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Contos-->Viúva de seis -- 10/08/2004 - 07:30 (Sirlei ) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Viúva de seis



Nega, mulher de pele lisa e seios fartos, se sabia sempre a um passo do delito. Bastava um gole de cerveja, “Da Boa”, que da luxuria bebia; as palavras corriam fáceis acordando o corpo e, meneando os quadris, perigosamente, circulava com graça exuberante deixando no ar um rastro de perfume barato. Não que fosse fácil, o diabo, como dizia, é que não dava conta da bendita memória a atentar contra o juízo; as lembranças de tantas noites regadas a prazer, esse sim fácil, deitavam por terra qualquer tentativa de charme e quando, em raro momento de lucidez se questionava, justificava: caramba, não sou de ferro. E não era. Aliás, era de pura carne macia e quente, e tanto, que aceitou de pronto aquele convite em tom de posse.

- Bora?

- Bora!

- Aonde quer ir a princesa?

- Nego que é nego não pergunta, leva.

A frase dita em tom jocoso agradou o moço que, com intimidade, na cintura marcada pelo cinto, demarcou território deixando claro que também estava mais pra ação que conversa. Já no táxi e indicando o caminho, com o nariz enroscando no brinco de argola, sussurrou:

- Você ta demais.

- To no tanto certo.

E assim, sem mais, que já estava tudo entendido, ou quase, partiram. Durante o trajeto, obediente ou quem sabe estudando a situação, nada falou. Mas vê-se que valeu o silêncio; na chegada, todo cheio de pompa e mistério quanto ao lugar, com a mão direita apoiada na porta do carro, curvou levemente o corpo e com a outra fez mesuras à princesa, que achando graça no exagero do gesto, abriu um largo e generoso sorriso de dentes claros e perfeitos.

- Olha que assim eu gamo.

- Gama minha princesa, gama, que sou todinho seu.

Os pés espremidos nas sandálias douradas de plataforma tocaram o chão com a leveza dos felinos. Lentamente o corpo moreno projetou-se no tempo da noite morna; suas mãos desceram maliciosamente do busto aos quadris, desenhando as curvas generosas alisando o vestido estampado de hibiscos. Ajeitou a alça da bolsa no ombro, simulou tirar um excesso de batom vermelho dos lábios graúdos e só então se deu conta que não tinha posto reparo no moço. Com olhos estreitados esquadrinhou dele cada canto e num segundo tinha-o inteiro em perspectiva desenhado. Da camisa branca em cambraia, quatro botões abertos deixavam à mostra o peito de pelos ralos; várias correntes douradas de diferentes tamanhos e espessuras brilhavam com facilidade, tanto ou mais quando ao movimento deliberado do punho, brilhavam as pulseiras sob a luz da lua. As coxas grossas, resultado, por certo, do trabalho árduo nas tantas subidas e descidas em andaimes, ou quem sabe, na estiva, forçavam o linho branco da calça. Nos pés, as meias brancas apareciam nas gáspeas dos sapatos bicolores, arrematando o que chamava praticamente perfeito.
Ainda na calçada, um arrepio desceu-lhe as costas e se espalhou pelo corpo feito um raio; com as mãos na cintura e a voz teimando em não sair, disse:

-Você ta pensando que eu vou entrar nisso aí?

- No melhor estilo, como uma princesa.

- Sei não, ta com cara de bordel.

- Confia princesa, não ia sujar contigo.

- Olha lá, se tu ta aprontando pra cima de mim a coisa vai ficar feia; não sou de deixar barato, não.

-Vai, dá credito pro nego aqui, depois tu cobra que até pago em dobro se for o caso.

Diante da explicação e do comprometimento do moço, apostou todas as fichas.
Com um olhar rápido aprovou o que viu. O ambiente era simples, mas bem cuidado; no chão de cimento queimado, nada de farelos ou papéis amassados - ao lado do balcão um imponente cesto de lixo assegurava o asseio.
Heroicamente o balcão sustentava um vidro grande com sardinhas escabeche, um prato com ovos cozidos (coloridos), lingüiça frita e torresmo, que podiam tanto ser servidos à mesa ou, se fosse o gosto do freguês, consumidos ali mesmo. As mesas cobertas com toalha em xadrez vermelho e branco estavam dispostas ao redor do ambiente de forma a criar um espaço central que servia de pista de dança. Mas o que mais chamou a atenção, foi o ventilador que a um canto, assemelhava-se a uma mulher esguia deixando-se ventar à beira do penhasco, integrando perfeitamente o corpo ao mar e ao ar, cujos cabelos - serpentinas agitadas - deixavam o rosto fresco descoberto, transparecendo restos de sonhos e de desejos que lhe causaram novo arrepio.
O moço, percebendo que o clima estava a seu favor, tratou de escolher uma mesa no lado oposto ao do balcão, onde se abeiravam aqueles que preferiam apreciar o ambiente. Pediu uma porção de calabresa - advertindo minuciosamente que preferia fatiada e com cebola - e cerveja estupidamente gelada. Comiam e bebiam em meio a risos, brincavam com as imagens fantasmagóricas do fumo, dançavam vez ou outra... Enfim, a noite ia aos conformes, pensava.
Os efeitos dos vários copos sorvidos já se faziam sentir; o sangue corria forte provocando uma leve pressão nas têmporas, o corpo suava, o vestido colava, a música tocava... E foi nessa hora, para seu desespero, que o moço decidiu trocar uns dedos de conversa com alguém que lhe acenara do balcão. E assim, completamente à mercê do que quer que fosse que lhe fustigava a carne, encaminhou-se à pista deixando-se levar ao requebro desmesurado do ritmo do samba.
Não tardou aparecer aquele que a poria em descaminho; caminhando com desdém, daquele jeito mole dos que se sabem, aproximou-se e, tomando-a nos braços colando seu corpo ao dela despudoradamente, sentenciou:

- Hoje você vai ser minha.

Um resto de dignidade tingiu de vermelho o rosto moreno, e numa tentativa desesperada afastou aquele corpo, não sem sofrimento, ensaiando um esboço de justificativa:

- To acompanhada.

- Claro, ta comigo e antes que a noite termine, vou fazer você todinha.

Pelo som do seu gemido soube, não resistiria muito tempo. Assim foi: antes que pudesse pensar em algo, sua boca foi coberta por um beijo molhado e guloso, e na urgência da paixão, tudo estava decidido. Arrebatada, pesou o seu corpo ao dele, nada mais importando.
Difícil calcular o tempo, mas jura, foi uma eternidade. Quando abriu os olhos, a realidade era bem outra; viu, por entre a fumaça, seu companheiro se aproximando. A camisa um tanto mais aberta anunciava sua disposição. O palito rolava frenético de um canto a outro da boca, aumentando a certeza que tudo estava perdido. Com a força peculiar dos fortes pelo trabalho e sem perguntas, que não carecia de explicação, juntou logo abaixo do queixo numa só mão a camisa do infeliz empurrando-o sobre uma mesa.
Gente correu, caiu, se levantou e caiu novamente... Socos, pontapés, impropérios, sangue... Assustada - não o suficiente para negar a satisfação na disputa - recuou em segurança até que tudo ficasse em silêncio. De repente, em meio à nuvem de poeira que, uma mão calosa agarrou seu punho direito e imediatamente reconheceu o vencedor; com os lábios trêmulos, que lhe conferiam ar inocente, beijou-o apaixonadamente enquanto ao fundo, na voz de Bezerra da Silva ouvia-se, “Viúva de Seis”.
















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