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Contos-->O VELHO POETA -- 01/08/2004 - 20:20 (Edson Campolina) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O VELHO POETA
Por: Edson Campolina

Naquela madrugada o velho poeta seguiu a liturgia de seu versejar. À meia luz amarela da luminária, se debruçou na colonial escrivaninha de jacarandá apoiando seu cotovelo esquerdo e segurando a fronte como um médium. Embriagou sua pena em gotas da negra tinta, devolvendo o excesso à borda do pote. Posicionou-se; dali não prosseguiu seu punho.

Sua alma em silêncio foi traduzida pelo branco presunçoso do papel a desafiar a pena e o devaneio do velho poeta. Não ouviu o canto do grilo lembrando-lhe a hora, tampouco o alerta da coruja que se empoleirava na varanda. Aguardou o apito do navio que lhe acordava o coração, mas o porto parecia fechado. Imóveis cortinas não tinham brisa a receber que lhe soprasse inspiração ao ouvido. A lua estava nova, vazia do leite que nutria suas saudades. As estrelas, sem lhe piscar em flertes, ainda mais distantes e misteriosas, se refugiaram detrás da coluna de invisíveis nuvens. A madrugada, morta, não anunciava qualquer porvir.

A eternidade do verbo caiu num buraco negro da memória do poeta. Talvez já escrevera todas suas melancolias, desamores e angústias. Não restava sequer um amigo para correspondência, ou não o lembrava, pois todos se apresentavam ao seu alcance. A mulher amada já lhe correspondera o carinho e afeto que ontem manchara suas linhas traçadas. Se o verbo fora no início de tudo o princípio, agora lhe anunciava o fim em sua ausência.

As tempestades que lhe perturbavam o oceano do pensamento rumaram a outros mares. As brancas velas, no papel abertas, agonizavam perdidas na calmaria. Sua pena que outrora, louca varrida, singrava em suas cartas náuticas as linhas de seu poetar, pingava gotas lacrimosas de sua mão trêmula.

Pensou na temperança que lhe atingia. Talvez uma estóica sabedoria o teria alcançado. A longa estrada chegara ao fim no horizonte da sapiência. E não percebia novos caminhos traçados. Então secou sua pena, agora lúcida, repousando-a no vazio da gaveta. Levantou-se fitando as gotas de despedidas manchadas no papel e trancou seu altar. Naquele dia o verbetista conheceu o inverso de sua homilia. Talvez no anverso da folha, sua louca pena não mais varreria a pujança da brancura do papel que lhe recusara o gozo. Uma descoberta lhe penetrou a razão: não podia o velho poeta versejar sem paixão, não podia o velho poeta versejar sobre a felicidade. Foi se encontrar em seu leito de vida.

Fim.
RJ, 01/08/2004

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