem educados e se escudavam nas recomendações valiosíssimas da mãe. Também eram bem crianças e só sentiram a perda do pai quando avaliaram que os brinquedos não chegavam com a mesma constância. Mas o tal amigo assumiu a minha vez...
Não gosto de fazer referências a esse sujeito, porque, além do ciúme a que aludi, também lhe passei a invejar a figura física esbelta. Foi um pontapé no meu orgulho de homem e na minha segurança de marido. Sendo assim, precisei superar as fraquezas que iam acumulando-se exatamente depois de volver ao plano etéreo.
Às vezes, fico imaginando se não teriam os orientadores de minha encarnação arquitetado o plano de reajustamento do caráter para o período imediatamente posterior ao desenlace vital, o que me força a crer em que me deram a organização material mais apropriada para desfecho antecipado quanto ao ciclo biológico.
São quimeras, evidentemente, mas, pelo que sei, tendo conversado com os colegas de classe, principalmente os que estudaram Espiritismo durante a vida, muita gente levanta semelhantes hipóteses, havendo quem afirme com convicção que nada acontece por acaso, colocando, nas mãos e na inteligência dos administradores sidéreos, o destino da humanidade, com o fito, é claro, de facultar aos irmãos menores mais rápido crescimento na senda do Senhor.
Mas chegar a tais conclusões é o mesmo que preparar um prato à base de alho e óleo, porque se tem muita fome ou se está coagido pela açodamento das realizações da pauta escolar, conforme a linguagem se tome em sentido próprio ou figurado, o que, para mim, dá na mesma.
Tenho de pedir desculpas aos leitores por trazer tema dispersivo, carregado de insinuações, sem declarar, de forma positiva, quais os pontos que se devem analisar segundo o critério da causa e do efeito, como se tudo se enleasse definitivamente dentro de minha psique, para o clímax desta dissertação.
Vamos dizer que emagreci e que, por isso, fiquei azedo, sem ter no que me amparar para o deslanchar dos raciocínios, quando o texto se põe radicalmente contrário às intuições, fluindo das premissas para as conclusões, com irrecorrível lógica. Pelo menos, zelei pela expressão lingüística, o que não considero de pequeno mérito. Mas tal elemento era tido como forçoso, após a vergastada de intelectualidade da Valéria.
Não foi o regime à base de raiz de capim que me pôs esguio; foram os exercícios de metafísica, com base no mergulho a que me obrigaram nas profundezas da consciência.
Fiquemos com Deus!
Hercílio.



7. A SOLIDÃO

Considerando que estou integrado na classe, não há por que não suspeitar de que o título forneça pista errada a respeito do principal dispositivo psicológico de minha personalidade. No entanto, devo afirmar que ainda hoje tendo a me distanciar do grupo, precisando que os colegas venham atrás de mim para que forme junto a eles nas discussões dos temas e na formulação dos textos. Às vezes, estando presente, estou longe, não no sentido de não prestar atenção à pauta, mas no da aplicação do interesse que vejo nos demais e que não configuro em mim.
Para compensar, faço-me bom serviçal para as tarefas de transcrição, correção, síntese e demais formas separadas de trabalho para o êxito das reuniões, motivando-me para a exclusão espontânea, na busca de sossego para a imersão no âmago dos meus pensamentos ainda não totalmente seguros do domínio das reações sentimentais.
Atualmente, quando me vejo solicitado em demasia, como quando me pediram para este comentário, ponho-me choroso e desconfiado de que fracassarei. Tal resposta mental é díspar, em confronto com a lhaneza com que me apresento para as tarefas a que acima aludi.
Durante bom tempo, fiquei a imaginar o porquê da discrepância entre as reações e cheguei à conclusão de que tudo o que produzo por solicitação e estímulo próprio me proporciona prazer, enquanto o que me pedem somente me coloca de sobreaviso para as conseqüências desagradáveis do insucesso.
Terei tanto receio da opinião alheia?
Não necessariamente, porque muitas vezes o meu desempenho voluntário foi criticado, o trabalho foi rejeitado e nem por isso fiquei desesperado ou desiludido. Entretanto, se a obrigação falha, recuso-me a aceitar as ponderações judiciosas dos amigos, partindo para a acusação (íntima, hoje, tendo sido, outrora, extremamente violenta) dos que pretenderam abusar da credibilidade que depositaram em minha capacidade de realização. Chamo-os de ingênuos e retiro-lhes a argúcia da inteligência, porquanto não tiveram o indispensável tino ao observar as minhas limitações.
Esta composição foi e voltou diversas vezes e me causou inúmeros dissabores, a ponto de requerer oficialmente o meu desligamento da classe, para voltar a freqüentar uma das turmas mais atrasadas. Contudo, superei as visões pessimistas, ampliando, um pouco a cada vez, o grau de confiança em que obteria texto com qualidade suficiente para interessar os encarnados, especificamente aqueles que sofrem da mesma angústia.
Cabe-me, portanto, fornecer o remédio mais eficaz para debelar o mal da solidão. Para isso, vou precisar referir-me aos projetos de reencarnação que venho recusando, uma vez que não consigo aceitar a perspectiva da dependência a qualquer família que seja, formada por conhecidos ou por desconhecidos.
Hão de querer saber que brigas homéricas com meus antigos parentes me predispuseram ao repúdio da comunidade doméstica. Na verdade, não ocorreu nada muito espetacular, como rejeição dos pais, como traição da esposa, como descaminho da prole, como infelicidade junto aos amigos, como malogro profissional, como desvio dos ideais religiosos incrustados na mente durante a juventude e assim por diante. O que me pesou, deveras, foi a fragilidade intelectual com que me obstaram o entendimento da realidade, como se, em encarnação anterior, tivesse sido perdulário quanto aos dotes do cérebro. Ao me deparar comigo no etéreo, senti que a bem-aventurança da vida não passara de meio-termo medíocre, como se me estivesse enganando o tempo todo.
Lutei para reaver as lembranças das vidas pregressas. Depois de muito resistir, meu conselheiro e protetor anuiu em favorecer o descerramento da memória, à vista da inação melodramática em que eu imergia. Aceita a condição da matrícula nesta turma, fui conduzido às câmaras de compensação energética para o despertar das reminiscências. Foi terrível o golpe da verdade histórica.
Agora o remédio.
O que fixei na mente para o enfrentar dos problemas foi o princípio evolutivo, formando a convicção de que estava bem melhor do que naqueles tempos. Em conversa com os colegas, encontrei alguns que até sorriram quando lhes foi revelado o passado, caçoando de si mesmos, em atitude de desprendimento das culpas, dos arrependimentos e dos remorsos.
Quanto a mim, introjetei a dúvida de que alcançaria compreender tudo muito cedo, o que me fez repelir os planos de nova vida, estendendo para todos os registros vindos de fora a problemática do temor ao fracasso. Mas firmei o princípio da opinião, na esperança de obter recursos próprios para a elaboração dos projetos existenciais relativos aos ganhos das virtudes evangélicas em falta (quase todas).
Este trabalho me surpreendeu em momento de difícil construção psíquica, porque me abalou as bases que tinha estabelecido com muito rigor e me precipitou na voragem das críticas, das considerações, dos julgamentos, dos pareceres, dos conselhos e das contribuições, justamente o ponto de estrangulamento da motivação que me trazia isolado, apesar de conviver em harmonia com os parceiros.
Diz o Professor Dorismundo que devo esperar para breve a minha definitiva inclusão no seio das decisões grupais, porque a confissão se deu em grau de catarse, predispondo-me ao choque dos opostos como próprio da natureza espiritual, na ênfase que se deve dar à aplicação do livre-arbítrio para a deliberação sobre o melhor caminho para a perfeição.
No mínimo, devo reconhecer que passei integralmente o texto aprovado pela congregação dos mentores, com a felicidade de vê-lo bastante próximo das vibrações com que o constituí. Sendo assim, resta-me agradecer a todos, mestres, colegas e médium, porque esta fase da tarefa não se deu anteriormente, senão no instante mesmo em que se conclui.
Jesus, muito obrigado por haver instituído o princípio do socorrismo evangélico sob a influência de seus mensageiros de luz! Se possível, queridíssimo Mestre, através desta mensagem, favoreça também aos leitores a compreensão dos defeitos e dos meios de superá-los, a fim de tornarem proveitosa a viagem carnal.
Adeus, amigos! Fiquem com Deus!
Alexandre.



8. O ALVITRE

Não cheguei aqui muito velho, contudo, assim que aportei, o meu perispírito deu de fenecer e enrugar, como se o tempo passasse célere, resumindo, em uns poucos dias, duas vintenas e tanto.
Não era para estranhar? Pois foi o que sucedeu comigo, que pus a boca no mundo, crente de que estava sob o efeito de alucinação, justamente eu que profligava os abusos dos vícios causadores da degenerescência cerebral, com o conseqüente desequilíbrio de todas as funções vitais, inclusive as comandadas pelos sistemas simpático e parassimpático.
Não caí de borco na escuridão do Umbral, entretanto, afligi-me com a reação orgânica do perispírito, tanto que me ensimesmei, não dando trela nem às conversas nem aos conselhos, já que todos os que se aproximavam desejavam ajudar. Mas eu não via assim, considerando que as entidades não passavam de palpiteiras, sem força de deslindar o enigma que me orientava para a compenetração de que algo fizera de muito ruim, sem que tivesse tido consciência disso.
Levantei todas as hipóteses dentro das teses espíritas de que tinha conhecimento. Era novidade absoluta dentro da literatura a que tivera acesso e que lera com muita atenção, estudando com os colegas de centro espírita, buscando ir além da letra na interpretação dos fenômenos etéreos descritos. Caminhava ao lado do Cristo em seu evangelho de amor e rogava constantemente que o meu trespasse me deixasse lúcido e pronto para o trabalho na colônia que me agasalhasse.
Mas ia definhando e não atinava com as fontes do processo, até que suspendi as preocupações de vez, incorrendo no erro de aguardar o desfecho, crente de que não iria morrer quem passara para este lado de cá. Enquanto isso, refazia os textos, recapitulando especialmente os que retrataram os seres infelizes, nos antros do mais pungente sofrimento. Cheguei às camadas mais profundas do báratro, encontrando a noção dos espíritos-glóbulos e até daqueles que perdiam completamente a vestimenta perispirítica, necessitando permanecer em espécie de envoltório mineral, como germinam os fetos dentro das cascas dos ovos.
Incomodei-me com a perspectiva de vir a exaurir todas as energias mas não arredei pé do desejo de ver até aonde as coisas poderiam ir.
Estava nessa situação quando fui convidado a participar de excursão à Terra, para manifestar-me junto à mesa mediúnica de um dos centros espíritas em que atuara.
Sem dar resposta audível, simplesmente mostrei as esquálidas mãos, quase aduncas, referindo a impossibilidade do trabalho. Todavia, o gesto retrucava contra o desejo de permanecer em declínio, porquanto tinha sido a demonstração de que, se outra fosse a circunstância, atenderia com prazer.
— Você se considera feliz ou infeliz? — foi a pergunta que o instrutor fez.
Na verdade, a postura de desalento não podia deixar dúvida quanto a estar magoado com alguma coisa que se concentrava no ato insólito do murchar do corpo espiritual. Calei a resposta, como a rogar que o outro fizesse alguma observação que me obrigasse a raciocinar.
— Mesmo sabendo que, ao retornar da crosta, irá volver ao estágio atual, aceitará o irmãozinho acompanhar-nos?
De imediato, recuperei o vigor da chegada, visto que era sincero no consentimento a que aludira o amigo.
No centro espírita, os trabalhos evoluíram normalmente, havendo os dirigentes espirituais dado oportunidade a diversas entidades novatas que examinassem as dificuldades dos relacionamentos mediúnicos, supremo instante em que compreendi a postura do encarregado da doutrinação dos espíritos. Assim que pus tento na figura, foi-lhe transformada a imagem, vendo-me a mim mesmo exercendo a sacratíssima tarefa de solicitar respeito para os dispositivos evangélicos doados à humanidade por Jesus.
Devo dizer que, se não tivesse sido o amparo de alguns protetores convocados com o especial dever de me auxiliarem, ali mesmo voltaria a diminuir de tamanho, tal foi a vergonha perante a minha própria consciência.
Vi-me com todos os defeitos do orgulho, da vaidade e do egoísmo, como se tivesse escrito os livros da Codificação Espírita e assinado com o nome de Espírito de Verdade. Rememorei, em breves instantes, todos os conselhos que ministrei, revirando-os pelo avesso, desinteressado pelo contingente das expressões morais mais fidedignas à doutrina, mas sugando completamente o fel do meu caráter, como a representar o papel messiânico do ser com a sublime missão de encaminhar os outros ao reino de Deus.
Em que estado cheguei à colônia não sei definir. De resto, não mais me importei com minguar ou com crescer. Queria receber o afeto de quantos amigos da espiritualidade trabalharam comigo, enquanto prestava, em nome de Jesus e de Kardec, as instruções aos que se apresentavam para a desobsessão ou para o aprendizado mediúnico.
Sou capaz de avaliar o quanto de egoísmo se concentrava em meu espírito, no processo de supervalorização dos esforços de engrandecimento doutrinário, em detrimento da humanização dos atos e palavras. Em suma, dei ênfase excessiva ao desenvolvimento intelectual, afogando o sentimento, considerando-o simples fraqueza de caráter, insensibilizando-me, inclusive, perante pais que perderam filhos, esposas que viram os maridos partirem, criaturas com graves distúrbios orgânicos, como se tudo resultasse da aplicação da lei de causa e efeito, no castigo irreversível aos crimes praticados em outras vidas, em outras épocas.
Chorei muito ao descobrir cada mínima faceta do procedimento em descompasso com as lições de Jesus, lembrando-me das passagens mais dramáticas dos relatos bíblicos, destacando a dor do Mestre ao despachar Judas Iscariotes, para que fizesse o que tinha de fazer. Outro tópico relevante para a compreensão das graves falhas que incidiram sobre o meu espírito era o sofrimento do Nazareno no Jardim das Oliveiras, quando sorveu até às fezes o cálice das amarguras.
Não creiam que esteja reproduzindo as passagens evangélicas com integral emoção. Melhorei bastante mas mantenho certo vezo de postar-me a cavaleiro sobre a psique alheia, como se os semelhantes merecessem de mim a frase de Jesus: Amai-vos uns aos outros como eu vos amei. Eu me dedico mais a estoutra recomendação dele: Ama o teu próximo como amas a ti mesmo.
Mas o ensino está sendo reiterado pelos mestres, tanto que insistiram comigo para que definisse o tema da dissertação dentro dos parâmetros do que tenho de mais importante em vias de resolução.
Alvitre, como leio no dicionário, é lembrança, sugestão, opinião, arbítrio, proposta, parecer; mas também, como se empregava antigamente, notícia, novidade, nova.
Escolham o sentido que melhor se adapte ao seu entendimento do texto e reproduzam, amigos, o inteiro teor dele, parafraseando-o segundo sua própria concepção do amor.
Até mais ver, nos domínios desta colônia!
Saúde, paz e prosperidade espiritual!
Salustiano.



9. O COSTUREIRO

Não me acostumei ainda com a desdita do decesso em época de tanta prosperidade econômica. Estava no apogeu da carreira, desenvolvendo todos os recursos profissionais em prol do engrandecimento do patrimônio de toda a família, quando adveio a desgraça: fui atropelado, simplesmente.
Mas a coisa não atingiria tanta dramaticidade, se não me tivesse dado observar o que foi feito de tudo o que realizei e deixei para os herdeiros. Claro está que não me cabe relatar o desperdício do meu ideal, porque ninguém percebeu os objetivos a que me voltava. Faço especial referência ao fato de haver destinado significativa porção dos frutos do trabalho para as obras de caridade e, depois que parti, ninguém deu continuidade à assistência aos carentes da favela próxima.
Deveria estar muito feliz, porque pratiquei o bem e coloquei no fundo de muitos corações a minha imagem de pessoa magnânima, bondosa e caritativa. Mas não foi o que ocorreu, porque, de imediato, desejei avaliar a necessidade crescente dos infelizes e me deparei com insuspeita ganância de bens, sem o comprometimento do esforço próprio. Chamei-os de mendigos profissionais e me desiludi também deles.
Em lugar de lamentar por eles, resolvi que deveria ter tido melhor conduta quanto ao desprendimento de parte da fortuna, sendo menos ingênuo e caracterizando com eficácia a psicologia das massas em estágio de miséria e aflição. Achei que fora por demais inocente na consideração dos dons de perfeição possíveis para seres tão profundamente mergulhados num caldo de cultura alienante quanto às qualidades espirituais dos benfeitores.
Então, caí no abismo da maledicência aleivosa de quem acusa sem o correspondente resguardo das obras sem egoísmo e sem retorno, em forma de agradecimento, pelo menos, em solitária oração pela alma de quem se preocupara tanto em acertar quanto à prática da caridade. Ao adentrar os lares dos antigos assistidos, ganhava impulso a fúria contra os males da sociedade, de modo a me integrar no contingente que absorvera maiores quantidades de bens, em prejuízo dos que não possuíam meios para suplantar as dificuldades da vida, acrescentando ao tópico do todo material, o aparato da mente, do sentimento e do espírito.
Aborrecido com o desplante dos herdeiros e com o esquecimento dos favorecidos, argüi os protetores que se apresentaram para o convite de ascensão até este patamar maravilhoso da colônia, em que vicejamos para a compreensão da personalidade, querendo deles saber as razões de me terem deixado errar tanto na concepção da prática do bem.
É evidente que não precisaram mais do que uma palavra para me deixarem perplexos: fraternidade.
E não precisaram mesmo, porque foi o que me despertou para a maior dificuldade de meu pensamento integrado ao sentimento, como se fora uma coisa só pensar e sentir, já que não me punha de sobreaviso para a extensão plena dos dizeres do Cristo assinalados nos Evangelhos. Pensava que amava os pobres. No entanto, não desprezava a pobreza, como se existisse apenas para saber o quanto era meu no rol das riquezas do mundo. Se houvesse apenas gente rica no Universo, talvez não desempenhasse com tanta grandiosidade o menor gesto de oferta do que me sobejava e não tivesse desejado usurpar da comunidade qualquer espécie de benquerença, esquecido de que as pessoas existem para mutuamente se ajudarem, na ânsia do aperfeiçoamento moral, intelectual e sentimental que o Pai incrustou nos seres, no momento da criação.
Acompanhei os irmãos, tendo despendido junto aos encarnados apenas quinze dias de meu tempo de errante. Mas exercito-me na corda bamba do entendimento de quais poderiam ter sido as melhores atitudes, porque rico, de qualquer maneira, acabaria sendo, dado que tinha em nível bastante elevado a faculdade de desenhar e costurar, segundo os preceitos da moda mais condizente com as pessoas de posses, a quem jamais desdenhei nem invejei.
Recomendo, pois, aos leitores que atentem para os gestos da doação, lendo com muita atenção as passagens em que o Cristo recomenda que se auxiliem os necessitados, mui particularmente aquela da mão esquerda e da mão direita, que todos conhecem. Eu, que não me compenetrei ainda do valor da vocação para a benemerência, estou me sentindo bastante feliz só com o fato de saber que não precisei vagar pelo etéreo em desconsolo, conforme os relatos anteriores dos colegas, conquanto não me veja em situação privilegiada em relação a eles, porque todos fomos igualados, ou pelos sofrimentos, ou pelas virtudes.
Quero referir-me, agora, ao fato de ter sido uma espécie de lacaio ou servidor de gente financeiramente importante, porquanto muitos podem estar pondo críticas numa profissão que legitima as injustiças sociais, como tantas outras que só existem em função do poderio econômico superior de certas camadas da população. Era como se partilhasse do sugar da vida dos desprotegidos, naquele raciocínio socialista quanto ao grau de exploração que a minoria exerce sobre a maioria. Justificava-me através da racionalização, ou seja, estabelecia comigo mesmo que tudo o que ganhava provinha de muito trabalho, em clima de rígida perseverança.
Cheguei, sem muita demora, a concluir que os meus atos de benemerência decorriam das acusações sutis da consciência, porque sabia que não lutava pelos mais fracos. Ao contrário, incensava os mais fortes, fazendo-o sem freios de nenhum gênero. Nesse ritmo de pensamentos, não foi difícil de compreender o quanto fora desonesto comigo mesmo, porque falseei as conclusões, deixando as premissas intocadas.
Esse foi o momento mais perigoso para o meu equilíbrio ou estabilidade precária, em termos de prosseguir na análise da psique. Entrou aqui a clarividência dos protetores e mestres da Escolinha, para a garantia de que Deus é pai de misericórdia e abre dez portas, quando uma única se fecha.
Enfim, chegado o momento da escrituração dos débitos e dos haveres, no que resultou a presente dissertação, precisei de muita coragem para correr os riscos da postura eqüidistante do mal e do bem, naquela corda bamba a que acima me referi, porque não desejo, de forma alguma, incitar os espíritos dos leitores a lerem na minha comunicação o exemplo magnífico de sua própria desídia. Faço-o com o coração na mão, rogando ao Senhor que ilumine os irmãozinhos, como estou sendo eu mesmo abençoado com as graças do entendimento, pelo menos, no aspecto das exteriorizações metafóricas do enredo de minha consciência.
Agradeço aos professores o incentivo, ao médium, a paciência e aos amigos, a gentileza de sua simpatia.
Deus nos ampare a todos!
Gracindo.



10. O DOMÍNIO DO HORIZONTE

Pode parecer, à primeira vista, que fui aviador, comandante ou co-piloto, voando pelos céus do mundo, na ânsia de conquistar os espaços e as distâncias. Ao contrário, afastei-me da crosta, enfiando-me terra adentro, mineiro de carvão, junto à rocha, na primeira linha do confronto.
Sendo assim, quando voltava à face da Terra, não trazia nenhum élan para o desbravamento geográfico da região, muito menos para o descortinar dos horizontes. Queria descansar da luta diária, infestados os pulmões pela luta desigual contra os minérios, que sabiam buscar a intimidade dos organismos para o repúdio das intenções de ferir as entranhas da terra.
Não vim para o realizar poético da sórdida profissão, que me entenebrecia por fora e por dentro, pois a alma se deteriorava com a putrefação dos ideais, sempre me amesquinhando nos labirintos, como a sugar os restolhos do oxigênio que se repartia entre os cavouqueiros.
Em suma, para não cansar os leitores, devo referir-me ao fato de que a criação dos filhos estabelecia como norma geral da comunidade que deveriam ir aprendendo a mesma tarefa, para, desde cedo, contribuírem com os salários para a manutenção da família, cada qual tendo a intuição da proximidade da morte, quer pela constância da ameaça dos desabamentos e inundações, quer pelos históricos das doenças que incapacitavam ou matavam os mais fracos, quer, ainda, pelos vícios que asseguravam o artifício mais eficaz para a perseverança.
Eram vidas sem perspectivas, no cumprimento imediato das regalias biológicas, ficando a cultura resumida às pregações domingueiras, obrigação que atendia aos reclamos das mulheres, objetos sempre, jamais sujeitos dos próprios destinos, embora muitas se destacassem e se imiscuíssem nas reivindicações dos maridos, desde que não lograssem emprego junto aos escritórios da companhia, onde o reforço orçamentário era o elemento de coação para as iniciativas do operariado sindicalizado.
Cá chegando, após amargurar alguns anos de secura em cadeira de rodas, tossindo e escarrando o negrume do sofrimento dos resgates dentro das esferas conscienciais, porque me acusavam os perseguidores por não haver reagido contra as imposições patronais, tornei-me o contrapeso irritante de quantos empregadores buscava para o resguardo sempre imaginado, porque tinha a convicção de que eram eles os que me forneceriam o passaporte para a bem-aventurança.
Foram precisas várias décadas para que compreendesse que a minha visão da existência se fechara nas cavidades mal iluminadas dos subterrâneos cavados pela ganância dos homens. Desculpava-me, no começo, pensando em que a sociedade utilizava o produto de nosso trabalho para movimentar a economia e dar forças à civilização. Mas, quando descobri que esse era o discurso dos exploradores, afundei de vez na comiseração de mim mesmo, pela vida que perdera sem poder observar as riquezas externas do solo e as maravilhas da natureza.
Suspendi as correrias pelo Umbral e fiz o sagrado voto de volver à crosta, ainda que na forma espiritual, para percorrer os continentes, recuperando as oportunidades de conhecer e de saber. Entretanto, o máximo que consegui foi adentrar outras cavernas, sem definir direito em que círculo existencial estava, que a escuridão mal se atenuava com alguns reflexos de lampiões que perpassavam carregados por seres que sempre me ignoravam, por mais lhes solicitasse consideração.
Certa noite, cheguei a cidadezinha desconhecida no interior do país, mal iluminada por postes a querosene, onde me deparei com estranhos veículos que se deslocavam sem o auxílio dos animais. Foi quando solicitei, veementemente, que alguém me desse amparo, prometendo, com muita fé, que iria obedecer cegamente as normas ou regras que me fossem estabelecidas para o conforto de saber como poderia ouvir o coração batendo com serenidade, no ritmo da paz da meninice, dentro do círculo protetor de meus pais e familiares.
Fiquei naquele estado de êxtase íntimo, preso às circunstâncias criadas pelas ponderações a respeito dos valores infantis, até que o dia amanheceu, luminoso, convidando-me a passeio pelos arredores da povoação. Desloquei-me com sacrifício até o ponto mais elevado, de onde pude avistar o horizonte delimitado pela formação montanhosa, de um lado, e pela linha arredondada do oceano, do outro. Queria visitar os continentes; fiquei deslumbrado apenas com o espetáculo mais comum de quantos procuram na obra a inteligência suprema do Criador.
Precisarei dizer que voltei ao plano terreno na qualidade de trabalhador nos campos petrolíferos, lambuzado de óleo, contaminado pelas informações da grandiosidade da civilização motorizada, afeito aos ideais do capitalismo materialista que prometia bem-estar e conforto para toda a população? Criei os meus filhos na expectativa de arrecadarem dinheiro para possuírem autonomia financeira, mas prendi-os à máquina inflexível do poder dos magnates, dando-lhes o único anteparo espiritual através dos textos bíblicos recitados pelos pastores.
Dessa vez, o regresso ao plano semimaterial foi menos traumático, mas tive de curtir umas poucas décadas em casas de repouso, onde os valores do Cristo me eram freqüentemente repetidos, como os que sedimentavam aquelas civilizações, através da promessa de retorno à vida com maior domínio sobre a vontade própria, de forma que iria ser arregimentado para a constituição de sociedade mais igualitária e mais digna.
Solicitei que me permitissem sair daquele cercado energético, para, finalmente, percorrer os continentes. Fui conduzido em excursão pelas regiões que habitara na derradeira vida e pude constatar que, realmente, as pessoas tinham poder sobre muitos recursos estranhos, como o vôo controlado em veículos de grande peso, o intercâmbio pelas vias de comunicação e tantos aparelhos domésticos para processamento, para aquecimento e para refrigeração.
Desejei conhecer o presente de meus filhos e netos e o paradeiro de meus pais, avós e da esposa. Era como se me levantasse do túmulo apenas naquele instante, dando prioridade aos sentimentos puramente espirituais, sem o comprometimento das relações de caráter econômico ou biológico. Era o florir do primeiro amor.
Nesse estágio é que me apareceu o mestre que me acompanha até hoje, amigo fidelíssimo, mentor e protetor, pronto sempre a me encaminhar para as descobertas psíquicas e para as revelações espíritas e evangélicas. É o orientador da presente descrição existencial, para a ênfase que devo dar aos aspectos evolutivos dessas duas encarnações, na tentativa de favorecer o meu enredamento na constituição de novo plano de vida, para o aprendizado de como devo relacionar-me com os semelhantes, com o fito de promover o progresso verdadeiro das criaturas do Senhor.
Esclareço que todos os meus familiares estão comigo, exceção para alguns que se preparam para receber-nos no seio de suas famílias terrenas, porque nós nos consideramos muito ignorantes, por certo por estarmos alcançando as informações doutrinais do Espiritismo tão recentemente.
Não sei se fiz bem em expor apenas os fatos mais abrangentes, evitando expor os vícios e crimes menores. Espero que os leitores compreendam, através da leitura dos demais textos da obra, que ninguém está dispensado de agir em favor do equilíbrio que se fundamenta na virtude e no trabalho. Também não se deve julgar que não tivesse havido lágrimas e imprecações, o que se constituiria em tremendo avanço nas sendas do Senhor ou em absoluta insensibilidade dentro das furnas das Trevas.
Que se abram os horizontes de todos os amigos encarnados é a prece que elevo a Jesus, rogando-lhe as bênçãos de seu ingente amor.
Turíbio.



11. A CAMBALHOTA

Não estive tanto tempo a esperar esta oportunidade para perdê-la por transmitir texto de caráter inferior. Contudo, não vou dar nenhuma cambalhota pela felicidade desta mensagem, tantos são os empecilhos de caráter intelectual e afetivo que a cercam.
Pretendi entreter os leitores (vai no plural porque, dentro do grupo que me sustém, a leitura se faz em conjunto), mas disseram-me que excitar-lhes simplesmente a curiosidade não seria conveniente, porque a qualidade de seus dotes justifica desenvolvimentos doutrinários mais sutis e inteligentes.
Aí bateu o imbróglio, porque encasquetei a idéia de que iria falir, tremi na base — como popularmente se diz — e desafinei a melodia da tal da oportunidade. Derivei para a leveza dos dizeres bem humorados, impregnando o rascunhão de passagens em que o brincar se ligava ferrenho aos conceitos que extraí das aulas e recomendações dos mestres. Foi um desastre.
Em suma, para fugir ao ramerrão e dar aos leitores a oportunidade, resolvi, sob aprovação superior, descrever os entraves mais elementares que obstam aos comunicadores do etéreo a melhor forma de se postarem perante os encarnados. Mas não podia realizar composição técnica, tantas são as obras categorizadas de consulta obrigatória pelos irmãos espíritas, como me assopram os instrutores e, neste mesmo instante, me insinua o médium.
— Não é verdade que o desejo de vir trabalhar junto a esta mesa por si só não vale?
É preciso preparar-se para o evento, multiplicando os esforços, em várias áreas do saber, para a produção de mensagem ao menos plausível, em que alguns pontos sejam, se não novos, pelo menos encarados de maneira original. Há que se ater o espírito às nuanças de significado das palavras que se vão registrando, de modo a não interceptar o auxílio imediato do escrevente, quando justificado pelo teor do assunto, ou para impedir que se escrevam palavras com sugestões de pensamentos que não estiveram presentes na primitiva redação.
— Quer dizer que o trabalho preparado pode perder-se?
Sim, mas não por desídia do encarnado, senão pela imprevidência do emissor. Por isso é que se trabalha em equipe, cada qual providenciando um aspecto das restrições e cuidados que se devem ter, porque o domínio da vontade do médium não se faz de modo perfeito, embora se possam estimular-lhe os centros nervosos, para aceitação dos impulsos eletromagnéticos que lhe impomos ao cérebro, através das ondas que se transmitem através de um fio condutor (valha-me a analogia) que se aloja na epífise.
— Não haverá o encarnado de suspeitar de que as idéias que vai passando para o papel (ou vai digitando, como no caso, para o computador) sejam dele mesmo, tão facilmente se compõem dentro dos padrões de seu linguajar mais habitual, inclusive por afastar-se de suas criações melhor elaboradas, que dão mais trabalho na harmonização das intuições com o desbloqueio dos preconceitos, porque tudo quanto é diferente deve buscar o vanguardismo das formulações literárias?
Sem dúvida, entretanto, não se deve ficar preocupado, tendo em vista que o fato é universal, inscrevendo-se entre as dificuldades até dos médiuns mecânicos cujo acervo de cultura não se coadune com a riqueza léxica, semântica e sintática do irmão do etéreo.
Nesta altura da mensagem, devem estar estranhando os leitores que o leque temático esteja abrindo-se, surpreendentemente para quem fez menção de referir-se apenas de forma medíocre a alguns fatos pertinentes à sua vida, em conseqüência da assertiva categórica de fraqueza mental. É que coube a mim a tarefa de ilustrar a informação de que temos, na Escolinha, biblioteca muito bem aparelhada de dicionários, o que nos faculta a escrita de textos corrigidos e ampliados.
Para efeito de estupefação, devo referir ao fato de que aprendemos a lidar com aparelhos computadorizados (de novo a analogia a nos ajudar), de forma que, após redigir precariamente o rascunho, vamos perseguindo as acepções das palavras, substituindo as menos expressivas por outras mais convenientes, segundo o contexto em que se inserirá a mensagem, de maneira que se aperfeiçoam as expressões e se sutilizam, se aprimoram, se apuram as frases, os períodos e os parágrafos, restando o conjunto para ser objeto das observações dos instrutores e dos colegas.
Seria ilógico aguardar comunicação de qualidade inferior, quando se leram as instruções em que se consignaram as diretrizes da obra, o que significa dizer que todos os expedientes deverão conter os mesmos princípios de elaboração.
Um de meus colegas, comentando o título, disse que a cambalhota aludida impressionaria a mente dos encarnados de maneira ainda mais incisiva, como se o salto mortal se desse sem rede, depois que o atleta se soltou de um trapézio para apanhar o outro que vem em sua direção.
Afirmei que não daria nenhuma cambalhota de felicidade. Mas também afiancei que o texto não poderia ser vulgar. Por isso, aceitei a facécia do amigo, tanto que a consignei, para a exemplificação de como se podem relacionar os da classe, mantendo atmosfera de alegria, de bom humor, de satisfação pelo logro dos melhores resultados, em harmonia com os objetivos comuns a todos, ainda mais quando, sintonizado o médium, se põe à disposição com boa vontade, com desprendimento, em paz com as mensagens que se compõem à sua frente, esperançoso do aplauso dos companheiros, feliz, em suma, por bem se haver na concretização do ideal doutrinário.
Resta volver ao início da dissertação para perguntar se, de fato, não foi somente espicaçada a curiosidade, sem a contrapartida das informações de caráter pragmático, para futura aplicação, seja para os palestrantes, seja para os doutrinadores, quer para o tempo de vida, quer para adiantamento quando vierem para a pátria espiritual. Muito me agradaria obter conversas íntimas com os encarnados, se se dispuserem à reflexão sobre a mensagem, não tanto no que respeita à forma, que, bem sei, é arrevesada e pretensiosa, indigesta para muitos que requerem dos autores da espiritualidade que sejam mais simples e diretos, mas, principalmente, no que toca ao fundo, aos conceitos, aos preceitos, às sugestões que deliberei não desenvolver, às teses em conflito com o seu repertório doutrinário, aos sentimentos de que se impregnaram os pensamentos, nesta vivaz composição que se orienta pela falível personalidade deste que lhes escreve.
Orem por seus preceptores, amigos, guardiães e guias, para alcançarem explicações intuitivas de nível superior.
Recebamos o abraço de Jesus, neste dia de intensa felicidade!
Obrigado.
Roberto.



12. O ARREPENDIMENTO

Nem bem tinha chegado da crosta e já fui sendo requisitada para o auxílio aos infelizes do Umbral.
— Você, na qualidade de trabalhadora da seara espírita, está preparada, mais do que ninguém, para oferecer os seus préstimos ao lavor do socorrismo evangélico.
Era o meu anjo da guarda, aquele mesmo a quem chamava carinhosamente de padrinho e a quem rogava constantemente por ajuda, durante as reuniões de desobsessão.
— Pensei que tivesse desempenhado a contento as funções da benemerência no centro espírita e que me fosse destinado um lugarzinho mais aconchegante no etéreo, junto dos familiares, a quem insisti muito que viessem aguardar por mim nesta oportunidade.
— O trabalho, como Você leu muitíssimas vezes nas obras de Kardec e de outros preclaros escritores da doutrina, não termina jamais. Não me diga que as palavras que repetia para as pessoas que a procuravam não brotavam de profunda convicção!...
— O Senhor, mais do que ninguém, me conhece e sabe se fui sincera ou não em aludir à necessidade incessante de agir em auxílio dos carentes. É que eu julgava que os trabalhadores da obra dos espíritos na Terra merecessem ser apaniguados por especial consideração, tanto cumpriram obrigações e deveres, muitas vezes com extremos sacrifícios.
Devo esclarecer que as palavras do diálogo acima não foram exatamente as que transcrevi. É que preciso dar a impressão de inteiro teor dos sentimentos e não posso fazê-lo pelo jeito que ocorreu, porque foi mais com impulsos emotivos do que através de raciocínios organizados verbalmente. Ainda mais porque o meu amigo antecipava os meus pensamentos e me passava as informações diretamente ao cérebro perispirítico, sem possibilidade de lhe pegar por alguma palavra mal aplicada, como no entendimento que muita vez se dá maliciosamente para a gente fazer-se de desentendida.
— O que Você pretende realizar no etéreo?
— Eu queria ver como é que fui no cumprimento das normas evangélicas, para reconhecer o quanto evoluí desde a última passagem por estas regiões.
— Significa que está interessada em si mesma e não em dar continuidade aos serviços que vinha prestando ao próximo?
— Não é verdade que...
Naquele instante compreendi que estava discutindo com o meu protetor, o meu guardião, o espírito de luz que me guiava e que me punha ao corrente das normas cristãs.
Eis o arrependimento.
Em lágrimas, expus as considerações que me perpassaram rapidamente pela mente:
— Perdão, querido amigo! Agradeço-lhe a lição que me faltava. Estou às suas ordens.
— Você está pensando que agora lhe vou atender o desejo de descanso, já que a minha intenção lhe pareceu ter sido a mera aplicação de mais um ensinamento?
Suspendeu a peroração a ver qual seria a resposta. No entanto, permaneci muda, sem saber se o que me dissera era simples provocação ou se a perquirição visava à revelação de íntimas convicções que poderiam estar sendo mascaradas.
Após alguns instantes de tensão, prosseguiu:
— Vamos em busca do Jacó, o último irmão que foi atendido pelo seu grupo, antes de Você adoecer. Está lembrada do caso dele?
Estava completamente esquecida de qualquer indivíduo com tal nome apresentando-se na sessão. De relance, o nome Ezaú se desenhou no fundo da consciência, bem como certa anedota que o meu marido me havia contado. Mas a recordação precisa daquele a quem o protetor fazia referência não me passou nem de raspão pela memória. Foi quando exorbitei:
— Você sabe muito bem o que sucede comigo. Sabe que passei por tremendo transe, tendo falecido há pouquíssimo tempo. Não terei direito a um período de perturbação?
— Caraterize “período de perturbação”, por favor.
— Segundo todos os livros que li, as pessoas, ao morrerem, recordam-se de todos os fatos de suas vidas, dos mais próximos aos mais antigos, permanecendo em estado de alienação durante alguns meses, anos ou séculos, conforme o seu merecimento, pelo uso ou abuso de seu livre-arbítrio.
— Todos os livros?
— Todos!
— E o que Você me diz da passagem dos Evangelhos, quando Jesus afirma ao ladrão que se arrependera que, naquele mesmo dia, estariam juntos no reino do Senhor?
— Jesus poderia realizar o que bem entendesse, cometendo, embora, para o povo em geral, uma injustiça, porquanto via através da grossa casca da personalidade do infeliz que estava crucificado ao seu lado, tanto que, ao outro ladrão, nada ofereceu de especial.
— Ainda bem que Você não respondeu, de acordo com a tese de um autor moderno, que Jesus foi crucificado sozinho.
— Isso teria sido possível?
— Não tente caminhar por outra estrada, caríssima. Jacó, vou refrescar-lhe a memória, foi aquele sujeito que reclamou muito por ter sido enviado para cá muito jovem, com apenas cinqüenta e cinco anos, tendo sido atropelado.
Aí, recordei-me do caso, mas não me veio à mente nada do que dissera ao pobre. Calei-me de novo.
Dorismundo, como devem ter adivinhado, propôs-me um último dilema:
— Quem é mais feliz: aquele que se perturba e não percebe onde está, ou aquele que, ao chegar ao etéreo, é recebido com trabalho?
— Existem outras possibilidades de retorno, pois não?
— Responda ao que lhe perguntei, por favor.
— Posso fazer uma pergunta antes?
— Quantas queira, mas não se estenda muito, porque o grupo que irá ajudar o nosso irmãozinho Jacó está esperando por sua decisão.
Nem atinei com a referência ao grupo. Fui logo querendo saber:
— Se eu me rebelar e não lhe der a resposta solicitada, o que irá acontecer comigo?
— Seguirá com um de meus auxiliares para a colônia, para internação na ala dos insubmissos, local aprazível, onde são rememoradas todas as lições doutrinárias que os trabalhadores espíritas não assimilaram. Colocando nos seus termos, é onde ficam internados os irmãos perturbados pertencentes às hostes dos seareiros não totalmente convictos do trabalho sob sua responsabilidade, mal acostumados dentro do sistema de castigos e de recompensas, como se fossem analisados tão-só os serviços prestados e não os dons de virtudes do coração.
— Mais uma pergunta. Você acha que, pelo que fiz e que pelo que compreendi das lições de Kardec e de Jesus, devo responder numa boa ou devo aceitar partir para os deleites do tal “local aprazível”?
— A sua resposta à minha questão definirá o grau de aproveitamento que a irmãzinha extraiu da caminhada em que mereceu a assistência de muitos irmãos do etéreo.
— De quanto tempo disponho?
— De mais nenhum, pois deduzo que a sua resposta seja pela hipótese de que é mais feliz quem se perturba.
Dorismundo desapareceu e, em seu lugar, ficou o irmão Roberto, o mesmo da mensagem anterior, valioso auxiliar, que me conduziu para o hospital onde passei cerca de dois anos em tratamento soft (conforme a gíria dos últimos tempos de encarnada).
Foi Roberto quem me instigou, assim que me apresentou aos médicos e enfermeiros que me atenderiam:
— Por que Você não quis saber quem eram os componentes do grupo que estava saindo para amenizar o sofrimento de Jacó?
— Não dei importância. Deveriam ser aqueles mesmos espíritos que compareciam no centro para as tarefas de doutrinação dos infelizes.
— Com certeza eram. Mas quem eram?
— Vou lá saber!...
— Eram justamente aqueles cuja presença Você tanto solicitou: seus parentes, amigos e antigos companheiros de antes da encarnação. Estavam todos reunidos para a festiva recepção que Você teria merecido, se outro tivesse sido o seu desempenho...
Recebamos todos as bênçãos do perdão do Senhor!
Graças a Deus!
Ivete.



13. MINHA MENSAGEM DE AMOR

Floreei o mais que pude a mensagem, objetivando torná-la o mais próxima possível de uma página de paz, em harmonia com as sublimes palavras do Cristo, quando nos dá a esperança da perfeição. Contudo, o máximo que alcancei foi borrar alguns trechos, principalmente porque tinha por obrigação revelar-me por inteiro, na nudez de minha psique, de meu caráter, de minha personalidade.
Verdadeiramente, existe enorme dificuldade para os mensageiros de exprimirem-se com soberano conhecimento da realidade dos espíritos de luz, quando eles mesmos não são. Sempre se deixa o rabinho de fora do esconderijo, a demonstrar o quanto somos ardilosos na pretensão de realizar obra acima da capacidade.
— Quer dizer que todos os textos produzidos pelos alunos da Escolinha de Evangelização refletem esse princípio de extrema honestidade, dado que a ninguém se permite extrapolar os limites de seu adiantamento, nem quando existe superior esmero lingüístico, em virtude da facilidade adquirida por anos de prática no exercício de profissões como jornalismo, advocacia, literatura etc.? Quer dizer que, se encontrarmos comunicações de superior quilate, altamente estimulantes e profundamente ricas em conceitos, além de estarem redigidas com primor, segundo os parâmetros da arte de escrever, pelos princípios da retórica fundamentada nas teses espíritas mais puras, eivadas de modéstia, de espírito público, de virtudes, enfim, temos de, imediatamente, considerá-las fruto de pessoas de muita importância dentro da hierarquia da colônia?
Claro que sim, especialmente quando integradas pela doutrina que se encontra nas obras ímpares da codificação de Kardec. Para tanto, é óbvio, os leitores devem possuir conhecimentos e sensibilidade, porque não se pode escrever com extraordinária categoria sem ter, ao menos, noção de que público irá estender a mão para apanhar a obra na estante.
— É justo suspeitar, então, que os escritores e poetas mais gabaritados ou de maior nomeada terão de reformular as suas normas habituais, para o enfoque mais preciso junto aos encarnados do momento? Se é como acima se sugere, quem não lê as obras produzidas durante a encarnação também não haverá de interessar-se pelas produções de além-túmulo.
Por isso é que muitos disfarçam e se apresentam sob pseudônimos ou nomes de outras vidas, porque a qualidade se distancia dos trabalhos anteriores, não pela perda das faculdades ou pelo esquecimento dos recursos, mas pela necessidade de se adaptarem ao espírito do povo os temas do etéreo, sempre extraídos dos códices das leis universais e desenvolvidos nos Evangelhos. Note-se que até mesmo em função das palavras de Jesus, há reservas que fluem das explicações dos mentores, pela suspeita de que houve interferências dos evangelistas.
— Quando houver necessidade de comprovação de que os espíritos não só não perdem o que conseguiram com esforço e dedicação, mas também acrescentam mais valor e mais poder ao intelecto e às emoções, terão liberdade de ofertar outras obras-primas aos encarnados?
Sem dúvida, o que, aliás, ocorreu muitíssimas vezes, como se pode observar nas excelentes mensagens do acervo do médium Francisco Cândido Xavier. Mas é preciso tomar cuidado com outro óbice ponderável para o decréscimo da qualidade das mensagens psicografadas, qual seja, o menor poder de recepção de muitos companheiros médiuns, quer porque, semiconscientes, não possuem cultura que reflita as dos comunicadores, quer porque, mecânicos, não se doam completamente ao aperfeiçoamento moral, impedindo que os espíritos mais evoluídos se aproximem para manifestações de muito amor.
— Como é que podem os médiuns oferecer seus préstimos para mensagens de maior envergadura moral, se tantos são os empecilhos? Não estarão meio perdidos, tendo em vista, inclusive, que, se o próprio Chico Xavier, com toda a sua sensibilidade mediúnica, iniciasse agora a sua missão, não iria reproduzir os textos dos primeiros trinta anos de apostolado?
A rigor, a assertiva é perigosa e extravagante, já que remete os leitores para simples hipóteses e não para a observação da realidade tal qual se apresenta aos olhos dos estudiosos dos contatos entre as esferas. Mas não há negar que está declinando rapidamente o predomínio da linguagem escrita, enquanto produção artística, pelo volume ascendente dos outros meios de comunicação, como os relativos à televisão e à cinematografia, sem que nos dediquemos a fundo na apreciação dos eventos materiais.
Caberia analisar o pragmatismo das comunicações que elegem o público consumidor através do poder de compra e não da receita da cultura, de forma que a linguagem coloquial se sobrepôs definitivamente, restando para a norma culta viver imersa nas teses acadêmicas e nas obras de cunho reservado, onde exercem a função de verdadeiros códigos secretos, para que o povo sem escolaridade não possa decifrar os reais objetivos, por exemplo, das leis e dos discursos.
De volta ao princípio, parece-me ter deixado muitíssimo clara a razão por que não pude escrever a minha mensagem pela forma mais amena, mais emocional, mais afetuosa, impedida pela tendência de esquadrinhamento das causas para a compreensão dos efeitos. Se viesse a burilar o estilo, exprimindo, poeticamente, os meus sentimentos de piedade religiosa, de vocação romântica, de conquista dos pendores para a caridade, para a fé e para a esperança, ou a alegria do companheirismo dentro da colônia e a felicidade por ter sido chamada em confiança para a comunicação e por haver realizado algo de acordo com as padrões do Grupo dos Apelos Emocionais, utilizando, para o efeito da sensibilização sentimental dos leitores, termos como luminosidade transcendente, esfera de moralidade superior, sublimação das dores inesgotáveis, serena ponderação dos luminares do educandário e outras que tais, que nem mesmo sei traduzir para transcrição, iria descair no apreço dos bons amigos que tanta atenção vêm prestando às exposições.
Que se aceite, portanto, esta página como o meu mais sadio e amoroso empreendimento na área dos serviços que se podem obter de quem estuda a doutrina espírita sob o manto protetor do mais rigoroso processo da descoberta da verdade. Se não fui integralmente sincera, segundo os critérios dos mais adiantados, porque poderia, talvez, ter-me esmerado mais, acolham-me em seus corações como irmãzinha que está muito aquém dos preclaros mensageiros que vêm dotando os encarnados de obras de muito mérito.
Não quis ceder aos apelos dos que desejam livros com as concessões de praxe aos menos dotados, mas também não me mantive no pedestal dos insignes, cujas manifestações sempre ganham um cantinho nas bibliotecas dos eruditos e dos doutos. Resta-me aguardar as palavras dos amigos que vierem a tomar contato com o texto definitivo, para reconhecer o quanto errei no julgar-me a mim mesma, conforme o velho conceito dos humanos de que o autor é o pior crítico da própria obra.
Modestamente, vou recolher-me ao seio do grupo, orando muito para que não tenha sido mal interpretada, nesta minha mensagem de amor.
Fiquem com Deus!
Eleonora.



14. O DICIONÁRIO

Não me perca pelas palavras, Jesus, vos peço, tantas são as que resguardo na memória, cujos significados sei aplicar com rigor milimétrico, formando os textos mais genuínos, de acordo com o prisma da vontade, da inteligência, do sentimento e da cultura do usuário do idioma!
Professor de Língua Pátria, regi diversos cursos, em diferentes educandários de São Paulo, para gáudio de minha personalidade fortemente embaída da superioridade que me mantinha distante do tônus vibratório dos discípulos e, mesmo, dos colegas. Esse foi um dos mínimos tropeços para meu regresso em paz ao etéreo, cheio de verborragia para assestar nas profundezas do cérebro dos que, muito melhores do que eu, não tinham os mesmos recursos lingüísticos.
Deu-se, nessa ocasião, conflito de envergadura entre nós, porque, se dominava eu, fluente e eficazmente, o vernáculo, não tinha idéia de como traduzir os termos especiais e técnicos do Espiritismo. Noções muito gerais possuía, sem dúvida, mas rejeitara a leitura com o fito de apreensão da realidade descrita nas obras referentes ao além-túmulo. Não acreditava na possibilidade do intercâmbio entre as esferas, de sorte que me iludia com o domínio meramente lexical do vocabulário.
Entretanto, descer para patamares inferiores não admiti, tendo sido suficientemente sagaz para perceber que, se os meus interlocutores não resgatavam da memória as figuras mais expressivas para o colorir dos pensamentos, também não ficavam sem perceber o sentido de tudo quanto lhes dizia. Com a desculpa da necessidade de aprender a gíria ou o jargão que utilizavam, assenti em segui-los, atitude que louvo até hoje, tantas foram as oportunidades de progresso que me propiciaram na Escolinha de Evangelização.
Quem está afeito aos textos espíritas, tanto os mediúnicos quanto os produzidos pelos irmãos encarnados, não terá estranhado que assimilei os dizeres com que componho a mensagem, porquanto, desde há algum tempo, entranhei, no rol dos meus vocábulos, todos quanto precisei compreender através de exaustiva pesquisa, não só por compulsar os glossários do etéreo, como por me haver dedicado à leitura das obras espíritas.
Saibam os amigos que os títulos da biblioteca da Escolinha roçam pelos dez mil, incluindo todos os que estão à disposição dos encarnados, fato que me forçou a muitíssimas horas de vigília, uma vez que não somos dispensados das aulas para atividades particulares.
O que desejava acrescer como informação é que a biblioteca está dotada de enciclopédia com todas as ocorrências das palavras dos textos catalogados, de forma a ampliar-se o universo das acepções até o limite extremo do acervo. Para fixação dos significados, segundo o emprego no contexto de cada mensagem, há um grupo de filólogos que se valem do conhecimento de quantos espíritos eruditos se acham na colônia.
— Contra-senso! Pura fantasia do médium, que se esqueceu de que os espíritos superiores que se comunicaram com Allan Kardec, insistentemente, repetiram que deveriam os humanos entender-se, empregando cada palavra com apenas um significado, para não darem margem às confusões naturais de quem diz algo que o outro não irá traduzir com proficiência.
Não terá sido essa a lembrança dos leitores versados nas obras da codificação?
Pois bem, quando utilizamos o canal de comunicação que chamaria de espiritês, ou seja, quando conversamos entre nós e emitimos tão-só vibrações para descrever, narrar e dissertar, não há possibilidade de engano de entendimento, a menos que o ser a quem nos dirigimos não possua, no repositório mental, a idéia correspondente ao enunciado, porque não passou pela experiência correspondente. Se tiver, porém, conhecimento por ouvir dizer, poderá conceber o simulacro do pensamento que lhe é enviado, arquivando-o para futura constatação empírica.
— Para que irão servir os verbetes tão completos do dicionário enciclopédico acima referido?
Simplesmente, para dar às composições elaboradas em idiomas terrenos a melhor notícia do avanço evolutivo do mensageiro. Não foi Kardec quem porfiou para que os encarnados não aceitassem comunicações espíritas que não demonstrassem, através da linguagem e dos pensamentos, excelência e austeridade?
Se não tiver sido feliz na exposição, queiram perdoar-me a ousadia, pois permaneço em faixa de sofrimento, incapaz de burlar o sentido da vigilância de mestre-escola habituado à profligação dos erros, ou melhor, defeitos, com que me deparo nas manifestações que não primam por se organizarem pelo diapasão da gramática normativa. Encontro-me atrasado na admissão das tendências novíssimas quanto aos sistemas morfossintáticos, ainda que consinta nos apanhados individuais de caráter literário, deixando passar os neologismos (ver espiritês) que não se apóiem na versão pura e simples dos estrangeirismos ou peregrinismos, caso em que é preferível usar o termo alienígena, exótico, até que os usuários ou inventem expressão mais condizente com o espírito do vernáculo, ou se esqueçam da palavra, por desaparecer o objeto que descrevia.
Um amigo, lente do ensino superior na área da Lingüística, caçoou de mim, ao ler-me o rascunho, deixando-me um pouco sem graça, conquanto tenha razão. Eis o que disse:
— Caro Alex, se os teus (sic) cuidados se prenderem à colocação pronominal e ao desvio das regras de concordância e regência, como irá Você se colocar (sic) diante dos pupilos, para reger as tuas (sic) aulas de concordância entre os ensinos de Jesus e os de Kardec? Você não acha um exagero ficar acrescentando tanto sic? Por que não sublinha tudo de uma vez?
Ele não falou, mas transferi as observações para as coisas (coisas, mesmo) mais importantes para os humanos e para os espíritos, e fiquei a interrogar-me quanto aos meios de tornar as sociedades mais justas, os homens, mais honestos e menos agressivos, os obsessores, mais compenetrados de que Deus é pai de misericórdia, interessado apenas em que as criaturas se aperfeiçoem, para recebê-las em seu reino de Amor.
Carlos Alexandre.



15. AS FIGURAS

Citado pelo Alex, venho eu, o lingüista, para expor o resultado de minhas lucubrações no campo da composição redacional. Mas o peixe há de morrer pela boca, porque fui brincar com o irmão e ele, sem mais aquela, deu de fazer a reprodução da facécia, obrigando-me, agora, a desenvolver gramaticalmente o texto de modo menos formal, conquanto tenha de elaborar sobre tema de ponderável seriedade.
Então, adotei o sistema de ir plugando e desplugando o meu vernáculo nos circuitos de alimentação ora da norma culta, ora do coloquial, o que redundará, ipso facto, na necessidade de ceder às construções erigidas sobre as comparações, sistema de formação das imagens literárias como ainda das criações populares, pelas analogias que se estabelecem entre o plano da tangibilidade do real e o da imaterialidade da fantasia.
Para tornar mais fácil de entender, vou dizer que a abóbora também serve para fazer doce.
Quando docente na Universidade, instituí para mim mesmo que o dever de aprender era dos alunos, desempenhando eu o papel de lente, ou seja, de leitor, dado o étimo legente (o que lê). Por isso, fornecia-lhes a bibliografia, explorando ao máximo o valor histórico dos expoentes da ciência, para dar aos futuros profissionais a concreta visão de como nasceu e se solidificou a matéria que regia.
Cobrava muito pouco de tudo que deveriam saber, intuindo, malandramente, que, se se aperfeiçoassem na disciplina, poderiam ocupar valiosos postos, sem a contrafação política de minha ascendência acadêmica.
— Mas tudo isso é de extrema sutileza: não há de se prestar à meditação dos leitores comuns. Não dá para traduzir para o entendimento pelos leigos, como fazem os trabalhadores dos centros espíritas, quando explicam os textos para o povo, nas palestras, ou aos inscritos, nos cursos?
Nem seria eu cego que não percebesse quão pouco articulada está a dissertação com a média da escolaridade dos espíritas que adquirem as obras pela nomeada dos autores. Sendo assim, devo dizer que o interesse que votava ao magistério se adaptava às maravilhas ao espírito vigente no meio universitário, excluindo, in limine, de cara, o grosso da multidão dos bárbaros (aqui tomado no sentido literal de estrangeiros, mas provocando a repercussão do duplo sentido).
A exposição está a parecer excessivamente atual? Terão os leitores a impressão de estarem confabulando intramuros com alguém que veio para a reunião mediúnica, estando encarnado? Parece-lhes vivíssima a tese do aproveitamento dos dons do intelecto para a extração do sumo das verbas oficiais? Pois devo afirmar-lhes que a mamata é tão antiga quanto o serviço público ou a burocracia.
A conseqüência foi ficar o degas aqui no etéreo a penar por haver caído na armadilha, quando tinha todos os recursos existenciais, para dizer o mais, para me impedir os enganos e os desenganos. Minha família era honesta (nem diria agora nada diferente, porque seria envolver o escrito em novas filigranas morais) e me ensinara de criança que deveria manter-me sob a manta protetora da Santa Madre Igreja. Tendo confundido o clero com as regras canônicas, não adverti para os desleixos provocados pelo poderio material de quem é guindado aos cargos da administração.
Para dizer o menos, fiz com que tudo se fundamentasse na mais rigorosa aplicação das leis, não desviando centavo que não justificasse, plenamente, pela incidência das necessidades dos diversos setores em que se subdividia o departamento.
A bem da verdade, se me houvessem perguntado à época se estava locupletando-me com o erário, teria respondido, em sã consciência, que absolutamente não. Foram as conseqüências espirituais cá no etéreo que me alertaram para as falcatruas melífluas, que hoje me parecem extraordinariamente grosseiras, toscas, sórdidas.
Não bastasse ter trabalhado mal com os alunos e com a gerência dos dinheiros públicos, também resvalei para o trato improdutivo em relação aos pimpolhos de casa. Fazendo-me de luminar dentro da ciência em que me formei, pus banca de bacana, impregnando cada mínima participação nos atos da comunidade familiar dos altos conceitos com que pretendia favorecer o desenvolvimento intelectual da parentela, esquecido de que viera de lar católico e de que mereciam os meus firme orientação moral, caso não lhes propiciasse o despertar para a religiosidade.
Teria o pobretão de espírito delegado à caríssima consorte a tarefa que menosprezara? Por certo, pois foi a primeira desculpa que referi aos impulsos de condenação íntima pelas falhas de caráter dos filhos. Mas, de pronto, rejeitei a injunção de compartilhamento das responsabilidades, porque a influência da esposa se fizera de maneira integral, de acordo, porém, com os princípios e diretrizes da personalidade dela. O que incidiu em deslize foi a minha parte, o que foi fácil de perceber pelo prolongado lamuriar dos que se julgaram órfãos com a minha partida, porque lhes sustentava as deliberações em descompasso com os compromissos evangélicos que toda a humanidade ocidental adquiriu por estar imersa no cristianismo.
Quero rogar o perdão dos mais afoitos na leitura, instando para que releiam a mensagem quantas vezes forem necessárias, não para a inteligência de meus dizeres, os quais busquei deixar claros, o quanto me foi possível dentro da complexidade dos meus esquemas mentais, mas para que transformem a mensagem em simples metáfora, alegoria ou fábula, para tornar a sua própria realidade o evento mais importante a considerar, a partir de cada manifestação de dor e sofrimento, ainda que contida, dos elementos desta Turma dos Apelos Emocionais.
— Criticou o colega mas se viu na contingência de realizar o texto de maneira consentânea com as normas empregadas pelo outro. Por que não dispôs nenhum pronome em local impróprio segundo as leis fundamentadas nos critérios cultos dos usuários escolarizados? Por que não desviou nenhuma construção, adotando regimes e concordâncias populares?
Não no fiz nem nas provocações das perguntas retóricas para dar um pouco mais de vida ao texto. Espero, contudo, não estar descaindo no augusto julgamento dos leitores, porque quero reaver o domínio histórico do idioma, deixando para o futuro as modificações que, forçosamente, advirão através do uso que desgastará o que se dá em sincronia e que, uma vez registrado, começa a perecer, porque, em matéria de expressividade, cada geração haverá de propugnar o que lhe parecer em sintonia com as concepções filosóficas, religiosas, científicas e culturais em voga.
Provoquei o Alex a ver se me iria responder à altura. Quedou calado, passando-me as vibrações de quem se situa em plano inferior, justificando a atitude com o fato de ter sido professor menos preeminente. Terá sido essa a lição que os alunos costumam pespegar nos mestres, com anuir tacitamente com todas as falhas que evidenciei? Todavia, cá na Escolinha, como, de resto, em todas as comunidades de espíritos em evolução sob a supervisão de entidades mais categorizadas, não há outro jeito de corrigir as malversações do caráter, senão esta de declará-las publicamente, não para que o olho alheio sobre elas incida, mas para que sejam os exemplos mais vigorosos para a análise, para a crítica e para a catarse que soem ocorrer sob o influxo dos benfeitores.
De que valerá sair desta casa, desta reunião, desta confissão e desta leitura, sem nenhuma transformação para melhor?
Seja Jesus por nós todos!
Leo.



16. BENDITO SEJA DEUS!

Não me afinei de imediato com os colegas de classe. Achei-os sumamente antipáticos, metidos a sabichões, professores, lentes universitários, escritores, sacerdotes, jornalistas e advogados. Um comerciante vagava a esmo pelos corredores, a ler um espesso volume, espécie de Bíblia. As mulheres (se assim posso chamar as irmãs), invariavelmente, submissas ao esplendor intelectual dos mais doutos, ou hermeticamente fechadas em seus passados.
Quer dizer que fui mal recebido?
Em hipótese nenhuma. Fui condecorado como o mais antigo morador do etéreo, tendo aqui chegado há mais de dois séculos, estando na colônia a menos de um ano.
E por onde andou este infeliz?
História de horrores que não gostaria de contar, meu estádio nas Trevas me ensinou que as dores e sofrimentos obrigam os seres a se juntar, não porque obtêm alívio com o respaldo dos suplícios alheios, mas porque passam o tempo todo a vasculhar o passado, em busca das atitudes que os conduziram à lastimável condição. Além disso, trocam desesperadas idéias de como se libertarem da agonia.
Aí, hão de perguntar por que os mais esclarecidos, os protetores e socorristas não se apresentam para o auxílio cristão e humanitário.
Pois se apresentam, sim, com freqüência, mas não são reconhecidos como benfeitores, mas como pertencentes a ordens elevadas, por terem sido protegidos do Senhor.
Significa que os sentimentos imergem nas acusações de injustiça da Divina Providência?
Justamente. Mas esta descrição é por demais simplista, como se a só recomendação de prudência, nesta altura da vida dos leitores, baste para que enveredem por caminhos de superior luminosidade. Não é verdade que a tendência mais forte da personalidade humana é o menosprezo em relação às vitórias alheias? Sendo assim, duas de duas: as pessoas não vão acreditar no texto narrativo, preferindo julgar que seja mero ponto de retórica para o achincalhe de suas consciências; e vão entender que estão perfeitamente aptas para suplantar os males psíquicos que insistem em não analisar.
Por isso, os colegas de classe me pareceram profundamente alheios aos pequeninos, tendo em vista que as minhas vibrações não se coadunavam com as deles. Era como se irradiasse em faixa de onda impossível de ser captada pelos seus aparelhos receptores.
Foi difícil de compreender (um viva a Dorismundo!) que eles estavam desejosos de ver a turma receber alguém de meu nível de sensibilidade, pobre em tantos aspectos, mas rico em vivência dentro do terror das Trevas.
Como foi que Dorismundo logrou alcançar sucesso comigo?
Simplesmente, me conduziu ao Departamento de Vidas Passadas e me fez a demonstração das verdadeiras histórias de muitos colegas. Depois disso, fomos ao Departamento do Inconsciente, para a revelação de que cada um deles havia estado, em tempos remotos, nas profundezas do báratro. Em seguida, fez-me entrevistar exatamente aqueles que eu considerava os mais pernósticos, para que me informassem em que ponto evolutivo estavam as suas reminiscências, de modo a lhes dar amparo para a pretensão do convívio com entidade de recordação mais fresca, uma vez que as deles (graças ao bom Deus!) não ia além de duas ou três faixas de peregrinações errantes pelo Umbral. Finalmente, no Departamento de Formação Intelectual, pude verificar como cada qual havia obtido os conhecimentos nas áreas de seus maiores desenvolvimentos, podendo seguir-lhes os esforços e as lutas nem sempre vitoriosas.
Nesse roteiro, passei o mês anterior ao meu definitivo assentimento para integrar-me ao grupo.
Por outro lado, desenvolvi a tese de que a benquerença não deve vincular-se a nenhum tipo de interesse, embora, neste capítulo, tenha de reconhecer que todos os parceiros se dedicaram a mim em algum momento de nossa convivência, para me promoverem a superação dos preconceitos e eliminação das dúvidas quanto a estar apto a acompanhar as aulas nesta classe.
Outro nó aconteceu na feitura da redação, porquanto os graves desfalecimentos de minha natureza arredia quanto aos aspectos abstratos do saber, enquanto gerador de energia psíquica para a realização mental organizada, me faziam imergir em profunda depressão. Não é preciso ser muito arguto para perceber que ainda agora enfrento problemas sérios para a confecção da página.
Como, definitivamente, proceder para equiparar-me aos companheiros? Estudar disciplinadamente as matérias do currículo escolar e propor-me a volver ao plano terreno para novas aventuras carnais, com o objetivo de resguardar-me dos ataques da consciência, empreendendo vidas de sacrifício em prol do crescimento alheio, após, é evidente, demarcar com precisão quais os aspectos a serem mobilizados prioritariamente.
Quanto ao tema que elegi, deu-se dentro do esquema traçado pelo grupo, sob a direção de Dorismundo, o que me obrigou a navegar por mares desconhecidos. Tivesse, simplesmente, escrito a história de minhas desventuras no etéreo ou a da última encarnação, alcançaria maior brilho, porque iria colorir o texto com as metáforas que transcreveria, de forma adaptada, naturalmente, da enciclopédia a que aludiu o colega Alex.
Também recebi apoio e sustentação para me manter alerta durante a transmissão do texto, impedido, todavia, de acolher outro auxílio no campo dos pensamentos logicamente arquitetados, como ainda não posso solicitar a ninguém que me corrija o fraseado. Peço, por isso, que me desculpem o atrevimento da mensagem e façam por perceber que Vocês mesmos poderão passar pelos mesmos vexames, se não se aprumarem sobre os ensinos evangélicos do Cristo. Não foi à toa que se disse no prefácio que cada aluno era responsável pela sua apresentação.
Esta é a dimensão mínima determinada para cada trabalho. Sendo assim, agradeço a Deus a possibilidade de ser útil e me ponho à disposição dos amigos para esclarecimentos pessoais intuitivos, a respeito da tragédia que representa estar nas Trevas.
Louvado seja Deus! Para sempre seja louvado!
Euclides.



17. A LANTERNA

Julguei que faltava falar da luz. Somos tão pobres nesta classe que os textos brilham apenas pelas faculdades de expressão externa, porque o idioma brinca nas penas dos melhor dotados. Quando desejamos exceder a grossa carapaça de intelectualidade personalista, arremetemo-nos de encontro às barreiras dos preconceitos, uma vez que não estamos em condições de avaliar o quanto são profundas as palestras e exemplificações dos mentores.
Sendo assim, caprichamos na formulação de algumas idéias, desenvolvendo três ou quatro tópicos, sem nos determinarmos ao esquadrinhamento dos aspectos científicos, para o que iríamos em busca das teses mais veementemente verdadeiras de domínio dos espíritos de luz. Claro está que, se nos adiantarmos na direção dos mais perfeitos, teremos de reproduzir-lhes as mensagens tais quais são passadas a nós desde a fundação da colônia.
A pergunta imperativa dos encarnados deve dizer respeito à existência, sim ou não, dos conceitos cujas assimilação e aplicação conduzirão cada um à esfera seguinte no evoluir. A resposta todos conhecem. Então, por que não enveredarmos, decididos, pelas próximas trilhas, em lugar de ficarmos a examinar as personalidades para efeito de consignar erros e imperfeições? Por que não fazermos tábula rasa dos fatos arquivados na memória e não darmos às tarefas do socorrismo a prioridade da urgência?
De maneira geral, todos sabemos onde residem as leis do progresso, porque a ninguém, na classe, é dado desconhecer as lições de Jesus e os conceitos desenvolvidos para os encarnados pelos espíritos que assistiram ao codificador. Entretanto, não iremos adiantar um simples passo, sem sufocarmos as tendências viciosas que trouxemos do passado. Para tanto, havemos de caracterizar, através dos recursos da tipologia espiritual, todas as reações desencadeadas em nossas personalidades pelos influxos das circunstâncias, tenhamos o caráter que for.
Dorismundo nos tem orientado para darmos importância relativa aos informes psíquicos, acentuando os pontos principais, exatamente aqueles que correspondem aos malfeitos praticados contra terceiros ou contra a própria pessoa. É que muitos, sem terem chegado ao extremo da ação, também carregam em si certo potencial autodestrutivo, pelo tanto de arrependimento e remorso a que se habituaram, quando descobriram que estavam condenados à observação dos desvios morais e dos males conseqüentes.
Para superação das deficiências e introjeção das qualidades e virtudes, não hão de bastar os estudos e os trabalhos acadêmicos. Caberá perguntar se desta atividade mediúnica sói surtir algum benefício para o mensageiro. Evidentemente, tudo bem sopesado nas balanças das intenções e das realizações como produto do esforço máximo de cada elemento do grupo, alguns se verão jubilosos por conseguir extrair o sumo mais precioso de seus investimentos na área evangélica.
Terão os melhor sucedidos a recompensa da bem-aventurança?
Sem dúvida alguma, conquanto venham a prestar atenção, logo em seguida, em que sempre houve quem tivesse apresentado resultados mais profícuos, em todos os aspectos das manifestações. Mas o melhor desempenho alheio, para os espíritos bem formados, se torna apenas na emulação motivadora para novos empreendimentos, mais sérios, mais profundos e mais abrangentes.
Vamos suspeitar que este desenvolvimento, assim que se der ao médium, seja considerado o ápice possível no momento para o seu redator, em contraste com a assertiva de vários colegas, os quais, no corpo mesmo de seus trabalhos, se declaram acanhados e capazes de novas empresas de melhor envergadura. Irá o autor, à vista da temática em jogo, considerar que foi felicíssimo na exposição ou poderá, refletindo sobre cada frase que elaborou, chegar à conclusão de que os diversos segmentos obteriam melhor repercussão no espírito dos leitores, se sofressem esta ou aquela alteração?
Nesta altura da transmissão (conforme assinalei no original, no autógrafo), deverei estar abrindo um bom sorriso de satisfação, porque me capacitei para a confecção de peça, notícia, monografia, ensaio ou pura dissertação, tendo logrado êxito perante os companheiros, estabelecendo-me dentro dos padrões fixados para pôr os encarnados a par das preocupações da Turma dos Apelos Emocionais, muito particularmente porque dei a visão dos mestres, quando nos ensinam que o comedimento na euforia das comemorações nos põe de prontidão para o agradecimento oportuno a Jesus, pela permissão de recebermos das regiões mais adiantadas a bênção do incentivo pela confirmação dos acertos.
Acredito que, nos círculos da beatitude ou da santidade, muitos ficam na expectativa da aprovação dos anjos e serafins, para que se sintam desafogados através da aplicação de seus dotes emocionais e intelectuais em conformidade com as leis de Deus. Tudo ocorre no mesmo diapasão da criança que se vê alvo de elogios por causa dos feitos de superior qualidade, para além até das expectativas dos pais e professores. O que muda é o nível de consecução das tarefas, sempre e cada vez mais complexas em sua importância gregária, comunitária, social ou espiritual.
Dizia, de início, que deveríamos expor os planos de crescimento e os meios de realizá-los, em objetiva demonstração de como vamos progredindo rumo ao reino do Senhor. Então, para que não fique esta peroração falta de coerência íntima, vou dizer-lhes que, quanto a mim, irei, nos próximos dias, resguardar-me em meu modesto aposento, para orar, pedindo ao Senhor que me esclareça os pontos dificultosos desta apresentação, que me mantenha lúcido quanto aos méritos que me poderiam tornar vaidoso e até mesmo orgulhoso, que me induza a redimensionar os meus conceitos, em função das conseqüências desta mesma comunicação e correspondente ditado mediúnico, para ressurgir junto aos colegas com novo ânimo, empenhado ainda mais em diplomar-me socorrista.
Quem considerar que estive bem próximo de oferecer texto de qualidade, lembre-se de que julgo ter vindo para trazer um pouco de luz, dado que os pensamentos que elaborei não são encontradiços nos guetos das sombras, mas que se firme também, no coração das pessoas, a convicção de que a minha luminosidade está limitada pela chama de humílima lanterna, a comburir os ensinamentos dos mestres, bruxuleante e titubeante.
Ilumine-nos Jesus, com suas bênçãos de amor!
Adroaldo.



18. A PLATAFORMA

Plataforma é substantivo feminino que apresenta diversos significados. Valha-nos o Dicionário Aurélio Eletrônico:
Plataforma [Do fr. plate-forme.] 1. Área plana horizontal, mais ou menos alteada. 2. Terraço, eirado. 3. Estrado na parte posterior ou anterior de alguns carros. 4. Vagão raso. 5. Área de cimento ou estrado de madeira, elevada mais ou menos à altura do piso dos vagões, para facilitar o embarque ou desembarque de passageiros ou de carga nas estradas de ferro. 6. Tabuleiro circular que se move em torno de um eixo, para deslocar vagões de estrada de ferro. 7. Rampa de onde se lançam foguetes ou outros projéteis. 8. Construção de terra, madeira ou aço para assentar a artilharia. 9. Superfície regularizada, obtida por terraplenagem, sobre a qual se assenta uma via férrea, com seus dormentes e lastro. 10. Qualquer peça que lembra uma plataforma (1): Continuam em moda os sapatos com plataforma. 11. Fig. Pop. Aparência, simulacro. 12. Programa administrativo ou de trabalho, ou reivindicatório anunciado em discurso solene por candidato a cargo eletivo.
O termo foi escolhido meio aleatoriamente para o efeito da dissertação.
Qualquer análise superficial irá determinar que todos os significados próprios estão intimamente refertos de vivência material. Somente quando se dão as acepções figuradas é que se pode admitir que os do etéreo utilizem a palavra, porque não se compreende que os elementos contidos nos conceitos anteriores possam ser aplicados à realidade espiritual.
No entanto, quando se trata de solicitar dos informantes das colônias as noções relativas aos diversos setores em que se divide administrativamente, sempre estão os encarnados com o pé atrás para dizeres tão específicos quanto aos dez primeiros significados acima reproduzidos.
A contradição entre o desejo ou curiosidade de saber e a composição psicológica perante a necessidade da crença irrestrita se vê mais especialmente entre os estudiosos mais ferrenhos, desde que se manifestem de público, o que as demais pessoas não fazem, apesar de muitas também desconfiarem de estar sendo embaídas, porque as descrições são por demais categóricas e concretas.
Estender-nos por meio de argumentos elucidativos, para contrapor a verdade que vivenciamos aos reclamos da falta de intuição dos parceiros encarnados, será dar aos incrédulos mais elementos para raciocinarem pelos preconceitos, estipulando que a reprodução do verbete se deu pela facilidade que tem o médium de copiar, sem se dar ao trabalho de apanhar o ditado que faríamos se lhe transmitíssemos o que se registra em nosso próprio dicionário.
Pois bem, este sóbrio roteiro vem para agitar as tendências de dúvidas dos que se opõem ferreamente às narrativas mediúnicas dos seres que não se categorizam elevados, nem pelas próprias asseverações, nem pelos primores exponenciais da forma. De certo modo, acreditam que o demônio está voltando-se contra o próprio império, porque aceitam o fato de que propugnamos as mesmas virtudes que se constituem nos ensinos de Jesus e que mereceram de Kardec amplos comentários.
Se dissermos que a plataforma dos espíritos de luz para o próximo milênio será esta ou aquela, aplaudem, porque conseguem entender que os pronunciamentos eivados de esperança, de fé e de caridade se coadunam com os princípios do Espiritismo Cristão. Entretanto, se alguém diz que o mentor espiritual estava sobre uma plataforma, para ser visto até pelos que se situavam no fundo do auditório, colocam obstáculos, posicionando-se abertamente contrários à possibilidade de existência no etéreo de qualquer organização energética capaz de estruturar-se segundo princípios de formação corpórea similares aos do universo denso.
Por outro lado, insistem alguns no ponto nevrálgico da questão, qual seja, o de que perdem os atributos sensórios os espíritos desencarnados, tolerando, no máximo, que haja referência à audição, à visão, ao olfato, ao tato e ao paladar tão-só para a compreensão dos humanos, entendendo que tais características ou predicados devam ser completamente outros, por causa da essência diferente em que existem os espíritos. Assim, quando os mensageiros mencionam a música, a pintura, a escultura e outras artes de técnica fundamentada em manipulação de determinada matéria-prima, não merecem crédito, preferindo muitos estudiosos encarnados considerar que se trata de simples analogia.
Então, é chegada a hora de afirmarmos que se mantêm os formatos terrenos para os perispíritos das entidades não muito evoluídas. Se a atmosfera em que respiram não é exatamente a mesma da crosta, não se apercebem disso e prosseguem tangendo as suas harpas e degustando as suas maçãs, como se não tivessem sofrido nenhum reajuste vibratório em suas constituições psicofísicas.
— Que vantagem haverá, perguntarão, em se manterem os mesmos princípios da vida, se prosseguirão existindo os sofrimentos provocados pelas queimaduras, pelos atropelamentos, pelas feridas, pelas doenças, pelos flagelos etc.? Não será mais coerente, mais pertinente ou mais lógico conceber que todos os dramas são meramente imaginários, mas traumáticos e obsessivos, tendo em vista o poder das consciências de provocar estágios de depressão, de aflição, de agonia?
Assim é que ocorre quando os seres são resgatados para tratamento nos hospitais e casas de saúde das colônias, durante o tempo em que permanecem alheios às condições exteriores, imersos nas recordações pungentes dos crimes de que se arrependem. Contudo, não se há de generalizar o excepcional, acreditando-se que, a partir do decesso, tudo vai ocorrer apenas nos refolhos da mente ou nos recessos do coração. Os obsessores existem de maneira concreta e objetiva e se arvoram no direito de magoar os que consideram inimigos, desafetos, adversários ou, simplesmente, merecedores de castigo, pela leitura que fazem de suas auras em desequilíbrio.
Encerrando estas ligeiras apreciações, damos parcial razão para quem, em examinando com mais atenção os dez itens primeiros do verbete transcrito, concluir que não poderá haver, neste nosso plano, nem carros, nem trens, nem foguetes, nem artilharia, nem sapatos com saltos daquele tipo. O que impede, porém, de se trabalharem os elementos ditos semimateriais (ver Kardec) para a fabricação de tabaqueiras, de veículos de tração animal, de viaturas movidas a energia fluídica, de coletivos para deslocação de grupos de socorristas para o Umbral, de baterias de repulsão vibratória contra os assaltantes das colônias ou de artefatos para a proteção do perispírito?
Conduz este texto a hipótese de que sempre haverá de ser útil a defesa dos mensageiros criticados por fomentarem, nas almas dos homens, a sutil perniciosidade da fantasia, porque lhes fornecem obras inteiras em que a analogia entre os ambientes terrenos e etéreos se estende, tornando o que seria tão-só brilhante metáfora em alegórica criação de penoso acolhimento, por incidir sobre os valores cristalizados segundo os ensinamentos transladados de outras visões religiosas e dispositivos teológicos para o Espiritismo.
Realmente, quão mais felizes seriam os mortais se lhes descrevêssemos o etéreo como local de amenas reuniões, onde ocorreriam os discursos mais propensos à elevação dos ânimos, em virtude da fulgente inteligência e preclaro sentimento dos pleiteantes à angelitude, ouvindo-se cânticos de louvor ao Pai, poesias de encômios a Jesus e preces de intercessão a Maria pela parentela perdida nos meandros dos raciocínios pragmáticos.
Que os protetores dos amigos encarnados os livrem de pensar que a nossa tese se fundamente em filosofia materialista!
Amém, Jesus!
Alaor.



19. A PROPOSTA

Para ampliar o quadro das ponderações, tivemos a idéia de reproduzir os debates das sessões livres, sem a interferência dos professores, uma vez que os ensinamentos das aulas nos pareciam sumamente cansativos, maçantes e modorrentos.
A discussão.
Reunidos para deliberar, alguns colegas disseram que era preferível prosseguir com o roteiro, enquanto outros concordaram com que os textos exigiam por demais dos leitores, por serem descrições psíquicas sentimentais, sem o agrado das narrativas para atenuação do pensamento filosófico e doutrinário.
Lembramo-nos de que muitas obras de sucesso, espíritas ou não, instigam o interesse através de diálogos lúcidos, onde se opõem as opiniões, para a configuração dos prós e dos contras. Veio-nos à memória que os próprios tratados, muito embora escritos dentro dos esquemas do gênero, ganharam novos atrativos com a inclusão de episódios comprobatórios.
Os opositores insistiram em que os nossos textos apresentam os contra-argumentos em forma de perguntas, amenizando o que desejávamos abolir, ou seja, as longas tiradas metafísicas, em parágrafos rebarbativos, impróprios para a fixação das idéias mais importantes, porque cercadas de raciocínios menores, de rápidas incursões em outras matérias.
Ipso facto, mesmo quem estava declaradamente contrário à proposta de revelar os arcanos didáticos e pedagógicos da Escolinha era de opinião de que as mensagens não poderiam ser excessivamente técnicas nem rígidas na apresentação dos silogismos, cabendo aos autores a preocupação de tornar as composições agradáveis, elegantes, alegres, sem perderem de vista a necessidade de serem verdadeiras, objetivas, sérias e o mais completas possível.
Entretanto, não cediam quanto ao fato de não se darem ao conhecimento do público os titubeios, as hesitações, os tartamudeios, os arrufos, as querelas, as demonstrações de incompetência e de ignorância. Quando muito, aceitavam que alguém expusesse, de maneira bastante genérica, como estamos a executar neste preciso instante, a iniciativa de se tornarem os escritos bem mais simples, argumentando que não aceitavam a reprodução de inteiro teor das discussões porque iriam estender-se para além dos limites fixados.
Não houve possibilidade de se congraçarem todos em torno de uma única decisão. O que se acordou foi para se consultarem os responsáveis pelos contatos mediúnicos a respeito de dois pontos principais.
Primeiro, desejou a classe saber se teria meios de programar outro compêndio em que tratasse dos mesmos temas, utilizando outras técnicas, como as do romance, da novela ou da dramaturgia. Em segundo lugar, consultou-se a respeito da liberdade dos expositores de elegerem os gêneros com que mais se afinassem.
A resposta.
Iniciando pela segunda parte, os mentores autorizaram o emprego de qualquer artifício literário, com a única condição de que, para cada aluno, haveria apenas um dia de transmissão. De resto, explicaram, a informação do fato continha-se na nota introdutória.
Quanto à primeira parte da consulta, foram sucintos, dizendo que nova oportunidade só poderia ser dada dentro de cinco anos, no mínimo.
A repercussão.
De novo em debate, voltamos aos temas, acatando, como não poderia deixar de ser, a iniciativa de caráter individual. Quem quisesse elaborar a mensagem com diálogos que o fizesse. Alguns suspiraram decepcionados, porque sabiam que suas tendências às longas narrativas iriam esbarrar, dramaticamente, nas quatro ou cinco páginas de que seriam capazes numa sessão mediúnica.
Quanto à espera de tantos anos, chegamos a conclusão surpreendentemente unânime: teremos de solicitar de outro médium a gentileza de nos atender, assim que o novo texto esteja pronto. Para tanto, alguém deveria escrever texto em que se destacasse tal necessidade, de modo a favorecer o convencimento de alguns leitores para filiação à Escolinha de Evangelização, na qualidade de auxiliares-médiuns. E deveria o autor ser extremamente honesto, para não iludir os voluntários, estimulando-os com promessas de textos de qualidade superior nem asseverando que tudo irá fluir de maneira absolutamente tranqüila, fácil e coerente.
Sendo assim, como se percebe, este extrato vem para cumprir a tarefa delegada pela Turma dos Apelos Emocionais, para o que ressaltamos que se credenciará todo aquele que se dispuser, desde logo, a oferecer alguns minutos de seu dia, escrevendo, em casa ou no centro de sua preferência, em horário determinado, algumas linhas, sem se preocupar com o sentido das idéias que vão sendo transferidas para o papel. Depois do trabalho, contudo, toda atenção haverá de ser pouca para a caracterização do valor moral ou doutrinário do texto resultante, para o que devem ser consultados alguns amigos de boa vontade, depois de mostrada esta dissertação e evidenciado o desejo sadio de propiciar aos amigos da espiritualidade a abertura de mais um canal de comunicação mediúnica.
Deus nos ajude na conquista de mais pessoas esclarecidas e trabalhadoras, para, sem estardalhaço, se dedicarem com afinco a tarefa de expressiva função dentro do rol das atividades obscuras que engrandecem o espírito e favorecem o desenvolvimento das virtudes evangélicas!
Observação pessoal.
Eu mesmo tinha de realizar serviço mais importante do ponto de vista temático, qual seja, o de evidenciar como foi que superei acendrado egoísmo, criado a partir da facilidade com que construí minha riqueza terrena, passando ao largo das diretrizes cristãs, ao dirigir a minha empresa com o guante do poder econômico, o açoite dos exploradores e as correntes das necessidades de sobrevivência dos que me serviam em regime de escravidão.
Graças a Deus, ao me dedicar a este comunicado, livrei-me de volver ao sofrimento das Trevas, embora pudesse ter do que me orgulhar, no bom sentido, se dispusesse de forma vivaz a guerra que travei contra os vícios e defeitos da alma. Mas não teria sido desenvolvimento que se registrasse numa única sessão.
Obrigado, irmãos, pela paciência com que chegaram até o final destas palavras. Espero que não façam ouvidos moucos para a solicitação do grupo.
Fiquem na paz do Senhor!
Jonas.



20. A CIÊNCIA INFUSA

Entende-se por ciência infusa aquela que vem aos homens e espíritos por inspiração divina. São os conhecimentos que se adquirem sem esforço, sem a premissa dos estudos, dos trabalhos, da observação, da investigação, da análise, da comparação. Sabe-se porque se sabe — e pronto!
— Que bom seria se tudo fosse assim! — dirão os preguiçosos, os que não se sustentam senão pela exploração do labor alheio.
No entanto, para que Deus criaria seres completos e perfeitos? Seria, talvez, para manter conversação com outro ser ou espírito de mesmo nível ou categoria, como julgou necessário para o primeiro homem, Adão, que se aborrecia no paraíso terrestre? Mas que diriam eles que já não soubessem? Sobre que dissertariam, se seriam donos absolutos de todo o saber?
Vamos mudar um pouco o prisma da apresentação.
Teria Deus organizado o mundo de forma errada, uma vez que, para ele, não existe necessidade alguma? Teria sido um momento de eternal fragilidade, de supremo delíquio criativo, de augusto desprendimento da onipotência?
Como somos pobres na concepção do soberano desígnio do Senhor! A nossa ciência falha e não somos capazes sequer de imaginar uma única justa razão para estarmos existindo. Tão poderosa é esta verdade diante de certas criaturas que chegam a afirmar que toda a realidade não passa de sonho, de quimera, de ilusão passageira, que vale mais por si mesma do que pelos seres que as vivenciam.
Como cheguei a estas brilhantes conclusões? Menoscabando o meu discernimento, a minha inteligência e a minha capacidade de amar e de receber amor. Se me consagrasse a aliviar as penas e aflições dos semelhantes, muito provavelmente não teria tempo para estabelecer motivos de aborrecimento, de tédio, de fastio, porque disso não passa a elaboração mental que desprestigia a Criação, inclusive através do descrédito que se atribui à criatura.
O que há de infuso na centelha divina que reside no âmago de cada ser está bem preservado do toque malévolo do livre-arbítrio de que todos somos dotados. Sendo assim, o aperfeiçoamento das deliberações, no sentido da prática incessante do bem, pelo desejo imensurável de cumprir as lições evangélicas de Jesus, deve voltar-se para o ressaltar das virtudes e qualidades inerentes aos atos de favorecimento do bem-estar físico, moral, intelectual e espiritual do semelhante, o que incide, inexoravelmente, no respeito da criatura pelo Criador.
Vamos desenvolver a idéia de outro modo, para facilitar a compreensão desse ponto, que está cada vez mais claro em nossa consciência.
Quando a pessoa dá valor a tudo o que faz, não pode desmerecer, ipso facto, o respaldo teórico que lhe fundamenta a maneira de ser, a filosofia, a ciência, a religião e todo o arcabouço existencial que se ergue a partir do mais sensório até o íntimo dos vínculos energéticos dentro das células que lhe dão sustentação orgânica, porque tudo o que se contém no corpo deve ser levado à conta da personalidade, quanto aos elementos motor, intelectual e sentimental, a constituir a figura humana.
Tais deduções devem barafustar pelo cérebro dos que não se habituaram a ver a existência carnal com olhos exclusivamente espirituais. Contudo, para nós do etéreo, o conhecimento de um círculo além do terreno, permite-nos inferir que todos os ingredientes que se reúnem para a formação das entidades da crosta, mutatis mutandis, existem também na constituição do corpo espiritual, o chamado perispírito. Ora, saber enxergar-se a si mesmo, porque se observa o outro, está no fulcro da inteligência de que são dotados todos os seres. Quando esse avaliar se integra, ou seja, o exterior passa a valer para o interior, o respeito se torna uno e se adquire o poder de reconhecer a grandiosidade da Criação.
Ao se admitir, portanto, a existência da ciência infusa, a realidade desse atributo deve buscar-se nas intuições íntimas, que se originam exatamente no que temos de divino na formação espiritual.
Como foi que Jesus nos asseverou, em relação a este desenvolvimento?
“Ninguém, depois de acender uma candeia, a põe em lugar escondido, nem debaixo do alqueire, mas no velador, a fim de que os que entram vejam a luz. São os teus olhos a lâmpada do teu corpo; se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; mas se forem maus, o teu corpo ficará em trevas. Repara, pois, que a luz que há em ti não sejam trevas. Se, portanto, todo o teu corpo for luminoso, sem ter qualquer parte em trevas, será todo resplandecente como a candeia quando te ilumina em plena luz.” (Lucas, XI: 33-36.)
Não disse, também, Jesus, confirmando o Salmo 86, versículo 6: “Sois deuses”? (João, X: 34.)
Além disso, mais declaradamente, afirmou o Mestre:
“[...] o reino de Deus está dentro em vós.” (Lucas, XVII: 21.)
Não resistimos à tentação de reproduzir os textos bíblicos, sabendo que iríamos concorrer para dois graves percalços, quais sejam, o de citar algo extremamente superior, a fazer-nos calar o ímpeto das apreciações, como ainda o de reduzir o espaço que nos foi reservado. Em todo caso, se não bastarem as nossas pobres incursões em tema de tão alto teor evangélico, que se assinale o princípio de que o trabalho de semear precede o da colheita — e nós estamos apenas no início da seleção dos grãos.
Ciência infusa... Ora, pois!...
Pelos amigos, com muito carinho, rogo ao Pai que os próximos textos realizem o objetivo de evidenciar que Jesus estava absolutamente correto em enfatizar o amor a Deus como a primeira dentre todas as leis; e a segunda, o amor ao próximo.
Sandoval.



21. A GÁRGULA

Se tivermos o cuidado de consultar o dicionário, veremos que gárgula nada mais é do que a onomatopéia do ruído (garg) característico da garganta. E que outros significados terá? É o designativo do buraco por onde se escoa a água de fonte ou de cascata. A partir daí, escorrendo das calhas para não afetarem as paredes, fizeram-se esculturas com dantescas figuras, justamente no ponto de saída das águas das chuvas.
Por que razão terão dado tais medonhas formas a algo absolutamente útil? Na verdade, não houve a intenção de realizar nada muito horroroso, senão que era preciso que as águas jorrassem para bem longe, aumentando a dimensão dos bicos ejetores. Havia necessidade da distância, porque os edifícios aquinhoados com essas figuras eram feitos de pedras, como as catedrais, por exemplo, e, como se sabe, água mole em pedra dura...
Por outro lado, a grande altura não permite definir exatamente como são os monstros representados e as pessoas, de baixo, viam pássaros de asas semi-abertas, com características animalescas, podendo imaginar que o sacro se continha dentro do recinto das igrejas e o impiedoso, o ameaçador, o vampírico, o demoníaco estava do lado de fora.
Apenas para a consideração do absurdo, pensem em algum templo em cujo interior se vejam gárgulas. Não é verdade que logo lhes ocorre a lembrança das missas negras, da magia, do misticismo, da superstição, da maldade, do inferno?
Tais condições religiosas aliadas à liberdade de os artistas poderem esculpir à vontade o que de pior lhes ocorresse na imaginação geraram os monstros horrendos, quais tenebrosas entidades execradas pelo exílio sacerdotal, a colocar no coração dos fiéis o temor dos excessos, dos vícios e dos crimes, além de lhes provocar o sentimento do arrependimento, do remorso e a necessidade de purificação, mediante os sacramentos que se administravam nas cerimônias litúrgicas.
Mas não viemos para a crítica histórica ou atual das religiões que pregam o medo como princípio da virtude. Viemos para afastar da mente dos leitores a idéia de que fazemos nós da Turma dos Apelos Emocionais o papel assustador das gárgulas. Aceitamos, com prazer, o ideário da utilidade do arremesso para longe dos muros das águas corrosivas, porém, não pretendemos descrever as agruras das Trevas, com o fito da tortura antecipada de quem tem débitos para com as leis do Senhor.
Por isso, está definido que apenas em último caso é que podem os colegas desta classe descrever as tribulações por que passaram por não terem sido vigilantes. Mas a necessidade da prescrição do cuidado, da precaução, da diligência, da responsabilidade está consignada nos Evangelhos, como palavra de Jesus. Cabe-nos, isto sim, alertar para o fato de que trabalhar em prol dos que sofrem substitui com vantagem o temor de ser enviado, desde logo, após o desenlace carnal, para as regiões em que residem os infelizes.
Também viemos para dar o exemplo da atividade rotineira de quem faz uso da palavra, na falta de se poder demonstrar como é que se dão as diligências de outro caráter, como a sustentação fluídica, o afastamento dos obsessores, a energização vital dos enfermos, o arranjo das circunstâncias para a organização da realidade em prol do favorecimento dos melhores resultados, em função da boa vontade, da fé, da caridade, do amor e da esperança de se seguirem os ensinos de Jesus.
É corrente entre os humanos julgar bons palestrantes aqueles que também são bons ouvintes. A palavra é de prata e o silêncio é de ouro. Mas há um momento para ouvir e outro, para falar. Então, recebam, caros amigos, esta modesta contribuição para as suas conversações espíritas, para os seus desenvolvimentos doutrinários, para a sua meditação filosófica. Quando se virem tentados a transmudar a fisionomia sob o influxo dos pensamentos mórbidos provindos das descrições dos magnos suplícios das consciências pejadas de culpas, ponham tento nas nefandas imagens das gárgulas e limitem-se a reproduzir-lhes os sons barulhentos, sem as gargalhadas sarcásticas de quem se satisfaz com o terror alheio.
Lembrar a doce figura do Mestre a recomendar irrestrito amor a todas as criaturas também é poderosa criação mental para o equilíbrio do exemplo e para a elevada admoestação evangélica. Mas não se pode esquecer que o Nazareno lançou para fora do templo os vendilhões e disse aos que buscavam confundi-lo:
“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!, porque limpais o exterior do copo e do prato, mas estes por dentro estão cheios de rapina e intemperança. Fariseu cego!, limpa primeiro o interior do copo, para que também o seu exterior fique limpo. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!, porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora se mostram belos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda imundícia. Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade.” (Mateus, XXIII: 25-28.)
Se o sentido das expressões do Cristo é ameaçador, mais não fez do que advertir para os erros. Não incidamos neles nós outros e amenizemos a nossa fúria, a nossa soberba, a nossa convicção arrogante da certeza absoluta da vontade do Senhor. Simplesmente, cumpramos também a segunda parte das recomendações sublimes de Jesus:
“Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca.” (Mateus, XXVI: 41.)

Senhor, nós nos pomos aos vossos pés, para vos rogar por mais luz, por mais compreensão e por mais sabedoria. Mas não no fazemos por nós mesmos, senão para podermos criar em nós dispositivos de segurança que nos garantam a habilitação de proporcionar aos irmãos o melhor de nossos esforços. Para tanto, é imprescindível que deis aos nossos maiores, aos protetores, aos guardiães e aos mentores, o poder da ascendência moral sobre a nossa paupérrima faculdade de servir, para que possamos fazê-lo dentro dos padrões evangélicos do amor incondicional a todas as criaturas, pelo altíssimo sentimento que devemos nutrir pelo Pai. Assim seja.
Maria Eulália.



22. O ESQUELETO

O que não tem, dentro do campo corpóreo, estrutura mais sólida, para obrigar a manutenção de determinada forma? Não parece essencialmente lógico que assim seja, ou as coisas derriçam e se esfacelam, perdendo a identidade?
Pois, no campo etéreo, é o mesmo que se passa. Inutilmente, tentaremos insuflar no pensamento humano que os seres espirituais se formam a partir das virtudes e das viciações, quer pendam para o bem, quer, para o mal. Seria extremamente mais cômodo dizer que a energia quinta-essenciada destas paragens se submete ao governo da personalidade e se mantém equilibrada pela ascendência da vontade soberana, que existe por si mesma e que elide as leis de sustentação de sua contextura própria, para pô-las sob domínio de um poder superior.
Quando as pessoas imaginam a espiritualidade e se deparam perante problemas que tais, buscam no mais além as razões para a configuração dos círculos ou esferas que recepcionam os espíritos, atribuindo a Deus e a seus subordinados diretos a incumbência de encaminhamento dos recém-chegados, determinando-lhes o modus vivendi em que permanecerão pela eternidade. Alguns, mais engenhosos, são capazes de argüir a própria incapacidade de transferir para o campo da realidade objetiva as idéias e intuições, pondo-se prevenidos quanto à possibilidade de se encontrarem em região análoga à da Terra, com as forças gravitacionais a exercerem poderio de submissão às condições da natureza dominante.
Vamos ultrapassar as informações que os encarnados têm do Umbral e das Trevas, intentando descrever o círculo um ponto mais elevado que o nosso. Vamos dizer que, nesses parques e jardins, onde devem reinar a paz e o conforto da supressão das penas e misérias tais quais se conhecem aqui ou aí no orbe terráqueo, espairecem as criaturas que venceram a dor e que imergiram na simpatia dos espíritos de luz, de modo a facultar a eles a assistência de eternal bem-aventurança.
Ora, muito bem! Se ficarmos a lucubrar a felicidade como norma adveniente do poder de domínio sobre os pendores, na fixação de que apenas bons sentimentos e bons pensamentos possam existir no esqueleto de estruturação desses seres, estaremos, forçosamente, sendo levados a criar, de pronto, o reino do Senhor, o paraíso celestial, a região sacratíssima da Divindade.
Ocorrerá aí um desperdício de imaginação, porque teremos de admitir que há um local onde devam acontecer tais eventos de extrema pureza. A idéia de espaço incidirá na de tempo e seremos convencidos de que algo existe nessa disposição de suprema contextura espiritual que possa oferecer a dúvida ou a incerteza de que todas as coisas ali sejam absolutas, uma vez que não há como não demonstrar que o efêmero e o provisório residem em cada segmento de espaço e de tempo.
Então, volveremos à conjetura do esqueleto que deverá preencher-se de carne, volátil, embora, mas tangível para os recursos sensórios dos corpos sutis dos que convivem e que devem estabelecer contatos entre si. Serão apenas informações que se transferem em ondas de vibração de uma entidade a outra? Mesmo assim, devem possuir esquema de significação para representar algo entre emissor e recebedor.
Revela-se, pois, que os nossos recursos fenecem diante do imponderável da natureza dessa outra morada dos espíritos. O que sobrou de tudo o que modelamos foram os aspectos morais superiores dos entes que mereceram ascender, pois não se poderá conceber que quem pratica o mal prossiga caminhando na direção da suprema felicidade. Quem não se despojar dos pensamentos ruins e das intenções deletérias ou, por outra, quem não instituir para si mesmo o procedimento evangelizado como esqueleto sobre que montar o sistema de créditos, segundo os valores dos que são mais perfeitos, não irá jamais desfazer-se de suas vestimentas grosseiras, justamente aquelas que nos obrigam a este ir e vir dentro da densidade cósmica do universo material da Crosta e semimaterial das Trevas.
Importa assinalar a dificuldade desta concepção, sempre e cada vez mais acessível ao espírito, conforme vai assimilando os itens da realidade que apreende, por realizar movimentos tendentes ao cumprimento dos deveres relativos ao respeito da criação, de que frui a existência. De que vale, porém, raciocinar pelo desejo da perfeição, se propugnamos a relatividade como inerente ao progresso?
Individualmente, até que podemos deslocar-nos com maior velocidade na direção do bem maior, mas jamais alcançaremos fazê-lo se não tornarmos completa, íntegra, perfeita, cada pequenina conquista. Se o nosso amor ao próximo, por exemplo, estabelece escalonamento quanto ao bem-querer, gostando-se mais de uns do que de outros, é óbvio que seremos medidos de acordo com a mesma medida, ou seja, teremos de objetar ao repúdio dos mais adiantados com a sem-razão de nosso arbítrio, esquecidos de que o emprego da lei é mecânico, é automático, é consciencial, segundo a nossa própria natureza.

Teremos caminhado muito à frente da possibilidade de entendimento da maioria dos leitores? Cremos que não. O que ocorre é a nossa deficiência quanto à exposição dos argumentos, o nosso despreparo para a confecção teleológica dos pensamentos pelo desconhecimento das causas finais, a nossa dialética voltada para o convencimento, sem a preocupação didática do estabelecimento dos princípios ou premissas, de acordo com os dados que se extrairiam dos cânones doutrinários do Espiritismo.
Vamos contentar-nos, portanto, com instigar o desejo quanto às formulações teóricas mais importantes no que respeita às expectativas da verdade, a qual não deverá surpreender-nos, se mantivermos aceso o lume da boa vontade para com as considerações dos mensageiros do etéreo. Transformemos esta disposição otimista em arcabouço filosófico e preenchamo-lo com o pendor religioso de quem estima a vida como suprema dádiva do Senhor, para que, aos poucos, nos sintamos aptos a freqüentar o círculo seguinte do nosso caminhar rumo ao reino.
Que esta loquaz preleção não espante a ninguém nem desestimule a continuidade das leituras. Ilha de sargaços no meio do oceano de luz das mensagens dos companheiros, envidemos esforços para contornar os estorvos, livrando o leme para as manobras do bem querer, do trabalho a serviço de Jesus e da prestimosa cooperação com que os operosos membros da Escolinha de Evangelização objetivam explicar os temas mais complexos da ciência extraterrena. Eis que montamos o esqueleto das ânsias de transmissão das intuições. Terão os amigos paciência, denodo, calma, bonomia, inteligência, conhecimentos e demais recursos para completar a missão? Estudem, para isso, as obras da Codificação Espírita.
Eis tudo.
Fiquem na paz do Senhor!
Amílcar.



23. A ORELHA

Apêndice do corpo humano, terá a orelha alguma utilidade no corpo perispirítico?
A pergunta objetiva intrigar os leitores quanto aos órgãos que se mantêm úteis para os espíritos, tendo em vista as funções inerentes a cada um, dentro da natureza fluídica da essência semimaterial do etéreo, pelo menos daquela em que vibramos nós da Escolinha de Evangelização. Por falar desta instituição escolar dentro da colônia, diversos colegas antigos deram comunicações, através de nosso médium, onde explicaram os multíplices aspectos que adquirem os sentidos, para que realizem o contato com a realidade externa e, ainda mais, para passarem aos encarnados as notícias que mereceram aprovação.
Poderíamos ter feito referência ao nariz, à língua, aos olhos e à pele, qualquer dos instrumentos de que são dotados normalmente os encarnados.
Aí, alguns estudiosos bem gabaritados no conhecimento dos textos de muitos autores, desde os contidos nas obras de Allan Kardec, irão recordar-se de que as informações mais substanciosas aludem à existência de algo semelhante, parecido, análogo, e não a aparelhos sensitivos com as mesmas propriedades de uso junto aos elementos condutores das sensações até o núcleo cerebral de tradução, entre os seres animados da Crosta.
Neste ponto, valeria a pena recordar que cada espécie animal e, mesmo, vegetal tem recursos específicos para a compreensão do hábitat? Estudos recentes demonstram que a visão, por exemplo, é extremamente diferenciada, podendo alguns enxergar as cores, outros serem capazes de ver na escuridão, sendo que existem também aqueles que não têm nenhum poder de dimensionar os objetos através desse meio orgânico.
E o que se passa com o indivíduo que recentemente se despediu da carne? Terá condições de aplicar os novos sensores de imediato, o que nem mesmo os homens fazem assim que nascem? Precisarão adaptar-se durante um período mais ou menos longo, de acordo com seu nível de adiantamento? Por outra, valerá a pena conhecer estes itens antecipadamente, se tudo irá depender de fatores impossíveis de serem regidos pela vontade? Haverá vontade, ao menos?
Se formos reproduzir todas as questões encontradiças entre os humanos, não progrediremos em nosso texto. Mas podemos, generalizando muito, afiançar que os que chegam trazem as estruturas corpóreas impressas na mente espiritual, de modo que podem adaptar o sistema conhecido à realidade circunjacente, a qual, por deferência dos guardiães, reproduzem as condições materiais.
Se o espírito carrega grandes débitos, irá reabsorver as vibrações de maldade que emite, sem contemplação dos obsessores, que comparecem para a desforra, para o acinte, para a agressão, aproveitando-se das formas que se cristalizaram no pensamento mais denso da criatura, o que lhe dará a impressão exata de que prossegue com os mesmos sentidos, segundo a representação mental dos órgãos.
Se o espírito for recebido pelos amigos, pelos protetores, pelas pessoas amadas, em festa de imensa alegria pelo progresso alcançado, também passará por período de impregnação espiritual dos efeitos da felicidade, pelo abraço reconfortador, pela música de elevação moral, pelo incenso oloroso do deleite afetivo, pela visão sublime do halo das entidades queridas e até pelos brindes comemorativos em que o líqüido degustado traz a intuição do néctar.
Contudo, tanto no caso anterior como neste último, aos poucos, as impressões vão tornando-se meramente morais, resultando as queimaduras, esfoladuras e dores de cabeça, em sofrimentos da alma; enquanto as alegrias corpóreas vão tomando as fibras perispiríticas, dispondo-se como sensações de plenitude de beleza e de felicidade.
Eis que pintamos, em grossas pinceladas, o quadro do regresso ao etéreo da maior parte dos humanos. Existem, ainda, casos terríveis e assombrosos de gente que, logo ao arribar, perde o senso da individualidade, incorporando-se às levas ou legiões de seres extremamente infelizes, quase a justificar o epíteto de demoníacos. Outros ascendem, pelas mãos dos mensageiros de Jesus, no gozo de pleno equilíbrio espiritual, aos páramos em que se encontram os grandes vitoriosos dos vícios e das imperfeições morais.
Dissemos que existem descrições mais fiéis que a nossa, para o interesse de quem deseja, desde já, preparar-se para a recepção merecida. O nosso intento, todavia, direciona-se para outro objetivo, qual seja, o de alertar para o fato de que o arrefecimento das atividades sensórias que ocorre na velhice não estabelece o parâmetro do que se irá encontrar após a desencarnação, uma vez que vale para a configuração do corpo etéreo o vigor moral. Muitas vezes, velhinhos desprovidos da visão e da audição, por exemplo, recuperam esses instrumentos de absorção da realidade, para provimento de bonança e satisfação pelos companheiros para sua jornada no plano em que está emergindo.
Visamos um pouco além, isto é, queremos que os leitores vislumbrem a possibilidade de ação imediata junto aos grupos de socorristas, para o que devem dar ênfase não apenas ao procedimento evangelizado rigorosamente dentro dos padrões das principais virtudes, mas que se estimulem para os encargos de responsabilidade, convictos de que tudo o que possam ter realizado no campo do bem, em prol dos semelhantes, não preencheu a quota de benemerência possível de concretizar-se em diversas existências inteiramente dedicadas ao alívio dos sofrimentos alheios.
Se o amigo tiver a consciência de que tudo fez segundo as suas condições relativas de perfeição, seja no seio de que religião ou de que doutrina for, precisa temer a si mesmo, pela cobrança quase infalível do reconhecimento de seus dotes e conquistas espirituais. Ainda que saiba que agiu sempre em consonância com a palavra do Cristo, tenha o cuidado de avaliar que falhas existem sutis no âmago da personalidade e rogue aos anjos guardiães por mais discernimento e mais serviço.
Teremos demonstrado qual caminho há de ser o melhor para cada um? Esperamos que sim, especificamente quanto ao emprego da inteligência para a superação do transe do sensório e para a criação mental da realidade do etéreo. Se, ao aqui chegarem, tentarem estender a mão e perceberem que não existe mão, podem concluir que não estão tão atrasados, faltando apenas compenetrar-se de que são portadores de sentidos muito mais aguçados e perfeitos. Eis que se conciliam os informes acima com os recursos da fé, da esperança e da caridade.
No último alento, reservar um sentimento amoroso e um pensamento agradecido, em prece ao Criador.
Deus esteja sempre em nossos corações!
Plácida.



24. PLURALIDADE EXISTENCIAL

É universalmente reconhecida a condição de renascimento das criaturas. Ainda que se não aceite o fato de o mesmo indivíduo volver ao mundo dos vivos, é indiscutível que dos seres existentes é que nascem outros que lhes dão continuidade à espécie. Entretanto, quantas espécies já desapareceram da face da Terra, extintas pelas razões mais variadas! O próprio homem é recente e se espera que subsista apenas por mais alguns milênios, pelos cálculos que os próprios geneticistas realizam.
— É, pois, da natureza animal o surgir e o desaparecer, segundo as condições ambientais?
Sem dúvida, porque as espécies cumprem programações específicas. Vamos ater-nos à própria vida humana. Para que serve viver no envoltório carnal? Não está claro para quem tem formação espírita que as pessoas tendem ao aperfeiçoamento espiritual? Não é verdade que se propugna a perfeição, para ingresso nos campos sacratíssimos do Senhor? Então, quando todos os espíritos dessa faixa evolutiva, que denominamos de hominal, estiverem em condições de freqüentar o círculo seguinte, irão desligar-se mecanicamente das atrações terrestres. Ora, não restando interesse em vincular-se ao corpo material, não haverá por que manter-se tal estrutura, possibilitando-se o aparecimento de outras espécies para aproveitamento do ambiente específico do planeta.
— Podemos inferir que os dinossauros, apenas para exemplificar, deixaram de existir por se haverem transferido para outro círculo existencial?
A questão está mal formulada. Do jeito que se fez a pergunta, a impressão que se tem é de que os dinossauros foram habitar regiões mais espiritualizadas, em outras esferas, círculos ou planetas, conforme o apelido que se queira dar a esses logradouros. A verdade é bem outra, qual seja, que os dinossauros desapareceram da face da Terra como dinossauros, mas permaneceram em sua caminhada evolutiva aqui mesmo, nascendo em outros corpos melhor preparados para seus espíritos ou almas (ou sopros divinos, como se queira caracterizar o fulcro vital e energético que lhes dá a contextura de seres criados por Deus).
— Quer dizer que existe a transmigração de almas?
Pergunta sucinta demais para não merecer reparos. O que acontece é que os elementos materiais que compõem as estruturas dos seres vivos se desenvolve, adquirindo sistemas de sustentação vital cada vez mais complexos, no sentido de melhor adaptação ao meio ambiente. Simples estudo dos animais há de provar o aspecto meramente evolutivo dos seres vivos, embora tal progresso do conhecimento seja recentíssimo dentro da história da humanidade. Não é preciso ser muito sabido para concluir que espíritos mais evoluídos exijam corpos melhor urdidos para recebê-los, no sentido de oferecer-lhes os meios adequados para a realização de vidas mais produtivas, quanto ao aspecto da aquisição dos recursos disponíveis para o progresso, em todos os sentidos.
— Sendo assim, não podemos suspeitar de que a raça humana, quando totalmente evangelizada, volverá ao plano terreno para, em corpos mais propensos à aplicação das diretrizes e normas evolutivas em estágio um grau acima, prosseguir na caminhada ascendente rumo ao reino da bem-aventurança?
Nada a objetar nesse aspecto. A indução é válida e preenche todos os requisitos das premissas. No entanto, a realidade que temos observado, a partir da melhoria dos seres desencarnados, nos obriga a outras considerações, no favorecimento de se desejarem ambientes menos ásperos, menos grosseiros, menos dolorosos e também menos dramáticos, porque os seres vivos tendem à morte, ou seja, criam a expectativa da perda da condição atual, através da degenerescência material. Se, porém, forem superados tais transes e os indivíduos conseguirem aperfeiçoar o sistema da mediunidade, a ponto de se facultarem a integração com os protetores e benfeitores espirituais, eliminando-se, portanto, os problemas psíquicos próprios da natureza humana, cremos que os arquitetos do universo, sob a orientação de Jesus, poderão estruturar novos organismos, neste mesmo plano cósmico, para residência provisória de espíritos mais adiantados.
— Eis que o Espiritismo vem com mensagens absurdas, com promessas de locais paradisíacos, com suposições fantasiosas, com a mente aberta para os eventos do presente, em função de válida análise do passado, mas com evidente perturbação quando elabora suas teses para o futuro. Não será preferível falar da pluralidade existencial, definindo tão-só duas realidades: a carnal e a espiritual, deixando para Deus aquilo que somente ele conhece, ou seja, o devenir das criaturas?
Preferível até poderia ser, se quiséssemos captar a simpatia dos irmãos com a finalidade de atraí-los para as casas de benemerência do movimento kardecista, com a alma descansada quanto às certezas que se adquirem a partir do conhecimento, da crença ou da pressuposição de que a natureza humana é dupla. Até aí concordaríamos, mas o Espiritismo, como doutrina que prega a evolução por norma existencial, não pode estagnar nos conceitos dos primeiros tempos. Sendo assim, julgamos conveniente contribuir com algumas idéias conseqüentes dos desenvolvimentos doutrinários, para dar empuxo ao sentido de renovação proposto por Allan Kardec, mesmo que o nosso contributo não corresponda aos anseios dos leitores, porque demasiado preso à perspectiva curricular desta classe, segundo a nossa capacidade de intuir e de redigir. De qualquer maneira, que valha o epíteto que nos demos de Turma dos Apelos Emocionais, caso as nossas razões se considerem por demais pueris.
Quanto à observação sobre o conhecimento do futuro por parte de Deus, mereceria comentários extensos, para além dos limites desta dissertação. Quem sabe algum colega se atreva a eles.
No que se pode considerar simples sistema de enunciação didática, aplicamos o que de melhor possuímos na composição do ideário socorrista, buscando ativar os centros de interesse dos encarnados para os conhecimentos sobre cuja importância não se cansam os mentores de chamar a atenção. Não são os temas os que melhor correspondem às noções de que necessitam os leitores? Paciência! Um dia todos estaremos de volta ao plano terreno para o gozo de paradisíaca felicidade, em corpos mais resistentes aos ataques externos, ou nos encontraremos em círculos de existência menos material.
Quem viver, verá, ou seja, todos veremos.
Requerendo dos amigos compreensão para os dizeres não muito severos, rogamos ao Pai que nos abençoe e ilumine.
Deste que, em vida, se dedicou aos pobres, envergando a túnica dos beneditinos,
Tomás.



25. O SABER COMO INFORMAÇÃO MEDIÚNICA

Muito se tem requerido do etéreo que dê aos humanos todos os conhecimentos que lhes faltam para crescerem em harmonia com sua capacidade de exercer poder sobre a natureza e sobre a sociedade. Ninguém que roga por habilidades nos diferentes campos científicos se satisfaz com simplesmente adquirir as faculdades intelectivas para compreensão dos fenômenos. Mesmo aquele para quem é fornecido simples aparato, sem a contraprova factual, logo se põe a divulgar as idéias, não vendendo o produto acabado mas a singela intuição.
Vamos limitar-nos a estas longas manifestações e verificaremos quão poucos são os pontos em que acrescentamos alguma noção nova ou inusitada ao acervo depositado nas bibliotecas gerais ou espíritas. Ainda assim, muitos leitores se aproximam dos textos com o interesse aguçado pelas novidades, pelos pontos de vista surpreendentes, pelos relatos reveladores e pelas descrições técnicas das organizações estruturadas pelo prisma da realidade do plano em que existimos.
Se dissermos para as pessoas serem boas, segundo os padrões de Jesus, ficarão altamente decepcionadas com os mensageiros, dizendo-nos pobres de espírito, reconhecendo, embora, no fundo dos corações e das consciências que nada melhor poderíamos ensinar. Mas, e as emoções, os delíquios pelo primor da composição, os enredos intrincados que se resolvem de maneira a possibilitar ao ego o orgulho de se sentir fortemente amparado pelo Senhor, dado que é possível entender cada pequenino raciocínio, cada minúscula intenção, cada mínimo pensamento? Não foi possível atender aos apelos dos estímulos sentimentais? Então, vamos pôr de lado a leitura menos floreada pelos artifícios da retórica do belo, do simétrico, do prazer das descobertas e das invenções...
Quando viva, li muitas obras da literatura geral e da espírita. Mas não prestei atenção ao instigar para os estudos mais sérios, tanto que deixei de lado as obras da codificação, preferindo ler os romances, chegando a menosprezar aqueles que davam primazia às lições em detrimento dos dramas e proezas das personagens. Se pegasse um texto como este, largava-o antes de terminar o primeiro parágrafo. Quanto venho lamentando tão iníqua iniciativa! Se pudesse volver no tempo...
Mas quem sabe o futuro das pessoas, quando se está imerso na carne? Todos saberiam, se se dedicassem a ler as advertências dos mais experientes, como, no caso, esta mesma exposição, bastando analisar com alguma detença os seus próprios pendores intelectuais e correlatos componentes afetivos.
Se me perguntarem se existe fatalismo ou determinismo neste aspecto que venho elegendo como temática, posso afirmar que sim, porque tudo quanto se realiza com objetivos definidos pelo usuário e não pelo provedor irá esbarrar, inevitavelmente, no defeito de se esperar da realidade apenas o que nos interessa ou nos impulsiona, o que nos fará fenecer as oportunidades de imersão nas fontes do saber que estiverem sob nossos olhos.
Aqui, posso citar Jesus quando nos pediu que tivéssemos olhos de ver e ouvidos de ouvir. Ou não? Não disse acima que tudo se encontra nos Evangelhos? Pois assevero agora que existe um mundo de informações acrescentadas a eles. No que tange ao saber espírita, há a necessidade da leitura atenta, analítica, crítica, isolada e em conjunto, de todos os livros editados por Allan Kardec, mesmo que sejam levantados alguns tópicos em que a ciência moderna dispôs diferentemente, porque mais evoluída. Não importa. O que é preciso é ultrapassar os meros objetivos da regalia de uso dos pendores pessoais, para o sacrifício exigido naturalmente pelo exame, pelo estudo, pela assimilação e pela aplicação dos conteúdos, perpassando pela impermeabilidade formal de muitos textos menos condescendentes, menos concessivos, menos inteligíveis.
Não quero chegar ao exagero de afirmar que os autores não possam amenizar as composições, pois não estou lidando com a confecção. Estou, sim, pleiteando junto aos leitores que se esmerem em sua educação, em sua disciplina, em seu esforço, em sua labuta e em seu trabalho de decifração das palavras, das frases, dos períodos, dos parágrafos e também das entrelinhas. Para tanto, nada haverá de ser automático, senão que devem aplicar ao esquadrinhamento dos temas, a criatividade das descobertas, sem o ônus das invenções.
Deveria deixar sem explicação o último período, entretanto, vou revelar o sentido que desejei atribuir ao pensamento, favorecendo a mente dos leitores, para que percebam que os dizeres expressam um significado predominante, podendo estar impregnados deste ou daquele sentimento. Podem existir duas idéias conjuntas, segundo a intenção do autor, havendo, mesmo, quem atribua aos textos a condição de serem entendidos por todas as pessoas, caso em que o leque das conotações fica cuidadosamente aberto. Para quem segue os meus raciocínios, haverá dúvida quanto ao cerceamento das apreciações a um único e inflexível entendimento?
Dei exemplo (espero que de modo lúdico e interessante) de como os dados científicos que se imprimem nos textos mediúnicos repetem o saber dos humanos, sendo suficiente conhecer um pouco de Lingüística para retratar, em foto três por quatro, as parcas e deficientes notícias acima transmitidas.
Se esta informante do etéreo tanto sabe, por que não empregou os critérios em suas divagações filosóficas e doutrinárias, enquanto vivia? Sem dúvida, tê-lo-ia feito se fosse dona deles. Ocorre que o desprezo pela ciência, ou melhor, a predileção pela diversão e pelo gozo literário representou o desleixo quanto aos equipamentos de que estava dotada, o que deu origem à necessidade de volver aos objetivos da encarnação, para realizar, no etéreo, os tópicos que ficaram para trás.
Se justifiquei a existência da Escolinha de Evangelização e de tantos outros institutos de educação e ciência nas colônias espirituais, ficarei muito satisfeita e terei prestado o serviço que me competia.
Apenas para encerrar, reforço o ponto nevrálgico da compreensão integral do tema da redação, qual seja, o de que não se configura simples, jamais, o entendimento destas manifestações, porque resumem vidas inteiras despendidas na concretização dos ideais superiores da verdade. Vejam, por exemplo, que o sofrimento desta pobre criatura esteve sempre no âmbito restrito da consciência. Mas pergunto: não poderia haver induzido que outros espíritos menos aquinhoados levantaram acusações de malversação dos poderes doados pelo Criador para a divulgação doutrinária?...
Peço, humildemente, perdão aos amigos, caso tenha deixado no ar certo incômodo, certo sentimento de frustração ou alguma noção que devera ter merecido melhor desenvolvimento.
Jesus nos abençoe e intervenha junto ao Pai para propiciar a nós todos as melhores condições de crescimento espiritual!
Graças a Deus!
Laurita.



26. BOÊMIA

— Não se sentem nunca cansados os do etéreo, com as suas mensagens sobre tantos assuntos?
Verdadeiramente, uma transmissão diária, sob a responsabilidade de um dos quarenta da classe, é pouquíssimo em relação ao muito que têm os encarnados para ler. Isso se apenas computarmos os ditados deste nosso mediador. Somando o trabalho de milhares de trabalhadores a serviço dos espíritos, seria impossível a leitura e, até mesmo, a publicação de tanto material.
Mas o tema se volve para a utilização do tempo na manufatura dos textos. Neste ponto, temos de esclarecer que a elaboração de cada página representa muitas horas de meditação, de pesquisa e de adequação, o que se alcança através da orientação do mentor e da ajuda dos parceiros.
A meditação remete o autor à análise de sua própria vida, em geral a derradeira, para extração de defeito, de erro ou de culpabilidade, o que servirá de auxílio aos leitores. De preferência, o problema deve ser descrito desde as origens até a metodologia aplicada para o saneamento.
A pesquisa visa à busca das versões que trataram do tema, não só junto à obra aqui produzida, como também no que respeita a quantos autores do etéreo transmitiram para os humanos. Indo um pouco além, examinam-se os pontos de vista, para o acerto das noções não tratadas satisfatoriamente, o que nos força a diversas discussões. Para os debates, cada elemento do grupo deve trazer de memória, rascunhados ou copiados os pensamentos que julgarem os mais expressivos.
A adequação deve prever dois momentos importantes: o estilo do autor e a linha redacional da classe, estilo e linha interdependentes, para que se uniformizem e se distingam as composições.
Nesse trabalho, gastam-se muitos dias, até que se definam os traços gerais do assunto. Não há momento algum de descanso, porque, até quando nos recolhemos aos apartamentos, nos ficam as preocupações quanto a escrever com originalidade a respeito de algo sobre que os leitores não pensaram de forma a esgotar as intuições ou a ciência.
Seja o exemplo deste mesmo texto. Não é verdade que estamos suando a camisa para a demonstração das atividades das entidades espirituais, como fruto de integral participação em equipe que se programou para valiosa contribuição mediúnica? Se tudo o que dissermos não trouxer uma novidadezinha que seja, perderemos o esforço e teria sido melhor se houvéssemos ficado a contemplar o desempenho de outros colegas, como existem tantos que nos vêm visitar com o intuito de absorver alguns conhecimentos de que carecem.
Também, para efeito de argumentação, existem os aspectos formais que não se coadunam com a mentalidade de muitos dos leitores, atraídos para a obra, talvez, pelo rótulo sugestivo, pela recomendação dos amigos, pela obrigação do curso em que tiver sido adotada, pela idéia de que sempre se poderá tirar proveito de cada título etc. Que fazer para contentar a todos? Ser o mais crítico possível em relação ao próprio resultado final, na prevenção de que nem todos serão alcançados apenas pela argumentação, pelas informações ou pelas palavras em que se vazam os conhecimentos.
Dissemos que uma das fases corresponde a muitos dias de meditação, com o fito de se caracterizarem os melhores temas, em função da vivência dos autores. No meu caso, estive quase cedendo à tentação de demonstrar os problemas e as soluções que obtive para eliminar o terrível hábito de desperdício do tempo, uma vez que vivi na boêmia, transando bebidas e diversões noturnas, jogando muita conversa fora, na mais legítima configuração do perdulário que gasta e não aplica, fugindo de cumprir a recomendação do Cristo.
Contudo, arrepiei caminho, porque considerei, tendo sido alertado por Dorismundo, que o meu público não estaria entranhado na vida noturna, uma vez que estamos cientes de escrever para espíritas de carteirinha. Por isso, restrinjo-me a apresentar-me como um ser humano esperto, sempre pronto a levar vantagem em tudo, dando jeitinho para me dar bem com as pessoas do meio e da família.
Aqui caberiam considerações de ordem financeira, mas resumo, assegurando que, por mal dos meus pecados, recebi gorda herança, podendo viver na flauta, na qualidade de playboy.
Como é fácil de notar, avancei bastante na primeira redação, tanto que mantive, para comprovação, algumas expressões peculiares à linguagem coloquial, tendo o cuidado de escolher as que se mantêm no repertório dos leitores visados.
Finalmente, a pergunta a seguir recairia, com rigor, na área dos próximos serviços a serem requeridos a cada aluno da classe, assim que encerrarmos os ditados.
Poderemos pleitear permanecer juntos, através de exame acurado da tendência coletiva, todavia, seremos submetidos a diversas baterias de testes para caracterização individual dos objetivos mais importantes, em função dos ganhos que se assinalarem, em cotejo com o desempenho anterior. Somente depois disso é que, realmente, iremos saber quais os tópicos pessoais que deveremos postergar e quais os que foram eleitos pelo conjunto dos membros da classe. Definidos os interesses, prosseguiremos trabalhando, sem condescender jamais com os vícios que se não implodiram, seja o da ociosidade vadia, seja o da preguiça inoperante, seja o da mandriice perniciosa, seja o da pachorra modorrenta, seja o da insatisfação ou rebeldia transvestidas em indolência etc.
Quando fiz questão de mencionar as várias etapas da feitura da mensagem, como também o grau de inquietação relativo ao projeto, não deixei claro que os problemas persistiam no íntimo da consciência. Pois digo-o agora com todas as letras: a eliminação dos defeitos apenas se efetivará a partir do momento em que não se constituir mais em motivo para desenvolvimentos ao nível das tribulações emocionais, servindo a temática tão-só para as exposições de cunho didático ou científico, o que não é o caso da presente dissertação. Revestidas pelas belas palavras do arquivo do médium ou sugeridas pelo Professor Dorismundo, as emoções até que se camuflam razoavelmente, mas o gato mostra o rabo nas imprecisões do conjunto ou nas singularidades do autor.
Invoquemos a Jesus nas orações e teremos forças para arremeter-nos até o fim dos intentos mais sublimes.
Salvador.



27. NOTÍCIAS DO ALÉM

Aguçam a audição todos os que se vêem diante da possibilidade das informações de caráter particular, seja no recôndito do coração aureolado pelos impulsos de luminosa mediunidade, seja no seio das casas espíritas, junto às mesas evangélicas, onde se desenrola trabalho de amor e benemerência.
No entanto, não poucas vezes se frustram as expectativas, pois as notícias não correspondem aos desejos, havendo, mesmo, quem receba correspondência em que, em lugar de se elogiarem e enaltecerem as atividades dos mortais, se censuram e se recomenda mais atenção quanto aos procedimentos do dia-a-dia.
Nós da turma não perdemos inteiramente o vezo dessa ânsia, dado que, sempre que chegam comunicações do mais além, esperamos encontrar referências de aplauso e de confirmação, quanto aos trabalhos realizados, bem ainda informes de parentes e amigos mais felizes por poderem observar o nosso desempenho existencial.
— Mas é natural que seja assim, quando se tem a consciência do bem e do amor ao próximo!
Quem nos assegura, porém, que os serviços prestados estejam entre os que representam o ápice da capacidade?
É o descortino superior que vai habilitar-nos a prosseguir na estrada da bem-aventurança, superando as dificuldades; e não os comentários alheios, ainda que provindos de seres de esplêndida bondade e radiosa luz.
— Está a parecer ilógica a afirmação. Quem é que não gostaria de se ver na ordem do dia dos merecedores de condecorações, pelo reconhecimento oficial do mérito?
Ocorre que, quando os mestres nos dão tapinhas nas costas, em gesto de aprovação, sabemos que estamos no caminho certo, mas não temos a certeza de quantos hajam sido os pontos acumulados no escore do entendimento do valor de cada moedinha de caridade que depositamos nos chapéus que nos estendem os menos felizes.
A bem da verdade, quem é que não tem canequinha a expor aos abonados passantes? Quando estamos reunidos, mutuamente nos amparamos, pela semelhança das falhas, dos defeitos e dos erros. Entretanto, se não abrimos os corações e não relatamos o que nos vai lá no fundo, com discernimento suficiente para bem definir os pontos negros e misteriosos, queda inútil o sofrimento coletivo no muro das lamentações em que se transforma a sala de aula. Nesse momento, juntamos a carência e recebemos a esmola coletiva do mentor da classe.
— Não poderemos considerar os escritos individuais como contribuições mais ou menos sagazes, mais ou menos apropriadas, mais ou menos felizes, para que os leitores tenham oportunidade de suspender a correria material, para imersão nas profundezas das águas conscienciais, ou seja, espirituais?
Na Terra, freqüentava centro espírita de poderosos médiuns e ilustres doutrinadores. Sabem qual era o meu principal defeito? Justamente o de aguardar por notícias dos entes queridos, fato que se dava em quase todas as sessões. Então, por critérios que só abandonei depois de me matricular na Escolinha, levava para casa a impressão de que tinha sido iludida por espíritos obsessores. Não houve uma única informação a que tenha dado crédito integral. Sempre faltava algum indício que pudesse tornar a mensagem inequívoca.
Houve um dia assinalado por um fato que me deixou impressionada, mas apenas no momento. Foi quando meu irmão que morrera jovenzinho me pediu que orasse por ele, citando o nome carinhoso que só eu lhe atribuía. Chorei e me emocionei, deveras. Ao chegar em casa, contudo, tinha colocado na mente a sementinha da dúvida. Pensei em que, nos últimos tempos, vinha lembrando-me dele constantemente, chamando-o por aquele apelido. Aí, lucubrei que era muito provável que algum espírito ruim me ouvira e, por isso, fora capaz de tomar o lugar do meu irmãozinho. Justificava o fato julgando ser impossível que criatura tão adiantada como ele viesse para rogar por orações.
Não preciso dizer que hoje tenho conhecimento exato de todas as injustiças que pratiquei contra os espíritos obsessores em geral e de todas as perdas das oportunidades de obter concessões de paz e de tranqüilidade para os parentes e amigos.
— Para que serve relatar a falta de tato ou de inteligência de entidade tão canhestra?
É que desejo prevenir os leitores quanto às falsas ilações no que respeita às dúvidas contra as pessoas ou os espíritos, uma vez que nada haverá de concreto, de definitivo, de palpável nos raciocínios, sem o de acordo da realidade.
A solução para o afastamento das más intuições não reside em dar cem por cento de crédito a todas as informações que chegam por via mediúnica, nem em configurar que sejam plausíveis, satisfatórias e verossímeis. O que é preciso é operar com fé, com esperança e com caridade, na crença em que o bem não deve ser feito com reparos, com prevenções, com insegurança.
Recomendo que se releia o texto de Kardec transcrito no frontispício da obra, porque estou altamente desconfiada (vejam só!) de que os amigos não queiram aceitar as ponderações de reles espíritos rotulados como aluninhos de certa instituição escolar. E se lhes parecer que estou incidindo no defeito que acusei como nocivo ao desenvolvimento das virtudes evangélicas, que lhes valha a nossa maneira de explicar os pontos que nos caracterizam a personalidade.
Desejo ressaltar o jogo de singular e plural da primeira pessoa dos verbos acima empregados, num momento, assumindo eu a responsabilidade das assertivas; noutra hora, assinalando o que corresponde às atividades do grupo. Não será o mesmo que substituir um nome por outro, para o fornecimento das notícias do além? Se lhes pedir que orem por mim, não hesitem, porque o seu movimento de caridade, de fé e de esperança sempre haverá de ser de bom proveito para alguém carente.
Seria perigoso asseverar que a pureza das preces em favor dos irmãos também há de propiciar conforto e luz para o emissor? Pois que cada qual se compenetre de que não esteja, ao rezar, buscando trocar favores, como quem comparece aos encontros mediúnicos para satisfação dos anseios da complacência dos protetores.
Confiemos em que Jesus é sempre por nós.
Graças a Deus!
10.07.97.



28. A CATAPULTA

Analisemos o verbete catapulta, conforme se encontra no Dicionário Aurélio Eletrônico:
Catapulta [Do gr. katapéltes, pelo lat. catapulta.] S. f. 1. Mil. Ant. Engenho de guerra usado na Antiguidade para lançar pedras ou dardos de grande tamanho contra tropas e/ou fortificações inimigas. 2. Bras. Constr. Nav. Engenho muito usado a bordo de navios de guerra, sobretudo navios-aeródromos, para auxiliar aviões a levantarem vôo num espaço pequeno, e constituído de um trilho montado numa plataforma especial, sobre o qual desliza em corrediça uma carreta (à qual o avião é preso) impulsionada pela detonação de uma carga explosiva ou por um sistema de ar comprimido ou de vapor de água.
O que chama desde logo a atenção é o fato de que o aparelho primitivo era um engenho de guerra, enquanto, agora, o mesmo termo se aplica a engenho muito usado a bordo de navios de guerra.
Se bem que o dispositivo técnico se assemelhe, tanto que o nome antigo foi atribuído ao artefato moderno, apresenta uma evolução, porque não é difícil de conceber-se que as manobras aéreas dos aviões que decolam dos navios podem perfeitamente estabelecer vínculos de paz entre os povos, em situações as mais variadas.
O cotejo que reclamamos dos leitores amigos talvez não exigisse tão rebuscada introdução, porque desejamos apenas que se imaginem vivos à época em que a catapulta era empregada para lançar pedras ou dardos contra tropas e/ou fortificações inimigas. Vocês seriam capazes de se virem manejando o pesado aparelho ou prefeririam dispor-se como o alvo dos arremessos?
— Temos escolha ou devemos buscar as reminiscências relativas a essa época?
Está claro que desejaríamos insuflar-lhes na mente a necessidade da recordação objetiva dos fatos reais vividos em extrema situação de estresse, qual seja, o de participar de batalhas.
— Por que, então, não nos pedem para adentrarmos o passado, em qualquer manifestação de vida em cuja realização se deram participações em entreveros de natureza tão dramática?
Elegemos a catapulta como ponto de referência para o cotejo com o momento atual. Agora, em sua presente encarnação, Vocês já se viram envolvidos em episódios dependentes das catapultas dos porta-aviões?
— Não é comum estarmos sob a mira dos bólides aéreos que representam os caças militares. Cremos que bem poucos de nós teremos ensejo de responder afirmativamente. Contudo, se é para efetuarmos a mesma acrobacia mental, ou seja, se devemos apontar acontecimentos em que a agressividade nossa ou alheia foi posta em ação, em combates coletivos ou singulares, não poderemos esquecer dos dias em que fomos atacados ou atacamos, física ou verbalmente (e até mesmo através de pensamentos violentos). Acreditamos que bem poucos não terão casos para contar.
Pois bem, pelo teor das respostas, podemos avaliar aspecto muito importante quanto ao procedimento mais comum dos encarnados, qual seja o de que todos são envolvidos por acontecimentos em que há a utilização da força a coagir as pessoas.
Quando asseveramos que os aviões podem sair em missões pacíficas, estamos, na verdade, propugnando que o recurso tecnológico seja aplicado em função de todo contrária ao primeiro objetivo.
— Como conciliar as explicações anteriores ao comportamento moral dos indivíduos?
Eis o fulcro da questão. Se as almas estão preparadas para o combate, para o revide e para o enfrentamento das barreiras que se interpõem entre o desejo de progredir e a necessidade de agir em área de litígio, dificilmente haverão de compreender o ensino de Jesus do perdão e da reconciliação. Entretanto, pelas premissas que estabelecemos, não será impossível transformar o elã das reações mais fortes em motivações ou atributos de superação das crises entre os seres.
Muitíssimas virtudes deverão desenvolver-se para a transformação íntima da ênfase que se dá ao poder de imposição de uns sobre os outros. Nem quando os santos (vamos assim chamar os que procedem em harmonia com as normas da moralidade suprema) se dispõem a sofrer o martírio da incompreensão ou a tortura do desamor e da indiferença, estão imunes à latente agressividade canalizada para o perdão ou sublimada para a oportuna assistência aos inimigos.
No ritmo destas apresentações de problemas, deve ter ficado claro que sofri deveras com o meu instinto de perversidade na última romagem terrena. Mas a minha história empalidece perante a criminalidade em ascensão nos aglomerados urbanos, em que as armas a serviço dos vícios lhes determinam a organização econômica e política. Quando não são os objetos mas as idéias consumadas na legislação que exercem poder junto aos oprimidos, também temos a violência a imperar nos corações dos exploradores e das vítimas, configurada no sistema de ameaças e não, como deveria ser, no de proteção e apoio.
Como um erro não justifica outro, paguei o preço da rebeldia e caí prostrada em leito hospitalar desta colônia, com a consciência em rebuliço pelos males que pratiquei, vejam só, contra meus pais, meus irmãos, meu esposo e meus filhos, no recesso do lar.
Não quero esmiuçar os pequeninos deslizes, para não cair no roteiro das pressões pessoais, preferindo espraiar os pensamentos para os aparatos bélicos a serviço dos grandes conflitos. Se não fosse assim, iria correr o risco de agredir as minhas irmãs caseiras, que, como eu, se julgam rainhas em seus ambientes domésticos. Se a minha participação, porém, ajudar nas reflexões de que existem catapultas educacionais dentro dos sentimentos maternos e paternos, terei alcançado o meu objetivo.
Para finalizar, cito provérbio latino adequado ao meu tema: se queres a paz, prepara-te para a guerra. (Si vis pacem, para bellum.) Não posso resistir à tentação de observar que para bellum (prepara-te para a guerra) acabou por designar certa pistola automática, de procedência alemã, a parabélum, em acréscimo de violência ao primitivo refrão. Não é curiosa a história das expressões idiomáticas?
Que Jesus se constitua em nosso protetor contra as vibrações de desagrado de quem não nos suporta a personalidade, por crer em que estamos exercendo tiranicamente o poder de discutir os defeitos humanos! Não é assim que os amigos se sentem quando são mal interpretados, tendo sido a sua intenção a de fazer o bem?
Que nota haverá de merecer a minha mensagem?
Adriana.



29. AS REGALIAS DO BOM SERVIDOR


De pronto, devemos retirar do pensamento dos leitores a idéia de que servimos com o fito de merecer encômios e recompensas dos mestres e dos espíritos bem postados na escala evolutiva. Queremos asseverar que nem mesmo os louvores e agradecimentos dos que se encontram mais abaixo e que receberam a nossa ajuda são o alvo dos esforços e sacrifícios.
Mas a verdade é que somos aquinhoados com regalias imensas, ao nos dispormos com boa vontade, fé e esperança na prática de qualquer ato de benemerência, por amor ao Cristo. É como se tivéssemos registrada na alma a felicidade do servir, precisando ser acionada pelos mecanismos da dedicação lúcida e intensiva aos semelhantes.
— Significa que os amigos mensageiros do grupo são almas de eleição, nas zonas fronteiriças da angelitude?
De maneira alguma. Buscamos preencher alguns requisitos das virtudes emanadas das lições de Jesus, sob orientação dos mestres da Escolinha de Evangelização. Para deixar definitivamente esclarecido, devemos dizer que nenhum de nós, ao nos matricularmos, trouxemos o mesmo discernimento que hoje evidenciamos, porque não tínhamos atinado sequer com as necessidades individuais. Foram as tarefas na forma de exercícios escolares que nos desenvolveram a faculdade de absorção de algumas qualidades, para podermos apresentar-nos mediunicamente aos companheiros encarnados. Se não fosse assim, impedidos teríamos sido de enfrentar a missão.
— Sugere o parágrafo acima que um dos beneplácitos da boa vontade dos mensageiros reside no fato de poderem exercer o auxílio evangélico por este meio até certo ponto extravagante?
Queremos entender o adjetivo extravagante. Terá sido aplicado no sentido de ser método pouco difundido entre os humanos, sendo, inclusive, aceito com restrições junto ao movimento espírita? Se for essa a acepção do termo, que nos valha, então, a oportunidade de explicar que o bem se realiza de maneira pessoal e direta, para que possa valer para a tomada de consciência dos fatores da alegria, da bonança, da serenidade e da paz.
Quando passamos os ditados, ficamos na expectativa das leituras, que podem ser proveitosas ou não. Proveitosas haverão de ser para quantos se dispuserem a refletir sobre cada idéia que expendermos, mas com a mente aberta para a possibilidade de estarem certas e de se constituírem em motivações para novos apanhados temáticos, com o intento de se expandirem os limites dos conhecimentos espíritas, ainda que no âmbito tão-só do aparato mental de cada amigo leitor. Mais proveitosas serão se estimularem os pregadores, expositores e orientadores de cursos ao emprego da inteligência, no sentido de conduzir os auditórios, discípulos e prosélitos a melhores formulações teóricas da doutrina, sempre com vistas a tornar a prática espírita mais próxima dos valores cristãos.
Não poderão ser proveitosas as leituras que se manifestarem arredias à aceitação da possibilidade de nova visão dos pontos de vista, justamente quando os estudiosos se dão por satisfeitos com o quanto de informações tenham conseguido, fechando-se para os roteiros que se pretendem um pontinho além, no ministrar, não dos conhecimentos da filosofia, da ciência e da religião, mas dos ensinos que se podem obter apenas através da experiência de quem vivenciou os problemas cuja temática constitui o roteiro da equipe e que se fundamenta no despertar para os erros e defeitos, com o conseqüente corretivo evangélico dos autores.
Resta oferecer explicação quanto ao adjetivo bom aplicado a servidor, no que respeita aos membros da Turma dos Apelos Emocionais.
Se os leitores não nos considerarem ao menos trabalhadores do etéreo, não haverão de aceitar o epíteto de bons que nos atribuímos. Caso vejam nas mensagens alguns méritos ou possibilidades de melhoria, dêem-nos a oportunidade de justificar o porquê da qualificação.
Cada ser humano retém na memória o enredo de sua existência. É possível que alguns fatos revelem características de bom companheirismo, como a preocupação de oferecer aos semelhantes recursos para o progresso espiritual. Contudo, o mais das vezes, as reminiscências despertas são de ordem inferior, tendo em vista que a crítica às imperfeições prevalece sobre os ganhos e aperfeiçoamentos. Quando as pessoas adquirem o conhecimento da importância da lei de causa e efeito, ainda que não alcancem recordar o tempo anterior a certo período para o qual a mente se acende, podem perfeitamente inferir que, pela lei do progresso, o ponto evolutivo em que pairavam era menos propício para a prática das virtudes evangélicas, o que as leva a concluir, necessariamente, que, no momento atual, têm mais condições de entendimento e de aplicação das diretrizes doutrinárias espíritas, que incluem todo o ensinamento de Jesus, com a lei do amor a figurar no topo da lista das conquistas indispensáveis para a bem-aventurança eterna.
Ora, se temos visto o quanto precisamos melhorar, também adquirimos a convicção dos ganhos espirituais, a ponto de nos facultarmos aquela satisfação íntima do dever cumprido. Com certeza, não somos bons da bondade suprema dos espíritos de luz, mas reconhecemos que navegamos por águas mansas, sem nublar-se-nos o horizonte de promessas de tempestades. Claro está que sabemos da necessidade de novas provações, de exposições aos males e vícios e de reencarnações regeneradoras. Todavia, não nos assustamos, porque sabemos que Jesus nos tem enviado mensageiros de muito poder, para iluminar-nos o caminho e auxiliar-nos nas deliberações.
Esta não é mais uma regalia de quem procura ser um servidor cada vez melhor?
Ao que pensam os leitores que nos referimos? Julgam que falamos do auxílio das entidades dos mundos mais adiantados? Enganaram-se, se tal foi o raciocínio. Ocorre que todas as pessoas recebem o apoio do Mestre e de seus emissários, conquanto nem todos sejam capazes de traduzir corretamente as intuições ou impressões subjetivas de que o caminho deva ser outro. Não há distinção no amor supremo das criaturas ascendidas.
A regalia a que nos referíamos, sem dúvida de modo capcioso, era ao fato de termos a capacidade de distinguir criteriosamente o futuro que nos aguarda e os recursos disponíveis ao nosso intelecto, em função da contenção dos impulsos emocionais de desequilíbrio, os do ódio, do rancor, do ciúme, da inveja, do orgulho, da vaidade, do egoísmo, da prepotência, da malícia, da preguiça, da gula, da luxúria, da avareza, da agressividade e de tantos outros deslizes que praticamos quando desejamos apenas observar as regras do prazer sem limites, através do poder de exploração do próximo.
Falando em meu próprio nome, posso afiançar que sou a mais modesta contribuinte para estas mensagens, motivo pelo qual não vou estender-me sobre a minha personalidade, contando casos de arrepiar os ossos. Vocês, amigos, que tirem as suas conclusões de quais terão sido os meus defeitos da derradeira encarnação, ou, se preferirem, que orem sentida prece em favor de todos nós, porque, se se sentirem envolvidos pelos apelos que vimos realizando, muito terão para nos oferecer em matéria de boas vibrações e intenções.
Seja Jesus por nós todos!
Mirtes.



30. O CONTROLE DAS EMOÇÕES

Não é sempre útil para o progresso dos seres estabelecer inteiro domínio das emoções. Não é difícil de entender que os sentimentos também evoluem, como no caso do aperfeiçoamento do amor desde os braços maternais até os relativos à humanidade. O que se costuma requerer às pessoas é que não façam nada ao influxo das vibrações de baixa categoria, vamos dizer assim, referindo-nos aos eflúvios do rancor, da irritabilidade, da fúria, do desassossego e da frustração dos desejos egoísticos. Quando o coração está sereno, goza de relativa paz, possibilitando à mente que desenvolva os raciocínios mais friamente, podendo ampliar o campo de visão, juntando às premissas outros apanhados da realidade por meio da experimentação e dos estudos.
— Tememos que os amigos estejam muitíssimo verdes em suas considerações, porque todo o preâmbulo nem é preciso que se adote a doutrina espírita para conhecer e aplicar. Não seria mais fácil acenar para a possibilidade de concretização dos ideais, sem os compromissos de redigir com originalidade?
De fato, é vulgar o preceito de que as pessoas agem com muito mais tino quando estão equilibradas nos diversos fatores do comportamento. Dizendo de outra forma, temos de ressaltar que a ninguém é dado desconhecer que os maus sentimentos prejudicam as atividades de toda espécie, principalmente as que exigem prudência, segurança e conhecimentos especializados. Se um indivíduo tremer a mão, na hora de lidar com frascos, poderá entornar o precioso líqüido. Em muitas profissões, exigem-se calma e sabedoria, como para os professores, os quais não podem imergir em seus problemas, devendo manter, perante os discípulos, rigorosamente, o domínio sobre si mesmos, para fornecer os dados da ciência que leciona. Que pensar de furibundo sacerdote a clamar, dentro do confessionário, contra os pecados?
Entretanto, o que desejamos ressaltar é que os sentimentos existem sempre, sendo impossível resguardarem-se as pessoas de oferecê-los como envoltórios dos pensamentos e dos gestos, mesmo quando estejam absolutamente isentas de qualquer preocupação.
Ao escrevermos, no recesso da cabina de estudos individuais, pomos de lado qualquer nuança sentimental, como se nos dispensássemos de avaliar em que condições se geraram os conhecimentos e se dará a transmissão. Somos auxiliados pelos mentores e demais técnicos da colônia, que nos isolam dos efeitos deletérios das imprecisões que seriam provocadas pelas imagens dos problemas dos seres pouco evoluídos, como se as paredes absorvessem os estremecimentos íntimos, filtrando para o cérebro perispirítico apenas as idéias, em função do tema.
— Significativa informação! Quer dizer que existem câmaras de absorção das tendências emotivas, como se ali se fixassem apenas os pendores intelectuais, como se pode observar na leitura dos dicionários em confronto com a dos romances, por exemplo?
Hesitamos em trazer esse tipo de notícia, porque pode parecer que tudo está sob integral controle dos administradores e demais responsáveis pela colônia. Na verdade, os compartimentos funcionam para precárias condições sentimentais, servindo para a demonstração de quanto é melhor estabelecer domínio sobre si mesmo, quando se quer aprender ou ensinar. Assim que abandonamos, porém, o cubículo de refreamento dos impulsos que não se condicionam à vontade, volvemos à vida habitual e reassumimos a anterior disposição psíquica, podendo, então, examinar o trabalho sob o prisma integral da personalidade. É o momento em que exercemos a mais saudável crítica ao enleio moral de que não nos havíamos apercebido.
É de rigor que comparemos o fato com algo da realidade dos leitores. Podemos citar trabalhos escolares executados enquanto freqüentávamos o colégio e que atualmente nos parecem bem feitos, pelo esmero e pela complexidade dos conhecimentos que nos exigiram. Muitas vezes, admiramo-nos de termos resolvido equações matemáticas cujas fórmulas nem nos passam mais pela lembrança. Quantos de nós escrevemos poesias, cujos versos se perderam nas sombras do passado. Todavia, se recuperarmos a perspectiva da época da confecção, juntando razão e sentimento, teremos elementos para, ao menos, compreendermos o porquê da dedicação àquele objetivo. Por outro lado, se formos atilados na observação das mudanças culturais por que passamos, poderemos definir, com certa precisão, a causa de termos derivado para outros interesses.
Não estamos a sugerir, portanto, que os amigos se abstenham de sentir, de se emocionar, de vibrar em felicidade e alegria quando alcançam sucesso nos empreendimentos. Estamos, sim, desejosos de oferecer os argumentos com que possam sustentar a tese de que a cada fator de apreensão da realidade objetiva existe correlato envolvimento emocional. Quanto mais profundamente formos capazes de compreender, por exemplo, o sacrifício de Jesus ao encarnar-se para oferecer aos homens os recursos da salvação, mais concretamente nos ligaremos ao Mestre, em seus sentimentos de consolação, de soerguimento, de efusão dos preceitos para a perfeição moral, de confiança no poder de superação das deficiências e de assimilação das virtudes excelsas.
Sobrou-me um espaçozinho para a confissão de meus temores, ao vir experimentar a solenidade desta fase mediúnica.
Aqui chegando, estimulei o médium a refletir a respeito de ser mais flexível em relação às suas exigências de superior desempenho dos mensageiros. Pedi-lhe que considerasse a possibilidade de aceitar alguma indecisão, algum titubeio, alguma inexatidão vocabular na origem das informações de caráter novidadeiro, como se viu durante a leitura do texto, dado que o meu papel requeria cuidados especiais em relação a determinados tópicos dele desconhecidos.
Neste ponto, sugiro aos que não consideram as informações como resultantes da realidade tal e qual se dá na colônia, que as tomem em caráter de imagens, de figuras, de símbolos dos aspectos espirituais que espicaçaram a formulação da mensagem. Era como fazia eu mesma, quando lia as obras que desvendavam os mistérios do além, jamais considerando verdadeiras as notícias da existência de particular modalidade de vida etérea, acreditando sempre em que tudo não passava de analogia ou de maneira fantasiosa e criativa de introduzir na mente dos leitores que, na esfera dos erráticos, é possível de se encontrarem organizações em prol da evolução dos espíritos. Indo um pouquinho além, admitia os enredos como técnica literária, como ficção ou supra-realidade, porque estava convencida de que fora da caridade não há salvação, o que me obrigava a tornar mais ou menos mecânica a ascensão para a eterna bem-aventurança.
Eis que me surgiu a oportunidade de explanar a respeito, resguardando os amigos mais pés-no-chão de se imporem o dever de aceitar sem comprovação os informes sobre a natureza do mundo a que denominamos de Umbral, que mais não é do que o limiar para o círculo seguinte da caminhada rumo à eterna felicidade. Se os leitores, portanto, se resignarem a atender ao princípio do controle das emoções, creio que a minha participação receberá acréscimos da mais saudável crítica científica.
Elevemos os pensamentos e os sentimentos ao Pai e agradeçamos-lhe a capacidade de discernir a lógica das estruturas existenciais, segundo cada esfera evolutiva.
Amém, Jesus!
Maria Olívia.



31. O MEU PIMPOLHO

Os da Terra, quando arribam a estas plagas etéreas, vêm, em geral, em busca de parentes mais velhos e pessoas de cuja amizade privaram, sempre com saudade dos tempos felizes. Depois de certo tempo, voltam-se para os que deixaram na carne, mui particularmente os cônjuges e os filhos. Se é jovem o defunto, imediatamente se socorre dos mais velhos para maior facilidade de compreensão de como podem aproximar-se dos vivos. Entretanto, os que mais prezam o relacionamento com os que ficaram na Crosta são os pais de filhos pequenos, porque entendem, objetiva ou subjetivamente, que não concluíram a tarefa da criação e educação.
Tal foi a minha situação quando aqui cheguei. Era pai recente e me despachou um pesado veículo na via pública, estando eu distraído justamente com os sombrios pensamentos de que deveria levar para casa o salário de fome que ganhava na construção civil.
— Mentira! Você está inventando histórias mas é incapaz de esconder o rabo, porque se expressa admiravelmente, sem concessões aos termos vulgares do português coloquial. Se fosse, realmente, quem Você afirma ser, não demonstraria tanta cultura idiomática nem conseguiria texto de tamanho impacto intelectual.
É claro que a polêmica foi introduzida com o fito de revolver os pensamentos dos leitores, de tal modo intrigante é a questão que ali se põe. Deveras, há a necessidade de explicar como é que, em sendo rude operário, não apenas adquiri os conhecimentos pertinentes à expressividade lingüística, como ainda possuo mais do que noções da doutrina espírita, a ponto de vir reinar (na acepção de fazer troça, reinação; divertir-se, brincar, patuscar; fazer travessuras; traquinar), em jogo de gato e rato com a boa vontade dos amigos.
Se disser que acompanhei, por mais de vinte anos, a educação de meu pimpolho, assistindo com ele às aulas, realizando os mesmos exercícios em casa, ouvindo-o mentalmente ler todos os volumes por que se interessou dentre os das ciências e da literatura, será que me darão crédito? Se acrescentar que, depois, por outros vinte anos, estive freqüentando os mais diferentes cursos nesta Escolinha de Evangelização, terei dado pistas suficientes para a percepção de que sou eu mesmo quem está a elaborar esta página? Se me permitir esclarecer que utilizo o dicionário a que aludiu o colega Carlos Alexandre, substituindo os termos que me parecem menos adequados para traduzir os pensamentos, segundo a carga emocional que a eles se associa, terei convencido os encarnados de que seja possível tanto crescimento na área desta esfera umbrática, sem a imperativa necessidade de perpassar por outras encarnações?
Quero deixar claro que o meu pimpolho está muito bem, homem feito, com idade superior à que eu tinha quando faleci. Sendo assim, adiciono mais uma perspectiva às acima enumeradas de busca de reencontro entre os seres: a do filho mais idoso que deseja restabelecer os laços com o pai mais novo.
— Como admitir que o problema seja resolvido através de semelhante equação? Não é verdade que os espíritos possuem histórias anteriores ao derradeiro embate carnal, o que lhes propicia condições de existência que não se limitam aos panoramas transitórios da última romagem?
Estou fazendo referência às lembranças vivas que se preservam na memória dos recém-chegados, uma vez que os fatos anteriores quedam nebulosos, quando não totalmente obscurecidos, exceção feita para crianças ainda muito pequenas, não inteiramente enfeixadas no envoltório carnal. Mas a observação tem sua razão de ser, uma vez que, se formos dar atenção apenas aos desejos de prontidão do reatamento dos vínculos afetivos, iremos encontrar filhos com experiências de vida muito mais plenas e satisfatórias que as entidades que os geraram.
Não lhes parece ter ficado muito mais lógica a minha atividade educativa, para oferecer ao meu pimpolho, assim que chegar, as condições de intercâmbio sentimental?
Pois saibam, queridos, que o relato de meus ganhos não é esporádico nem eletivo. Todos os pais jovens que surtem no etéreo têm a possibilidade, segundo o maior ou menor mérito de seu relacionamento familiar, de seguir na companhia dos filhos, não apenas para juntos irem ganhando experiência, mas também para que o sentido da proteção paterna ou materna se transforme em beneplácito de caráter espiritual, caso em que se tornam em vigilantes, em anjos de guarda ou em guias, fórmula sumamente econômica da Divina Providência, já que incrustada se encontra no cerne de tais espíritos a vocação socorrista.
Preciso fazer referência a outra espécie de pais jovens (para dar mais uma vez razão ao meu ideal interlocutor), aos que, em vidas pregressas, tiveram ensejo de progredir intelectualmente, tendo participado da sociedade humana como professores, artistas, juristas, escritores, médicos etc., com atributos bastante desenvolvidos. Não fui dessa turma mas penso que não perdi muito, porque as encarnações de que tenho plena recordação me oferecem a alegria de haver progredido incessantemente.
— Aceite a minha interrupção, mais uma vez, porque não me contenho diante da intuição que li em muitas mentes de espíritas convictos segundo a qual a vida é cerceada, muitas vezes, quando se perfazem certos objetivos espirituais, admitindo-se que o quadro evolutivo possa preencher-se antes do término das reservas biológicas. Sei que, no seu caso, Você foi atropelado. Não vou entrar no mérito do problema. Todavia, não poderei presumir que muitas moléstias estão programadas para efeito dessa finalidade constrangedora, ao mesmo tempo que os parentes que choram a perda do ente querido devem curtir tal sofrimento pelo conteúdo cármico de suas peregrinações, de acordo com a lei de causa e efeito?
Gosto desta forma de perguntas e respostas, porque me alivia de fato a tendência de colocar sob suspeita pessoal as teses que deverei provar. Assim, as superstições espíritas se declaram em parágrafos próprios, facilmente identificáveis.
Devo afirmar, para começo de conversa, que não creio em que as correntes vitais sejam rompidas de propósito, tendo por finalidade a correção dos rumos humanos, através das contingências das dores e das aflições, a menos que os próprios interessados participem da programação e estabeleçam os critérios de construção genética dos futuros corpos, ao mesmo tempo em que se reúnem todos os envolvidos por afeição, para a aprovação do projeto coletivo.
— E quando os seres ressurgem das profundezas das Trevas, sem capacidade de reflexão? Terão os protetores os mesmos cuidados para o enfrentamento das vicissitudes terrenas ou lhes podem estabelecer as diretrizes do carma?
Em primeiro lugar, considero privilegiados quantos saiam das regiões abissais para a face da Terra, onde há alívio e não acréscimo de penas. Depois, os organizadores genéticos e os programadores sociais apenas se esforçam por caracterizar os corpos e as famílias, pois o futuro será gerenciado pelo caráter de cada um, ao arrenego das influenciações que possam receber intuitivamente.
Mais interessante seria perguntar como são vistos tais pimpolhos, se os progenitores falecerem muito cedo.
— Como são vistos?
Evidentemente, cada caso é um caso e todos terão acompanhamentos mais ou menos ternos, de acordo com o ânimo dos que partiram, uma vez que também existem muitos episódios em que se batem antigos desafetos. Contudo, se for explicar estas variantes, escreverei mais de um livro. Sendo assim, recomendo que se pesquisem, nas bibliotecas espíritas, e se leiam as obras mediúnicas de diversos irmãos maiores.
Muito obrigado, companheiros, pela sua atenção e descortino, porque tenho a certeza de que lucrarei muito com as reflexões que o meu texto lhes provocará.
Fiquemos todos nas mãos de Deus!
Lucrécio.



32. O TRABALHADOR BRAÇAL

Fui espírita dedicado ao trabalho de assistência social e espiritual dos encarnados. Não gostava muito de oferecer-me à mediunidade ou à doutrinação, dando por desculpa o fato de não possuir habilidade suficiente com as palavras. Mas a verdade era bem outra, ou seja, que me compenetrara da necessidade dos estudos para empreendimentos mais intelectuais e sentia infinda preguiça mental. Era pronto, contudo, para quantos misteres precisavam de quem se encarregasse das contas, dos transportes, das compras, da organização, em suma, de todos os eventos sociais, como ainda me punha na linha de frente, quando se tratava de receber as pessoas carentes, com o fito de ajudá-las com mantimentos e agasalhos. Além disso, considerava-me muito bom no desempenho dos conselhos aos que vinham com problemas de relacionamento em casa, com depressões causadas pelos vícios ou com crises de consciência pelo arrependimento por terem realizado algo muito ruim contra si mesmos, contra familiares ou contra pessoas estranhas.
— Lá vem crítica séria contra os pobrezinhos colaboradores sem muita competência nas áreas afetas à escolaridade! Será que teremos de agüentar as sugestões que se superpõem umas às outras com o intuito de depreciar os menores, os menos afortunados de inteligência, os menos capacitados de raciocínios?! Não haverão de ter os confrades comiseração pelos que envergam, com orgulho e satisfação, o uniforme das casas espíritas, precisando sempre diminuir-lhes o efeito de sua dedicação aos afazeres mais broncos?! Não serão os trabalhadores braçais úteis em todas as situações em que se necessita da cooperação de todos?! Sempre que se faz uma feira de livros, por exemplo, não há aqueles que montam as barracas, que carregam os fardos, que limpam a calçada e que pregam as tachinhas para sustentação dos avisos?! Por que se dá tanta importância aos que vendem e fazem o marketing do evento, em detrimento evidente dos mais simples, dos mais humildes, dos mais pobres de espírito?! Será que as palavras de Jesus se esqueceram, definitivamente?!
Fiz questão de enunciar com tanta fluência a observação de meu virtual contraditor, para que fique muito bem caracterizado como pessoa não propensa às tarefas mais rústicas, mais rudes, mais vulgares. Na verdade, acusei-me, desde logo, como trabalhador braçal e hoje me vejo elevado à condição de vir ao mundo dos encarnados para orientar no sentido de que nenhum esforço se perde, quando realizado com o ânimo da fé, com a disposição da esperança, com a decência da caridade. Não há necessidade, pois, de que se estabeleça um defensor público para as pessoas mais modestas, porque terão a sua recompensa pelos méritos sentimentais com que produzem o bem.
Não vou colocar na boca de ninguém a observação relativa aos hipócritas, mesmo que espíritas. Não foi o que, de certa forma, denunciei quanto ao meu caráter, lá no início da peroração? Não fiz referência ao sentido malicioso da fuga ao auxílio mais dependente de habilidades mentais desenvolvidas? Pois que se suspeite de mim mas que não se iludam quantos se julguem espertos, ladinos, sagazes, argutos, astuciosos, finos, por encontrarem meios de passar em branco quando se trata de ler e aprender, para reproduzir, ainda que mentalmente, aos irmãozinhos do plano espiritual que se socorrem das pessoas mais entranhadas nos mistérios da doutrina.
Hoje me apresento como a reconhecer os erros de interpretação da minha capacidade, porque, assim que dei por mim no etéreo, a primeira noção que obtive das ações que pratiquei foi a de que poderia ter feito muito mais. Quis argumentar com o fato de que todo o meu tempo disponível foi empregado na ajuda material das realizações da benemerência, mas fui suficientemente rápido para entender que muitas das horas livres foram desperdiçadas em praças esportivas, perante a televisão ou em conversas inúteis e sem conteúdo doutrinário com pessoas desocupadas. Revi-me na oficina, onde batia intermináveis papos com os colegas, a respeito de temas sem elevação.
Peço que desconsiderem o virtual puxão de orelhas nos que se identificarem com a descrição. Cada pessoa sabe de si e não me empenharei em fornecer o roteiro da luz. No entanto, registro, com bastante satisfação, que foram muitos os companheiros da casa espírita que vieram em meu auxílio, para propiciar os momentos de reflexão em que pude avaliar, na justa medida, o quanto fora imprudente na concepção do processo de recompensas e de castigos que atribuí ao Senhor.
Como não dera atenção aos estudos, assim que me compenetrei de que deveria tê-lo feito, passei a ler e a discutir com o grupo as lições desprezadas. Foi imensa a surpresa pela facilidade com que aproveitei as explicações que transfundia para o cérebro, em vertiginosa assimilação dos ensinamentos das obras fundamentais da codificação. Se, por um lado, o prazer da descoberta me revelou a mim mesmo honesto trabalhador, pois tudo fiz com piedosa determinação, por outro, tive de lamentar o fato de precisar retornar à carne para cumprir a parte do programa de vida não efetivado.
À vista da prejudicial deliberação anterior, estou adiando o quanto posso o instante da reencarnação, para sentir, no âmbito emocional, se não existem restolhos do desejo de desprezar o intelecto, como se fosse menos importante, quando se pretende ascender no conceito de Jesus e de seus amoráveis mensageiros. Tanto está preocupando-me esse aspecto que propendi a confeccionar o texto com o máximo de empenho mental de que sou capaz, deixando, inclusive, firmemente asseverado que não me responsabilizo pelos acréscimos de vontade no ânimo dos amigos que se viram descritos. Não é verdade que existe nesse propósito, nesse desígnio, a sutil inserção do medo de estar ainda sob a influência deletéria da personalidade que mantive em vida?
O que peço aos leitores é que percebam que as nuanças dos anseios perduram incrustadas quase imperceptivelmente na psique, exigindo de todos nós a força de uma determinação plena das vibrações hauridas nos ensinos de Jesus, caso contrário, tenderemos ou a ter pouco apreço pelas correções mais íntimas e, portanto, mais doloridas, do ponto de vista da necessidade de humilhação, para o reconhecimento das debilidades estruturais do psiquismo, ou a sofrer os duros impactos das acusações que surtem das profundezas da consciência.
Resumindo, posso dizer que há duas atitudes de ponderável proteção contra os enganos interpretativos do ego: a prece ao Pai, panacéia contra todos os males; e a certeza de que as promessas de bem-aventurança atingem a todas as criaturas, em todas as circunstâncias, de modo a favorecer o desenvolvimento da melhor das virtudes para o enfrentar dos problemas mais pungentes da personalidade, qual seja, a da coragem do desbravamento dos vícios e defeitos de toda a existência.
Que esta mensagem, produzida sob o influxo do pendor para as tarefas braçais, alcance esclarecer os encarnados quanto à necessidade dos estudos que facultarão ao intelecto o descobrimento das falhas da personalidade, sempre sob a luz do Espiritismo, ao amparo dos guardiães individuais e familiares, no sacratíssimo ambiente das casas de benemerência evangélica. Que mais um pequenino progresso possa representar o próximo passo, na longa caminhada que todos estamos a efetuar rumo ao reino de Deus.
Abençoe-nos o Senhor, por tentarmos agir com honradez e boa vontade! Assim seja!
Laerte.



33. EFEITOS ESPECIAIS

Busquei, na minha vida de espírita, fugir da superstição, procurando entender todos os fenômenos aparentemente transcendentais como produtos de forças de natureza desconhecida, na linha dos raciocínios de Kardec. Assim, a bilocação, a levitação, a dupla vista, a deslocação dos objetos sem contato aparente, a telepatia, tudo resolvia compreender pelas teorias da Física e da Química, rejeitando qualquer hipótese de participação dos espíritos. Aceitava a mediunidade, evidentemente, mas não dispunha para o fato mais do que a possibilidade de os encarnados abrirem o canal das comunicações, de maneira idêntica ao que se fazia ao tempo quando não se compreendia o magnetismo, mas se empregava o ímã.
Crente e religiosa, não me permiti jamais aventar a idéia de compartilhamento dos poderes divinos nos destinos humanos. Sendo assim, rejeitei os milagres, pela impossibilidade deles, aceitando, com Kardec, que Deus não aboliria as leis universais que criou para equilíbrio e harmonia universais.
Quando cheguei ao etéreo, descobri que muitos dos pensamentos que alentei estavam perfeitamente corretos. Fiquei satisfeitíssima, também, ao perceber que tudo por aqui se passa de modo absolutamente coerente com as forças energéticas que compõem a nossa natureza. Tal como na face da Terra, os espíritos têm seus recursos fundamentados em leis naturais rigorosíssimas, apesar de demonstrarem melhores condições para aqueles mesmos efeitos acima assinalados. Sendo assim, o fenômeno da bilocação ou desdobramento, por exemplo, não passa de joguinho infantil, não precisando de muito esforço para que as entidades com algum avanço apareçam em dois lugares ao mesmo tempo. Para isso, utilizam-se de certa forma de fantasmagoria, porque, na verdade, a presença física ou corpórea se dá apenas num local. No outro, se encontra um duplo etéreo, uma estrutura molecular criada pela força do pensamento com todas as características do indivíduo, mas sem o seu aparato pessoal. É como se a pessoa se projetasse numa tela tridimensional e desse toda a impressão de existir verdadeiramente. É somente um fantoche energético, oco, mas capaz de receber o influxo da vontade a distância, de sorte a facultar aos circunstantes confundir a imagem com a realidade.
Quanto à levitação, precisa que o ser crie no espaço etéreo estrada suficientemente densa para sua caminhada, permitindo-lhe deslocar-se em qualquer direção. Quando se tem a capacidade de observar esses seres, fica a paisagem coalhada de indivíduos que se cruzam da direita para a esquerda e vice-versa, de cima para baixo, na transversal, de ponta-cabeça etc. Cabe ressaltar que os aspectos que assumem os espíritos não condizem com a forma humana, pois preferem utilizar livremente o perispírito.
— Muitos mensageiros, permita-me a amiga a observação, trouxeram aos encarnados a notícia de que o perispírito mantém a forma original humana, pelo menos nos primeiros tempos após o decesso.
Faculto-me ressaltar a passagem que se encontra em O Livro dos Espíritos, questão de número noventa e cinco:
“O envoltório semimaterial do Espírito tem formas determinadas e pode ser perceptível? — Sim, uma forma ao arbítrio do Espírito; e é assim que ele vos aparece algumas vezes, seja nos sonhos, seja no estado de vigília, podendo tomar uma forma visível e mesmo palpável.”
A citação é notável pelo rigor das informações passadas a Kardec. Nada que possamos comentar no campo científico da doutrina espírita representará acréscimo de vulto ao que se encontra anotado e comentado no livro mais importante do Espiritismo.
— Por que, então, a insistência da autora em informar as suas colocações subjetivas de antes da desencarnação e quando recém-chegada à espiritualidade? Não seria preferível que recomendasse a leitura das obras da codificação, simplesmente? Não seria, ao menos, muito mais econômico? O que apresenta de original esta comunicação?
Pede-me a assustada personagem que idealizei que me proponha a discorrer sobre as finalidades da obra, muito mais do que a respeito desta simples dissertação.
Vou insistir, pois, na assertiva de que os casos particulares servem para ilustrar o procedimento das entidades que se vêem a braços com o dever escolar determinado pelos mestres. No caso da Turma dos Apelos Emocionais, o entendimento desta discussão deve encontrar-se no título atribuído ao conjunto das mensagens: Revisão Doutrinária para Estudantes e Estudiosos do Espiritismo. Não há escapar dos estudos. Assentado o princípio, cabe reafirmar os conceitos, para avaliação da convicção entranhada na mente. Quando expus as minhas intuições como corretas, precisei da confirmação da realidade deste círculo em que me encontro. Ajo, portanto, em conformidade com os atributos da inteligência e do sentimento, na tradução dos conhecimentos que venho adquirindo, instigando a fé na palavra dos mensageiros, com o apoio dos testemunhos, em relatos verossímeis, para que não se fechem as portas para as notícias cuja base científica não se encontra descrita nos compêndios humanos.
Sei que muitos amigos estarão ávidos pelas explicações comparativas dos demais fenômenos citados na introdução. Mas perdi o empuxo relativo aos efeitos especiais, porque me falecem os termos da comparação, conforme expôs o colega Alaor, em seu texto A Plataforma. Prefiro encerrar, reafirmando o desejo de ver os leitores aplicados em decifrar os verdadeiros intuitos dos mensageiros, no campo, evidentemente, do exercício do socorrismo, como forma de atingir as metas do desenvolvimento evolutivo, em todas as áreas da psique espiritual.
Sendo assim, torno ao que chamei de dupla vista, de deslocação dos objetos sem contato aparente e de telepatia, para requerer dos amigos, como mero exercício de reforço dos conhecimentos, que declarem os nomes exatos dos fenômenos e façam a descrição de cada um, dando relevo à possibilidade ou não de os encarnados alcançarem realizá-los no plano da matéria, acrescentando às informações extraídas da obra de Kardec, alguns exemplos literários ou da sua experiência pessoal.
Não me queiram mal por introduzir os aspectos didáticos, transformando a obra em compêndio escolar. Pensem em que, como professora na Terra, não perdi o hábito no etéreo.
Boa sorte!
Que Jesus nos agasalhe em seu manto de amor!
Semíramis.



34. PRECISÃO DOUTRINÁRIA

Todos precisamos da doutrina espírita, porque somos espíritos e a ela devemos os roteiros mais eficientes para ascender aos páramos do Senhor em harmonia entre os ganhos dos conhecimentos e a eleição dos sentimentos mais coerentes com o gozo da bem-aventurança.
Deixem-me explicar tecnicamente o que acima expus para oferecer consistência completa do ponto de vista racional. Deveras, qualquer um poderá concluir que o saber dará a compreensão e o sentir, a disposição. Entretanto, precisa-se da doutrina para que as ações correspondam aos princípios existenciais das esferas mais adiantadas, como as emoções devem estar à altura das vibrações nas regiões depuradas pelo bem e pelo amor.
Evidentemente, não podemos senão conjeturar os eventos que por nós aguardam nesses campos de maior luz, para o que devemos preparar-nos com todas as boas virtudes, porque a admissão se dá pelo passaporte do progresso possível no mundo em que se habita. Acostumados como estamos ao processo do realizar o mínimo e não o máximo, porque os nossos corpos solicitam de nós cuidados particulares, julgamos que ser honesto e solidário seja suficiente para a ascensão.
— Cuidado, irmã, para não cair na esparrela das exigências acima das que a Natureza pede, como no caso dos eremitas, dos faquires e de quantos utilizam cilícios físicos e morais, para o sacrifício de qualquer prazer ou alegria, o que verdadeiramente deveria estar classificado na categoria das atividades do sadomasoquismo, porque nunca ninguém pratica uma sevícia contra si mesmo, sem atingir algum ser encarnado ou desencarnado, por via de conseqüência.
Antes de prosseguir na linha temática, obrigo-me a discorrer a respeito do jogo de palavras entre o título (Precisão doutrinária) e o começo da primeira frase (Todos precisamos da doutrina espírita...). Trata-se da exatidão e da necessidade, ambos os conceitos englobados, porque necessitamos de que a teoria espírita seja perfeita, para o nosso entendimento, ou não seremos agraciados com o chamamento e a eleição para o campo energético imediatamente superior.
Como dissemos que não temos condições de prever quais são os requisitos específicos do círculo seguinte, pode parecer estranho que requeiramos dos leitores perfeita compreensão doutrinária. Mas o pensamento repete a determinação do Cristo, que dá como parâmetro a perfeição do Pai: “Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos de vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? E se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo? Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste.”(Mateus, V: 44-48.)
Aí a recomendação avulta em dificuldade, porque ninguém poderá suspeitar quais serão, passo a passo, rigorosamente, os pequeninos acréscimos de virtude para a fase existencial seguinte, já que não dá para compreender que o meio para o qual seremos guindados seja, de pronto, o reino de Deus.
Mas Jesus nos entregou uma pista de grande importância, no âmbito das realizações morais, qual seja, a de que devemos, para sermos recompensados, não apenas amar aos que nos amam, mas também (e principalmente, no sentido evolutivo) aos que nos aparecem como inimigos, justamente aquelas pessoas que nos perseguem.
— Então, apenas quando todos os homens e mulheres, ou seja, quando a humanidade toda se congraçar em torno do amor, é que cada um será convidado a subir um degrau a mais na escala evolutiva? A salvação, nesse caso, só poderá ser coletiva?
Que bom se assim fosse, porque todos nós nos empenharíamos com muito mais denodo à prática das ações perfeitas ou tendentes a elas. Ocorre que a reciprocidade é problema alheio. Se somos capazes de absorver, por exemplo, as fórmulas e equações matemáticas, para nos adiantarmos, não precisamos que os colegas de classe também sejam hábeis nos cálculos. Se fosse assim, coitados dos meus companheiros de turma, que ficariam a marcar passo até o dia em que eu mesma os alcançasse.
O que pretendo demonstrar é a impossibilidade de se suspender o ritmo do viver, para dar aos demais as mesmas condições. Assim que vamos explicando aos amigos o que deles se espera para o seu crescimento espiritual, também estamos adquirindo noções novas, de sorte que, quando o peixe fisgado assoma à flor d’água, a ponta da vara está bem acima ou a linha se encontra recolhida ao carretel.
A figura da pesca merece corrigida, porque a tendência dos mais evoluídos é a de caminhar com mais celeridade, já que os ganhos vão dando-se em progressão geométrica em comparação com os mais atrasados, que avançam em progressão aritmética.
Novamente, a comparação não corresponde com severidade à efetivação do apreender a que se propõem os indivíduos, segundo o nível em que se encontram na escala espírita. Para sermos mais verdadeiros, algumas vezes apaziguamos a ânsia do progresso intelectual, para a realização do trabalho assistencial em favor dos mais carentes, momento de interrupção dos ganhos naquela área, para o cômputo de outras espécies de sedimentações no setor sentimental.
Cabe-me esclarecer, enfim, que estamos buscando entender a recomendação do Cristo aos homens encarnados. Quando os amigos se virem deste lado, poderão perceber que aqueles incômodos físicos a que aludi de início desaparecem, podendo a mentalidade de cada ser pôr-se mais livre para mais rápida absorção das lições. Eis que se definirá o valor dos procedimentos evangelizados, porque a cada um se dará segundo as obras, pelo próprio aviso que cada consciência é capaz de produzir, para os atos da vontade.
Para quem desejou elaborar texto transparente, dada a precisão doutrinária de cada amigo (nenhum existe que seja perfeito — ou estarei errada?), até que este desenvolvimento careceu de muita explicação suplementar, que vou ficar devendo. O que me importa, de resto, é estimular o raciocínio para além dos parâmetros que se estabelecem pelo estudo primário dos textos. Também não posso generalizar, uma vez que corro o risco de estar diante de alguém muito mais esperto, inteligente, culto, erudito, avançado, alguém que já elegeu, dentre outros princípios, o do perdão como inerente ao lema fora da caridade não há salvação.
Que Jesus me ajude a encontrar um dia alguns dos leitores, para perlustrarmos o nosso caminho de felicidade juntos!
Gracinha.



35. O APELATIVO

Quando nos dirigimos aos amigos leitores, buscamos fazê-lo na intimidade do tratamento carinhoso do Você. Tempo houve em que, por causa da tradução do francês dos textos mediúnicos da codificação kardecista, pareceu aos brasileiros que o melhor título fosse o cerimonioso vós. Em contrapartida, o tu mereceu destaque para tornar familiar o relacionamento entre os planos, apesar de, nos textos originais franceses, representarem também o menoscabo pelas entidades inferiorizadas pelos vícios e pela brutalidade mental. Evidentemente, o rigor gramatical obriga ao singular e ao plural, de Você, Vocês e de tu, vós, segundo o número de indivíduos designados na frase.
— A que vem semelhante digressão? — haverão de perguntar os intrigados leitores.
Creio que haja certa ousadia na interpretação dos meios de referência entre os indivíduos, quando se trata de textos mediúnicos, dada a impossibilidade de controle de quais mãos alcançarão a obra na estante. Sendo assim, na qualidade de informantes do plano espiritual, colocam-se os mensageiros em postura de filhos de Deus e universalizam o tratamento, mediante o fato de todos sermos irmãos pela origem. No entanto, é de todo interessante que respeitemos as pessoas probas, as experimentadas nas lutas contra o mal e a miséria, as estudiosas dentro dos limites do possível para a penetração filosófica na doutrina espírita, as que elegeram o amor como prisma essencial da vida, as que, em suma, realizaram algum trabalho de grande mérito junto aos necessitados, quer quanto a conhecimentos, quer quanto a bens materiais.
Adianto-me à observação de que deveríamos utilizar sempre a cortesia do Senhor e respectivas flexões morfológicas, tendo em vista que apenas seareiros integrados ao movimento kardecista é que irão compulsar estas páginas, correndo pelo acaso o fato de outras pessoas tomarem coragem para o enfrentar destas considerações especiais, em destaque o título em que nos referimos à doutrina espírita.
Vejam como o tema se expande, abrangendo universo mais extenso de possíveis leitores. Assim, adentro os aspectos relativos aos objetivos em mira e me interrogo se não seria mais consistente mudar o rótulo, para interessar outras camadas populacionais, especificamente as pessoas que estão a pique de aceitar o exame das convicções, tendo em vista problemas inerentes às concepções antigas abaladas por reflexões causadas por leituras ou por indicações de amigos e confidentes. Neste caso, apenas para trabalhar com hipóteses, qual seria o apelativo para a captação da simpatia dos neófitos? É claro que se deveria utilizar respeitosa forma de tratamento, como o afetuoso substantivo irmão, ou o adjetivo querido anteposto aos nomes mais ternos.
— Não está o redator correndo o risco de cair no abismo das fórmulas despiciendas, inúteis e afetadas? Por que não vai diretamente ao ponto que supôs importante para o desenvolvimento que se arrasta?
Meu querido e ideal contestador, não me ofereço em holocausto às críticas nem quero deixar para depois a elucidação temática que me trouxe para a mensagem que me coube. O meu intuito é demonstrar que os encarnados se sentem diminuídos pela maneira como são chamados, ainda que a intenção do mensageiro se tenha posto ao crivo dos exames mais percucientes de como dar relevo à importância das pessoas, sem cair no ramerrão comum da intimidade insólita e despropositada, quando se ostenta certa superioridade mental ou moral pelo fato de se dominar qualquer assunto, e sem incidir na falha dos subalternos que soem acomodar o verbo à condição da inferioridade laudatória e engrandecedora, freqüentemente sem nenhum vínculo com a realidade espiritual do sujeito a quem evocam.
Muitos se vêem ofendidos com o tu ou o Você, da linguagem coloquial; outros não admitem o Senhor, da urbana formalidade; muitos vêem no estimado irmão a lábia de quem deseja convencê-los a acatar as razões do redator; e assim por diante. Deixo, pois, evidenciado que o meu trabalho se põe entre os que obrigam à análise das reações subjetivas. Melhor ainda se houver estudo conjunto em aula de doutrina espírita ou semelhante, para que as pessoas troquem entre si as impressões provocadas pela mensagem.
Para que tudo isto? Para facilitar aos leitores a superação de prováveis problemas destacados pelo escrutínio das emoções menos loquazes mas sempre insidiosas e catalisadoras dos males psíquicos quase imperceptíveis. A partir de dado tão elementar, talvez (vejam que eu disse apenas talvez) se estimulem outras intuições de defeitos a serem sanados com facilidade, se postos à luz da razão, em discussão franca e aberta dos postulados do aperfeiçoamento que se exige para a ascensão ou a redenção.
Se me acusarem de ter ido muito além do que se requer de simples texto mediúnico, acentuando o poder de influência do plano espiritual, pelo simples fato de assumir o redator a qualidade do transcendente, como se estivesse a ler os pensamentos e os sentimentos dos humanos, devo afiançar que bem pouco interesse têm os espíritos de luz em reconhecer cada falha individual, nos acontecimentos que se registram nos cérebros. Sabem eles por experiência que os seres são o que são por portarem defeitos e vícios. Por que iriam sofrer com os irmãos menos adiantados, ainda que os amem como a si mesmos? Que fazem, então? Ajudam os que clamam por luz a caminhar estrada acima com as próprias forças, superando as deficiências pela compreensão das leis universais.
Não é o que se passa comigo, como devem ter notado. Venho à presença de meus amigos com o coração preso ainda a dificuldades do relacionamento, juiz de Direito dado às lucubrações idiomáticas mais misteriosas para o intelecto vulgar. Esforço-me por esquecer a exigência do Vossa Excelência e do meritíssimo do jargão forense, como ainda me empenho em realizar texto de conteúdo e de formatação adequados para a faixa social da expectativa dos autores.
Agradeço muitíssimo o agrado dos que se derem ao entendimento de minhas preocupações e louvo-lhes a sacratíssima disposição para o exame de consciência. Quanto àqueles a quem a minha comunicação não serviu, peço encarecidamente, no mesmo diapasão da colega Valéria, que sigam em frente, porque novas discussões haverão de se apresentar pela pena mais acurada dos parceiros.
Que Jesus nos abençoe!
Ademar.



36. AS ALTERAÇÕES DE RUMO

Em primeiro lugar, devemos reproduzir trecho da introdução a que denominamos de Roteiro:
“Dorismundo nos enfatizou que déssemos cunho pessoal aos trabalhos, cada qual elegendo o gênero que melhor saiba desenvolver.”
Nesta altura dos trabalhos, não deverá parecer aos leitores que se tenha concretizado a expectativa de que os textos recebessem tratamentos diversificados, tão semelhantes têm sido as composições. Na verdade, o sucesso dos que inauguraram as transmissões (esses, sim, com maior originalidade quanto à redação) deu ao grupo uma espécie de linha de enfoque dos temas, tanto que se deixaram de lado as informações pessoais mais circunstanciadas, para a elaboração de dissertações com tese, prova e conclusão, segundo o modelo tradicional. Inventou-se que possíveis contra-argumentos dos leitores se dispusessem em forma de observações e perguntas, como se interlocutores interviessem na discussão dos temas, e tudo acabou girando em torno dos centros de interesse de cada mensageiro.
Para a minha contribuição, foi permitido que me estendesse um pouco mais no sentido do comentário pertinente à forma, quase na qualidade de síntese metalingüística (pertinente à metalinguagem, ou seja, à linguagem mediante a qual o crítico investiga as relações e estruturas presentes na obra literária), para a demonstração de que a Turma dos Apelos Emocionais esteve atenta à necessidade de juntar as pontas da obra, oferecendo aos leitores a segurança da lucidez de quem examina todos os aspectos, para não fenecerem as esperanças de que a realização alcance a boa vontade de algum editor mais arrojado, como ainda o beneplácito da aceitação dos leitores, quanto a ser lídima e honesta a prestação de serviço.
Dei o exemplo de mudança de rumos perfeitamente compreensível, conquanto não totalmente convincente de que devera ter sido efetivada, uma vez que o comando do mestre acabou, de certa forma, desobedecido. No entanto, era o que tínhamos a capacidade de confeccionar, não pela falta de inteligência ou de experiência dos membros do grupo, mas pela antecipação de que a uniformidade redundaria em melhor desempenho quanto a oferecer aos encarnados textos plausíveis, elegantes, claros e, principalmente, agradáveis.
Como cada qual foi responsável pela sua parte, para assunção das obrigações mediúnicas, sendo a mensagem o reflexo das lições aprovadas em classe pelos colegas, tendo recebido a chancela dos mentores da Escolinha de Evangelização, não se poderia obstar-lhe a transmissão, sofrendo o conjunto possíveis quedas no que respeita à manutenção do entusiasmo dos textos iniciais.
— Terão os amigos leitores despertado para o problema? Não se terá a colega redatora precipitado em demonstrar a fraqueza da equipe, favorecendo que a crítica dos descontentes eleja a presente composição para desencadear outra série de comentários desairosos, na busca de banalizar as teses, tendo em vista a própria confissão?
O verbo banalizar tem sua ação completada pelo substantivo teses, de sorte que a transferência da análise da forma para o conteúdo deve merecer desta comunicadora sério reparo, forte corrigenda. Ao contrário de ser fraqueza, a eleição de certa modalidade de estrutura dissertativa se deu por parecer que era a que melhor se coadunava com os temas que fluíram diretamente das diretrizes doutrinárias. Querer inferir que os pensamentos não conservaram a elevação exigida para as transmissões da Escolinha de Evangelização terá como conseqüência a malversação das oportunidades à disposição dos encarnados para produtivas meditações, no sentido, justamente, da alteração de seus rumos, caso se conclua que existe acentuada tendência ao erro, ao desvio dos parâmetros evangélicos, ao desperdício da encarnação, pela impropriedade da aplicação do livre-arbítrio.
— Peço que me desculpe a irmãzinha ter-me saído tão mal na observação acima. É que presumo que sempre haverá de existir quem deseje aviltar as obras mediúnicas que não se assinam com nomes conhecidos e de respeito. Retiro o que disse e me disponho a colaborar, reflexionando no sentido de ofertar ao pensamento dos de boa vontade o prévio elogio pelo sucesso de proveitosa leitura, tendo chegado até este ponto da peroração.
Encareço a mudança na postura do irmãozinho idealizado e afirmo que não deve sentir vergonha alguma todo aquele que resolve, a partir de qualquer momento, obstar a freqüência dos vícios e dos desacertos, pretendendo ouvir a voz do Senhor bem lá no fundo da alma. Não fora assim e Jesus não teria saído do seu refúgio de bem-aventurança para nos oferecer o sacrifício da encarnação.
É sempre muito bom citar as passagens bíblicas que envolvem o Cristo, embora poucas vezes o tenhamos feito. Recomendo, pois, que se complementem as dissertações com pertinente exemplificação extraída do Novo Testamento, repositório da sabedoria cristã. Indo um passo adiante, para os que se dedicam aos livros de Allan Kardec, também há o que buscar neles para o referendo dos roteiros. Esse aspecto é que justifica semelhante compêndio, voltado para o acréscimo de ponderações e não para a substituição dos ensinos das obras fundamentais. É bem o caso em que se profliga qualquer alteração de rumo.
Para finalizar, acrescento a informação de que a extensão dos textos foi determinada, havendo, portanto, alguma restrição quanto à liberdade dos autores. É como se passa com todas as coisas na vida, porque a alma sofre os percalços inerentes aos problemas do organismo, exposto sempre às intempéries dos entrelaçamentos materiais. Não haverá meio de fuga da pressão que se exerce sobre os espíritos? Claro que há! Basta que as pessoas evoluam em harmonia com as palavras de Jesus, obedecendo rigorosamente as leis morais por ele evidenciadas, as quais espero não serem maçantes se as repetir:
“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.” (Mateus, XXII: 37-40.)
Liana.



37. COMO REALIZAR O CURSO

Após tantas mensagens, caso o amigo tenha seguido a ordenação delas, não terá dificuldade alguma em compreender as diretrizes que estipulamos para o roteiro das sessões de estudo. Entretanto, se, pelo título, avançar até a presente, peço-lhe que volte ao início, porque poderá não entender direito as minhas orientações.
Poderia, simplesmente, expor, de forma figurada, a necessidade de se caminhar sem afoiteza e sem saltar etapas, afirmando, peremptório, que esta redação está eivada de informações sutis, de conotações extraídas dos textos anteriores, de lições científicas, religiosas, doutrinárias ou filosóficas de última geração. Mas não posso fazê-lo, para não trair o princípio da honestidade.
Claro está que muito do que acima se descreveu existe nesta pequena peça, o que não será difícil de perceber. Contudo, a obrigação do mensageiro reside no esclarecimento de cada idéia, sem improvisação, através de discurso didático apenas possível com a aprovação dos responsáveis pela reedição mediúnica.
A partir do princípio da honestidade, devo ressaltar que o primeiro passo está em avaliar previamente os conhecimentos de cada membro do grupo, uma vez que, para os leitores escoteiros, é natural que os desafios se disponham de forma lúdica ou, simplesmente, não atuem sobre o interesse da leitura e do estudo.
— O que há de ser honesto em semelhante situação?
Há de ser o discernimento das restrições quanto ao saber doutrinário, quanto aos deslindar filosófico, quanto ao sentir emotivo, quanto ao admitir transcendental. Se a pessoa não tem escolaridade suficiente, por exemplo, que não se atreva sozinha. Peça ajuda a quem, de boa vontade, se preocupe em pôr em ação os próprios dotes intelectuais. Gente assim se encontra com facilidade entre os parentes mais ilustres, entre os amigos mais afins, entre os trabalhadores dos centros espíritas.
— Concorde comigo, preclaro autor: nada do que se registrou até aqui deixaria de encontrar eco na mente de quem começasse por esta dissertação.
É verdade. No entanto, para que o meu antagonista pudesse efetuar tão justa observação, necessitou decifrar os dizeres meio misteriosos dos parágrafos anteriores, porque camuflados sob expressões não comuns, não usuais, não corriqueiras, tampouco simples e transparentes. Ao contrário, fiz de propósito nublar o entendimento dos menos dotados, para que não ousassem mergulhar sem proteção nestas águas turbulentas e profundas, em que as explicações exigem ressonâncias nos temas anteriormente desenvolvidos.
— Por que, então, não se descreveram antes as normas do trabalho, através de linguagem mais acessível?
Interessava à Turma dos Apelos Emocionais tornar a obra um ponto mais adiantada, no sentido de oferecer aos encarnados curso acima do básico, tendente, às vezes, à mentalidade de nível colegial, outras tantas, à que é capaz de desempenho superior. Além disso, nesta altura das transmissões, o colega designado para tão árdua tarefa não tem que propugnar a sistemática dos estudos, porém, caracterizar como deverá realizar-se a aprendizagem, de modo a facultar aos que se inscreveram no curso a visão global do aproveitamento, como conseqüência irrefreável do desejo de prosseguir ampliando os limites temáticos, pelo acréscimo bibliográfico correspondente ao universo doutrinário.
Neste diapasão, consideramos (falo em nome da classe) completo o conhecimento dos Evangelhos e dos livros de Kardec, porque seríamos ingênuos se pretendêssemos apenas desenvolver exercícios relativos a tais obras, o que os instrutores, professores e palestrantes encarnados fazem de maneira sobremodo emérita e condizente com a necessidade dos grupos.
Quando vivo, ministrava cursos para iniciantes no Espiritismo, jovens ou adultos, mantendo-me atento aos conhecimentos que desenvolvia. Foram muitas as ocorrências de insatisfação dos pupilos quanto à maneira pouco convencional com que organizava as aulas, uma vez que não partia das situações idealizadas nos compêndios, mas da experiência de cada um, obrigando-os às confissões mais íntimas, para o desvelamento das superstições e das idéias decorrentes dos preconceitos. Achava que rompia as barreiras e punha às claras os problemas que conduziam as pessoas ao centro espírita.
Volto para declarar que errei na presunção de motivar os temas através dos exemplos particulares. Acredito hoje que a boa técnica didática pressupõe abordagem de natureza pedagógica, ou seja, que se conheçam as estruturas psíquicas dos estudantes pela observação de seu desempenho isento de turbulências emocionais, para, após a aquisição de sua anuência, tácita ou declarada, lhes vasculhar os meandros das personalidades, sem ferir jamais o núcleo dos sentimentos, no intuito de fazê-lo sangrar.
Há duas atividades a programar.
Primeiro, cabe aos orientadores conhecer todos os textos do compêndio, o que decorrerá do sistema de ensino fundamentado na teoria de campo, de acordo com a qual o contato com o tema deve prever leitura completa antecipada.
Segundo, a ordenação dos trabalhos deve incluir quatro momentos: a explicação dos objetivos, a realização de tarefas individuais, a discussão em pequenos grupos e o painel de avaliação dos resultados parciais.
— Quanto deve o mensageiro ao médium, especialista em Educação?
Certamente, a formulação em vocabulário mais preciso, conquanto se saiba que os dados científicos não pararam de evoluir, permanecendo os do meu auxiliar em passado não muito distante. Por isso, algumas informações estão menos rigorosas, embora tenha alcançado transmitir tudo o que pretendia. Não serão essas noções as que irão exigir dos leitores maior discernimento?
Encerro, rogando ao Pai que nos leve pelos caminhos da harmonia gerada pelo bem, por amor à humanidade e a todas as criaturas, em agradecimento ao progresso que representa a compreensão das mensagens, quer quanto aos temas, quer quanto aos dizeres.
Aceitemo-nos como somos, mas proponhamo-nos a melhorar sempre.
Graças a Deus!
Públio Émerson.



38. EXERCÍCIOS

Eis algumas questões para serem resolvidas após leitura e discussão das mensagens. Alertamos, desde logo, que este capítulo será o mais frágil, pois as respostas quedarão pendentes.
O autor irá permanecer incógnito, para que não se presumam interesses e motivações, valendo o tema em si e não a resultante psicológica, o que forçará os estudantes a trabalho tendente ao científico. Caso se agitem processos psíquicos vinculados aos sentimentos, devem os pupilos acalmar os corações.
Os exercícios estão numerados. Sua disposição é de rigor para a assimilação doutrinária. Por isso, sem dar cabal explicação ao primeiro, não se deve visitar o seguinte ou qualquer outro.
A duração do estudo vai depender da aplicação dos discípulos e não da vontade dos instrutores, mestres e diretores espirituais. É assim que os alunos da Escolinha de Evangelização são orientados.
— Quer dizer que, se a turma permanecer em improdutivo vaivém, não se reformulará o projeto, mesmo que o impasse se dê pela defesa de meros pontos de vista, sem o aval dos conhecimentos técnicos ou teóricos?
Não devem existir atritos. Se as pessoas não cedem, fazem muito bem, porque, em matéria doutrinária, envolvendo quesitos filosóficos, religiosos e científicos, a verdade surtirá translúcida para todos e não apenas para alguns.
Vamos supor que o assunto seja a mediunidade inconsciente dos artistas, havendo quem sustente que, mesmo desconhecendo o que seja Espiritismo, os autores recebem a influência do plano espiritual. Os oponentes, é claro, afirmam que os encarnados podem ter pendores geniais, prescindindo de qualquer auxílio. Como decidir semelhante querela?
O mestre circunscreverá a pendência para uma obra, propugnando o estudo das raízes sociais, culturais, literárias, históricas, filosóficas e do mais que lhe ocorrer, para que se definam os processos de criação segundo a biografia do autor. Os litigantes vão entender que o tema transcende o conteúdo doutrinário, demandando análises fora do âmbito da influenciação dos espíritos (protetores ou obsessores). Para não delongar o processo, o professor enfatizará o que houver de positivo nas assertivas de uns e de outros, pois tanto pode ter ocorrido passividade para recepção de intuições do plano espiritual, como ter-se estabelecido sistema de barreira mediúnica. Quando não há meios para o saber definitivo, os amigos volverão a vista para os recursos disponíveis, elegendo as hipóteses como tais.
Eis as questões:
1. Como alcançar crescimento evangélico através do trabalho socorrista?
2. Acreditam os amigos que os alunos da Escolinha de Evangelização existam na realidade, sendo capazes de preservar os créditos alcançados nos estudos, quando retornarmos ao plano material?
3. A avaliação dos textos deveria realizar-se depois de todos os estudos ou este momento é oportuno para caracterizar o que de proveito se pôde extrair das mensagens? Neste caso, enfatizem as que de mais perto tocaram os temas da preocupação de cada um. No mínimo, um ponto específico deve ser ressaltado.
4. Qual a crítica mais ferina e contundente que se pode fazer à Turma dos Apelos Emocionais? Ou o fator é inócuo, dadas as qualidades e defeitos que todos os seres apresentam neste ciclo existencial?
5. Que textos mais chamaram a atenção: os que descreveram episódios vividos na carne, ou os que buscaram evidenciar somente as conseqüências cármicas pelo sofrimento ou pela ventura no etéreo?
6. Quando os colegas declararam as profissões (professores, advogados, juízes, mecânicos, donas de casa, religiosos etc.) falaram mais de perto à inteligência ou ao coração dos leitores? Nesta altura, cabe observar que as respostas não devem ser dadas apenas por simples não, sim, talvez ou quem sabe... Os porquês são obrigatórios.
7. A quantas perguntas os leitores estão dispostos a responder? Seriam capazes de criar outras? De que tipos? Todas haverão de merecer respostas, evidentemente.
8. Relendo cada texto, assinalem-se as passagens que pareceram menos claras, menos precisas ou menos instigantes. Por que foram assim consideradas?
9. Examinem os títulos das mensagens e proponham outros, caso não tenham como justificar os que foram atribuídos por nós. Se não concordarem com a relevância da questão, obriguem-se a apresentar as razões da repulsa.
10. Estabeleçam séries de temas que gostariam de ter visto neste compêndio e forneçam pistas para o entendimento das sugestões.
11. Se não se satisfizerem com os aspectos levantados nos exercícios, apresentem os motivos, fundamentando as apreciações o mais cientificamente que puderem. Não se esqueçam de raciocinar sobre exemplos, para não ficarem flutuando em torno de fugidias impressões.
12. Que informação Vocês não aceitaram de forma alguma? Notem que a discussão deve levar o grupo todo à mesma ponderação. Façam como nos júris onde o veredicto só pode ser fornecido ao tribunal quando houver unanimidade. Também não se admitirá a falta da correspondente argumentação.
13. Se dissermos que este roteiro pretende disciplinar os encarnados para o recebimento de tarefas no plano etéreo, que terão a comentar em apoio ou rejeição ao informe?
14. Quem foi Jesus? E Allan Kardec?
15. Ressaltem três ou quatro apelos emocionais dos que assinam estes trabalhos. Demonstrem que tais entidades espirituais necessitam repensar as atitudes em descompasso com as leis cósmicas, para merecerem ascender ao próximo patamar evolutivo. Façam o mesmo consigo mesmos, se assim julgarem conveniente, porque podem não aceitar as palavras dos amigos e companheiros de grupo. Em que mensagem se encontra o conselho para o coordenador das discussões e estudos não solicitar informações dos pupilos que os possam perturbar? Apresentem algumas razões para concordarem ou discordarem da orientação.
16. Você veio lendo as questões, passando à próxima somente depois de haver respondido à anterior, ou está tomando ciência de todas, para definir a extensão do trabalho? Acha que irá dedicar esforço extra para cumprir os tópicos que assinalamos ou irá deixar para as calendas os exercícios, por não ver utilidade neles? Que lhe pareceu a mudança de plural para singular, no endereçamento das perguntas?
Anônimo.



39. NO REGAÇO DO SENHOR

Nada é impossível para as criaturas devotadas ao bem, com o espírito voltado para a realização das promessas do Cristo.
Mas é muito dificultoso agradar a todas as personalidades, mormente quando as pessoas se justificam perante a sociedade como cumpridoras de todos os deveres cristãos, sem se darem o benefício da dúvida.
Nós não viemos trazer aos homens o momento supremo da decisão, porque sabemos que não haverá de existir um instante definido para isso. O que almejamos, e pensamos haver conseguido, é colocar à frente dos leitores certas perspectivas de exame doutrinário, em função dos conhecimentos já assimilados, com o fito de possibilitar a revelação de fiapos de insegurança, na configuração da fé, segundo as palavras de Kardec.
Quem surgir no etéreo imbuído de que necessita aprender muita coisa, porque presume que nem toda a verdade foi evidenciada nas obras espíritas, haverá de ser recebido em festa, uma vez que se põe humilde perante a criação. Sendo assim, não nos cabe o mérito de ter vindo elucidar de vez as dúvidas dos humanos. Cabe-nos o desejo de fazer com que os leitores primem pela segurança argumentativa, perante os desequilíbrios emocionais, para alcançarem firmar, no fundo do coração, a esperança de ascender aos páramos do Senhor.
Preciso será, nesta faixa existencial que antecede a imersão no próximo campo de luz, que os irmãos se compenetrem de que Deus é pai de infinita misericórdia, no que respeita a admitir os erros de interpretação da lei, tendo em vista a fragilidade corpórea que preme o espírito contra os percalços da vida. Se acharmos que tudo sabemos, preparemo-nos para muitas desilusões, porquanto a caminhada é, no mínimo, sacrificial, principalmente da vontade originada no acendrado egoísmo de quem se considera fiel discípulo de Kardec e eminente apóstolo de Jesus.
Dissertar a respeito dos temas variados do Espiritismo não é, pois, passaporte para o ingresso na bem-aventurança. Todo conhecimento há de ser pesado na balança do amor a Deus e aos semelhantes, como na do respeito a tudo o que foi criado. Como estar em harmonia com a divindade, se propugnamos o sofrimento como norma para a aquisição das virtudes? É como se Deus quisesse que as criaturas padecessem. Não. Quem permanece em dor, em lágrimas, em desespero, em fúria e em ódio, só a si mesmo tem de acusar de incúria, pela ofensa às diretrizes que conduzem à felicidade.
— Quer significar que os homens não podem prantear a perda dos entes queridos ou a perspectiva de se tornarem órfãos os filhos?
Em tese, para a compreensão dos desígnios do Pai, não deveríamos cair em transes emocionais, uma vez que desconfiamos de que nenhuma depressão seja proveitosa. Ao contrário, deveríamos agradecer todas as oportunidades de crescimento espiritual, tornando benéficas as experiências que se aparentam funestas. Mas estas considerações são antigas e remetem aos primórdios do cristianismo, quando as pessoas, em nome de Jesus, consideravam a morte como supremo apanágio das conquistas morais e religiosas, como no caso dos chamados mártires da Igreja.
Modernamente, estamos cada vez mais conscientes de que para tudo se encontra remédio, seja para os males físicos, seja para os problemas psíquicos. Mas a fase pela qual estamos passando não nos permite a cura de todas as moléstias, como não se pode aspirar a que todos os desvios de conduta possam ser sanados durante o transcurso da vida. Daí, a solução para as doenças pode encontrar-se na morte, naturalmente, como os procedimentos indesejáveis haverão de ser analisados e superados num continuum de vidas cada vez mais próximas do ideal possível de atingir-se na crosta terrestre.
Esta postura de lúcida aceitação das leis cósmicas, tais como são descritas em O Livro dos Espíritos de Kardec, é que vai dar a todos nós a sensação de estarmos existindo no regaço do Senhor, desde o momento em que repousarmos os pensamentos, tudo almejando realizar a seu tempo e lugar, sem precipitações e sem conclusões extemporâneas.
Até recentemente os homens não tinham a ventura das informações codificadas da realidade espiritual. A obra acima citada está na infância de sua carreira no seio da sociedade, divulgando-se apenas nestes últimos cento e quarenta anos. Quanto a nós, não nutrimos esperança de que a nossa participação mediúnica tenha repercussão junto à mentalidade vigente neste final de milênio. Mas estamos, mesmo assim, escrevendo as mensagens e passando-as aos encarnados, porque sabemos que a luta é de cada dia, em cada coração. Se fosse definitiva a vitória da sabedoria sobre a ignorância, desde as primeiras pregações dos Evangelhos os homens não mais praticariam crimes nem se dariam aos vícios. No entanto, a História da Civilização está a indicar que os ganhos não se universalizaram, embora esteja muito claro que povos inteiros souberam conter os ímpetos de maldade, sob a luz emanada dos ensinos de Jesus.
Um dia, alguém encontrará estes textos e dará crédito às recomendações de prudência, podendo refletir mais especificamente sobre a sua maneira de ser, buscando melhorar-se para sentir um pouquinho mais de felicidade, ainda que em meio a tremendos entreveros do destino.
Vamos orar para que os amigos da espiritualidade superior vençam as barreiras de repulsão material dos descrentes e inspirem-nos no sentido de aceitarem de boa vontade os sacrifícios que os estudos da doutrina impõem. Também devemos pedir pelos irmãos que vagam ao influxo das tendências do imediatismo consumista da filosofia contemporânea, para que possam aceitar a renúncia de algum conforto, em proveito dos que não têm condições de simples acesso aos bens primários da moradia, da saúde, da educação e da segurança, para que possam obter a instrumentação intelectual mínima para receberem as notícias doutrinárias pela voz dos seareiros do movimento espírita kardeciano.
— Temo que o conferencista esteja a divagar em mundo de fantasias, como se a realidade na Terra comportasse tais raciocínios, em termos de globalização dos complexos conhecimentos espíritas que se expenderam neste opúsculo. Não se trata de pura utopia?
A Turma dos Apelos Emocionais é solidária com o argüidor, tomando como base a vida no momento presente. Mas não teria nenhum sentido se viéssemos pregar a melhoria dos perfeitos. Se estamos avisando quanto aos problemas com que nos depararemos todos nós, caso não procedamos atentando para os ensinamentos de Jesus e para as lições de Kardec, tal fato se deve à necessidade de superação dos conflitos que nos angustiam a alma e nos afetam o procedimento.
Lendo e relendo as mensagens, realizando os exercícios e prestando um preito de gratidão aos espíritos que se preocuparam conosco, iremos postar-nos de maneira a facilitar o ingresso no ciclo evolutivo que nos conduzirá mais rapidamente à esfera em que as vibrações da paz e da ternura de Jesus se farão mais acentuadas e poderemos apoiar os socorristas em sua benemérita obra de amparo aos infelizes. Enquanto isso não se der, elevemos o pensamento a Deus e roguemos que inspire a humanidade para a defesa dos valores cristãos, juntando recursos para que as novas gerações cresçam mais sábias e previdentes.
Que Deus nos abençoe!
Dorismundo.



40. UMA PALAVRINHA FINAL

Desde que, há quase vinte anos, nos apresentamos ao escrevente, introduzindo-o na mediunidade, vimos acompanhando-lhe o desenvolvimento, turma após turma, sempre envolvido em saudável aura de servidor atento.
Encontramo-lo hoje bastante feliz com a obra realizada, mas em estágio de expectativa quanto à divulgação, o que é absolutamente natural, pois nada mais compensador, para quem trabalha pelo bem em conjunto com as criaturas do etéreo, do que o domínio público das palavras de amor, de paz e de equilíbrio, em todos os seus aspectos doutrinais, filosóficos, religiosos e científicos, para a reflexão dos encarnados.
Contudo, tantas foram as obras entregues que a publicação de apenas uma delas o deixa mais ou menos aflito quanto ao destino das demais. Raciocina ele que o esquecimento das mensagens nas gavetas poderá pôr a perder o trabalho ou, ao menos, não deixar surtir o efeito que gostaria, pelos méritos que alcança divisar nas obras. Acrescenta-se-lhe ao acervo da ansiedade o aspecto positivo de os amigos agasalharem os textos com boa vontade e discernimento.
Mas seria, de fato, lamentável, por exemplo, ficar este opúsculo sem propagação no meio espírita, já que tão-só reflete algumas meditações de irmãos matriculados na Escolinha de Evangelização?
— Se os ensinamentos que aqui se contêm são pobres e imperfeitos, demonstram apenas curta fase de aplicação aos estudos de modestos alunos necessitados de maiores conhecimentos justamente nas áreas em que investiram os esforços. Fazer com que os leitores partilhem desse labor transitório, na insana missão do conhecerem-se a si mesmos através das experiências de outras criaturas, não será penosíssimo, além de cansativo e desagradável? Não haverá de ser significativamente mais proveitoso arejar-lhes a mente por meio da leitura dos códices do movimento espírita, desde que programada com inteligência por professores eméritos, com desempenho comprovado junto a renovadas turmas de alunos?
Nada temos a objetar à extensa apreciação, uma vez que as premissas ali contidas sejam as que se apresentem como fatores de desenvolvimento dos tópicos não totalmente compreendidos pelos que almejam informações mais precisas a respeito dos pontos em que criaram dúvidas ou que não absorveram com integral percepção.
Ficaremos, todavia, no aguardo das respostas dos editores. Ao grupo coube a tarefa de formular as questões de maneira a não deixar dúbia ou misteriosa a colocação evangélica nem o desenvolvimento doutrinário. Tudo se discutiu com critérios aprovados pelos orientadores da colônia; somente, porém, os responsáveis pelos cursos nas casas espíritas é que poderão dar consentimento para que penetremos no coração de suas classes.
Cada pequenino pensamento com o sinete de mediúnico deve ser sopesado com muito rigor pelos que respondem pela divulgação do Espiritismo, o que é natural, tendo em vista o objetivo maior dos doutrinadores e expositores ser o de resguardar a pureza dos conceitos. Contudo, caso uma ou outra sede tendesse a aceitar esta coletânea, sem que tome contato com ela, obviamente, não terá oportunidade de saber do proveito que retiraria das tarefas realizadas de acordo com o roteiro aqui consignado.
— Como se justificarão as últimas palavras, se o livro cair nas mãos de quem o dê a lume? Não estarão sendo precipitadas?
Não pensamos exatamente dessa maneira. Supondo-se que o livro tenha merecido ser impresso, seguem junto estas informações, no sentido de dar aos leitores conhecimento de que outras obras existem para serem solicitadas a quem de direito. Mas o raciocínio fenecerá, sim, no caso inverso, ou seja, se ninguém com poder de difusão ler esta mensagem, porque estaremos clamando no deserto, embora o querido amigo médium possa regalar-se com texto exclusivo seu.
Esperamos que estas palavrinhas não sejam as últimas, mas que possam constituir-se na alavanca a erguer a pesada carga dos setenta e tantos livros, pelos quais nos responsabilizamos, porque os conhecemos e porque sabemos de seu potencial de estímulo, de incentivo e de desencadeamento de reações positivas no âmbito da aprendizagem espírita.
— Está a ponderar o médium que as obras que tem enviado às editoras voltam com avisos diversos a respeito da impossibilidade de assunção dos riscos empresariais. Não estará aí, claríssimo, o indício de que os textos não contêm atrativos ou se fundamentam em teses espúrias, contrárias à doutrina?
Concordamos com que muitas obras contenham aspectos muito novos no tratamento dos temas espíritas. Aceitamos, também, que muitas merecem críticas quanto à linguagem, em seus diversos aspectos, quer quanto ao exagero de eruditismo de alguns textos, quer quanto a certas expressões mais vulgares na voz de personagens de baixa categoria social, quer quanto ao nível de elaboração retórica de determinados trechos. Não obstante, devemos observar que as novidades tendem a assustar.
O remédio que Kardec prescrevia era o da prudência na aquisição do saber emanado da espiritualidade, sistematizando o melhor método de avaliação do valor dos pensamentos e dos sentimentos expressos.
Quanto a estas mensagens em particular, a simples recomendação de que os estudantes e os estudiosos devam iniciar as leituras somente depois de caminharem por todos os livros da codificação, conhecendo, ainda, de modo seguro, as lições dos Evangelhos, basta para conceder aos autores o crédito da boa vontade.
Aceitem nosso abraço apertado, na confiança de que não lhes estamos traindo o bom senso, uma vez que nos expusemos em cada página. Por todos os amigos, estamos sempre elevando os pensamentos em nossas preces. Por nós mesmos, rogamos a Jesus que nos ilumine e nos proteja de qualquer pensamento de perfídia ou sentimento de orgulho.
Fiquem na paz do Senhor!
Maciel.

Indaiatuba, de 04.06 a 29.07.97.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui