Parto para São Paulo. Forte turbulência entre Recife e Maceió, quando
escuto:
"Senhores donos da casa o cantador pede licença, pra puxar a viola rasa
aqui na vossa presença. Venho das banda do Norte com permissão da
sentença, cumprir minha sina forte já por muitos conhecida, buscando a
ilusão da vida ou o cutelo da morte e das duas a preferida, a que me
mandar a sorte".
A sorte me leva ao shopping Ibirapuera, a uma quitanda aonde tento
comprar um abacaxi e uma berinjela. Tentei mas não consegui. Delegacia
do Turista, 27ª (ou 25ª) DP, Procon, melhor: "Poupa-Tempo". Mas era
sábado.
Um frasco de perfume na sacola, aliás, dois, importados - italiano e
cubano -, e uma rosa solitária me anunciavam como pacífico, apenas
indignado com a negativa.
De Congonhas, do Poupa-Tempo (como se chamam as agências locais do
Procon) fechado, de táxi, volto à casa da Rita. Uma
belíssima casa (apartamento) que aninha uma bela mulher e
seus valores e crenças, símbolos e talismãs. Entrego-lhe a rosa, um
beijo e a descortesia dos "seus".
Passei por Brasília, iluminadíssima e uniforme, Goiània, bonita, e
finalmente o
mar de luz que é São Paulo.
Rita me antecipara São Paulo, não os que não são seus. A Avenida
Paulista, a Sé e a sua Catedral, com repentistas na praça, crentes e
um mágico e capoeira baiano. As Mesquitas, os bares e restaurantes, a
Bandeirantes. O belo e suntuoso Palácio da Justiça, o Teatro Municipal,
o Centro Cultural e o Mário de Andrade. O Parque do Ibirapuera, com o
Museu de Arte Moderna e o prédio da Bienal, além do Planetário em
reforma.
Lá no parque marcava 28 graus (mais tarde 17) - vi 31º certa vez, não
exatamente no Ibirapuera -, e havia no museu uma exposição comemorativa
dos 100 anos do nascimento de Càndido Portinari, com suas "mulheres e
crianças" redondas e seus baús sempre presentes. Presente o neo-
expressionismo alemão. Sorri pelo frio anunciado que não apareceu.
Banco Santos e exposição do acervo fotográfico de D. Pedro II em visita
ao mundo árabe, inclusive com uma foto que ele tirou dele próprio e
assinou no verso. Era o que estava dito.
A história da Caixa Económica Federal e um pouco de Carmem Miranda,
pequena e bonita como a Rita. Um São Paulo versátil e verdadeiramente
cosmopolita: Liberdade, Brás, Bexiga. Morumbi, Cidade Universitária.
Museu dos Imigrantes, Museu da Imigração Japonesa e uma garrafa da
aguardente Pitú, de Vitória de Santo Antão, Pernambuco.
(Ah!... E dei a ela chocolate pernambucano (além de paçoquinha), de
Abreu e Lima, comprado na padaria de seu João, em São Paulo. Bebemos
com amigos vinhos Chileno, Português e Francês, nutridos pelos quitutes
da D. Ondina.)
Voltando ao parque do Ibirapuera: presentes os cachorros, a formalidade
dos paulistanos mesmo quando à vontade, na informalidade. Presentes as
dimensões grandiosas de São Paulo, de seus centros de compras:
Eldorado, Iguatemi, Paulista. As marginais Tietê e Pinheiros. A
Juscelino Kubitschek, as queridas Clodomiro Amazonas, Fiandeiras,
Eduardo Faria Lima e a Hélio Pelegrino, a que sempre usava para ir ao
parque, e quando fui aos correios passar um fax, seguindo também pela
Santo Amaro.
Andamos muito de metró e trem, cuja diferença, segundo um citadino, é
que "um vai por um lugar e outro pelo outro"; ou o mais consentàneo: "um
por cima e outro pelo subterràneo". Nosso itinerário de volta: Sé, Barra
Funda, Presidente Altino e Vila Olímpia, onde mora a flor. Não nos
perdíamos.
Mais um conto dos Cem Melhores Contos do Século, do ítalo Moriconi. Um
pouco mais do seu sorriso e muito mais da minha vontade no enlevo da
luz que transbordava de seus olhos. 50 volts e a história luzidia da
Ponte Rio-Niterói. A Confraria dos Espadas, se não me engano e esqueço,
do Ruben Alves, que lhe dediquei. Os contos de Drummond, na voz de
Leonardo Vieira. A História de Pernambuco, imortal, imortal... (Eu
pernambucano e ela metade pernambucana, filha de mãe da terra
dos altos coqueiros - revoluções libertárias e dos Fre(yi)res,
Bandeira, Carlos Pena e Cabral - com pai paulista.)
Passo pela Bienal, fechada, e compro-lhe o DVD da vigésima quinta, da
representação do Brasil. Havia o Gil Vicente, para quem tive olhos
privilegiados e ela a me dizer, mais ou menos assim: "puxa a vida! Você
só presta atenção nos pernambucanos! Que coisa!" Sustava-lhe a voz com
um beijo.
Então passamos a Chico, a Adriana Calcanhotto, nos seus espetáculos.
Ouvimos outras músicas: ela com o CD do Paulo Vanzolini, o único, - em
que há a história do diabo que frita a mulher (chamada por ele de
bicha) "transformada" em salsicha - e Jackson do Pandeiro. E eu... Eu
ia de Elomar, Elton John
e Fagner cantando Patativa do Assaré. Ouvia Luiz
Gonzaga: "vai boiadeiro que a noite já vem..."
Assim passamos um mês: lendo juntos, fazendo poesia, passeando,
conversando ao
telefone - quando estávamos em diferentes lugares,
vendo DVD s, VHS e televisão (Rita adora o Rock Gol, da MTV).
O saldo disso tudo: a certeza da sua profunda beleza, inteligência e sensibilidade.
Fui à USP. Conversei com um doutorando de Física, Física de Sólidos.
Não era a sua área Teoria do Campo Unificado, Supercordas, Buracos
Negros e outras. Rita gosta disso e eu também. Pensamos em desvendar o
segredo da criação do universo e recriá-lo com um pouco mais de luz e
menos dor (idéia dela). Mais harmonia, mais paz. Sem o imperativo
dialético da sobrevivência pela morte. Abaixo a ditadura do Gene
Egoísta (e do relógio).
Áfricas e Recifes... Sei que a Rita é uma das maiores especialistas
Brasileiras das Religiosidade e Cultura Afro-brasileiras.
Minha querida Rita Amaral, por quê, então, Áfricas e
Recifes?
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