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Contos-->SINOPSE DE UMA HISTÓRIA BANAL -- 24/06/2004 - 21:25 (adelay bonolo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
SINOPSE DE UMA HISTÓRIA BANAL

A história relata um caso de amor vivido entre dois jovens de duas famílias de uma cidade do interior localizada em qualquer país da América Latina, menos a Argentina, que, embora tenha recebido muitos imigrantes europeus, sobretudo alemães, não tem quase nenhum negro lá. Situá-la, pois, no Brasil dar-lhe-á maior verossimilhança: aqui foi o paraíso dos alemães foragidos e o inferno da raça negra!

A família Breitshoor fugira da Alemanha, por razões financeiras, antes da ascensão do III Reich e trouxera, em sua bagagem, além de muita saudade da terra, uma grande dose de racismo, daquele racismo em que só a raça ariana tem vez, com exclusão de todas as demais.

A outra família, Patrocínio, havia igualmente imigrado para o Brasil, por razões também financeiras, só que da Companhia das Índias Ocidentais, vindo da África à força, uns três séculos atrás, num porão de navio negreiro. As semelhanças param aí.

Os dois jovens, personagens centrais da história de amor, são Ludmila, filha única dos Breitshoor, uma loiríssima muito formosa, e Bernardo, primogênito dos Patrocínio, um negro como qualquer outro, de boa estatura, bela complexão física e uma razoável aparência.

O genitor de Ludmila, um alemão grosso, em todos os sentidos, procurava entre as famílias ricas da região algum jovem, de estirpe nobre (como se houvesse disso por estas bandas!), que pudesse esposar sua filha. O pai de Bernardo, porém, sabiamente, preparava o filho, desde cedo, para ser jogador de futebol, paixão da família e tios, e profissão de muito boa remuneração, sobretudo se o jogador for um craque.

Ocorreu, no entanto, que o destino, pregando uma grande peça no velho alemão, quis que Ludmila viesse a apaixonar-se perdidamente por Bernardo e este por Ludmila. O par formava na realidade o que se diz na gíria, um legítimo café-com-leite. Mais uma vez registrou-se na vida biológica o corolário da lei de Física, de que os contrários se atraem.

Os Breitshoor obviamente não podiam admitir tal audácia da parte dos Patrocínio e tamanho despudor de Ludmila. Quando disso souberam, passaram a manter a moça sob severa vigilância, digna da Gestapo.

E, assim, Ludmila e Bernardo, iniciaram encontros às escondidas, acolitados à sombra de pequeno bosque fora da cidade, encontros furtivos que nem toda precaução do velho nazista conseguia evitar.

O tempo, porém, não escondeu o resultado desses encontros: um dia, Ludmila não pôde mais dissimular a protuberância crescente de seu ventre. Bernardo havia engravidado a moça, sem a menor cerimônia.

Para minimizar a vergonha que essa gravidez lhes causava, que ferira de morte seu sentimento ariano, os Breitshoor, entre a vergonha da honra ferida e a perda da filha, preferiram esta última opção àquela e enviaram Ludmila para a casa de sua tia Elga, irmã da mulher de Fritz, mais conhecida como Frau Frida, que morava na capital. Acompanhada do exílio, o alemão deserdou a filha.

Lá, passado algum tempo, nasceu Álvaro, que cresceu em tamanho e graciosidade e sacanagem.
Sua queda e pendor para o bailado levaram-no aos salões de dança e academias de ballet, descendo depois aos cabarés da cidade e, finalmente, à zona do baixo meretrício, onde, no bojo de uma vida escrachada e libidinosa, terminou sendo assassinado, numa exasperante cena de ciúme, por um soldado do exército, o último de seus amantes.

Bernardo, seu pai, não o conheceu e seu avô, o pai de Ludmila, nunca o viu, não vindo jamais a saber que as feições do neto lembravam muito de perto as do moço Bernardo, cuja masculinidade o jovem Alvim não herdara, nem de longe.

Os laços de amizade foram rompidos e o amor fraternal, filial ou paternal, se existiu algum dia, desapareceu. Ludmila soube mais tarde que seu pai havia morrido de desgosto, menos pelas tendências e práticas homossexuais do rapaz que pela vergonha que a filha lhe havia proporcionado. Nunca a perdoara. Uma tentativa malograda de retorno à Alemanha frustrou ainda mais o velho. A mãe, Frau Frida, por solidariedade à memória do marido, também ignorou a filha e sua irmã, interrompendo de vez o contato com elas até sua morte, igualmente inglória.

Com o deserdamento da filha e a morte do casal, a herança dos Breitshoor, à falta de herdeiro conhecido, tornou-se jacente(1), depois vacante(2), vindo a ser repassada ao Estado, de acordo com a lei(3). Ludmila soube também que Bernardo se mudara para local ignorado. Deveria certamente estar em algum time de futebol da Europa, se é que o rapaz conseguira vencer na concorrida profissão. Nunca mais ouvira falar dele. Bernardo, por uns tempos, sentiu a separação forçada de Ludmila, mas as tarefas e constantes viagens pelo mundo, a custa do futebol, fizeram-no esquecer completamente os amores do passado.

Elga, a irmã mais nova de Frau Frida — as outras ficaram na Alemanha —, casara, pouco depois de ter chegado ao Brasil, com um alemão foragido da Gestapo, por ter apropriado bens de diversas famílias judias, que ajudara a delatar. Depois de pouco tempo de vida em comum, fugiu para local ignorado, não sem antes conseguir o consentimento de Elga para vender a casa onde moravam, sob a alegação da compra de outra maior e melhor. A trama foi bem urdida e Elga, sem de nada desconfiar, acabou ficando na miséria, morando de favor na casa de amigos. Passado algum tempo, conseguiu uma casinha popular, num bairro da periferia, com a ajuda de Ludmila, cuja beleza, mantida a despeito de todos os revezes sofridos, abria portas com uma facilidade incrível.

Hoje, Elga e Ludmila, acabadas mais pelo desgosto que pela idade, ainda vivem — ou definham — no mesmo bairro pobre afastado do centro da capital, numa vida miserável sem charme e alegria, procurando esquecer o que não pode jamais ser esquecido.


Adelay Bonolo


(1) Herança jacente. Jur. Aquela cujos beneficiários ainda não são conhecidos, e que fica, por isso, sob a guarda, conservação e administração dum curador, até aparecerem os herdeiros ou declarar-se-lhe a vacância.

(2) Herança vacante. Jur. A herança jacente que se devolve ao Estado uma vez decorrido o prazo legal e confirmado o não aparecimento de herdeiros; herança vaga.

(3) A irmã de Frau Frida, Elga, poderia ter assumido a herança, por ser herdeira legítima, mas não se interessou por ela, vindo a perdê-la definitivamente. Ludmila, como se diz na história, havia sido deserdada.





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