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Contos-->ZÉ DURANGO -- 13/06/2004 - 23:57 (Edson Campolina) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ZÉ DURANGO
Por: Edson Campolina

Os sinos da Igreja Matriz de Santa Quitéria estavam há dois quartos de hora para anunciarem a “Hora do Anjo”. Os rádios tocariam a Ave Maria. Então vestiu seu sobre-tudo preto, calçou a cabeça em seu chapéu de negro feltro e abas circulares. O adiantado da tarde rogava um apressado passo até o encontro com seus “discípulos”. Desceu a escada de madeira que acessava sua cabana suspensa na árvore e se pôs ligeiro a percorrer a estrada empoeirada pela estiagem do inverno, entrando na pequenina e quatrocentenária cidadezinha dos grotões da Mantiqueira.

Sentou-se nas calçadas de pedra sabão às portas do casarão do arruinado hotel dos bandeirantes. Calçadas que lembravam muros em níveis erguidos pelos negros escravos. Badalaram vagarosamente seis vezes os sinos da torre defronte. Com debochados sorrisos e curiosidade peculiar dos adolescentes, os estudantes liberados do grupo escolar se aproximaram.

_ Se acheguem. Vindes ouvir o que não lhes dirão o professor, seus tutores ou os doutores de seus templos.

Meninos e meninas se ajeitavam nos degraus mais baixos enquanto transeuntes zombando da caricatura figura dirigiam olhares de reprovação e rejeição ao vespertino evento.

Com os olhos quase encobertos pelas abas do chapéu respondia às perguntas preliminares de seus ouvintes.

_ Zé Durango, é verdade que você estudava pra padre?

_ Dizei a vós que estudei o ofício, mas padres todos o são.

_ Você foi expulso ou saiu por vontade?

Mantendo-se sereno e com a voz grave e circunspeta iniciou sua cotidiana pregação:

_ “Bem-aventurados sereis quando vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem contra vós toda espécie de mal, por minha causa”.Assim, segundo São Mateus, Jesus dirigiu-se aos discípulos. Pois vos digo ainda: entre o sim e o não está vosso livre-arbítrio, fazeis dele o que lhes comanda a consciência, mas a fogueira da inquisição do inferno chamuscará toda forma de preconceito e julgamento pagão. O bem-aventurado abdicará de seu passado em favor do presente. Percorrerás os caminhos de sua fé, mesmo que seja de mendicância por favores. Olharás à frente, para o futuro da absolvição de vossos pecados e ressurreição para a vida eterna. “Grande será vossa recompensa no céu”.

Um murmurinho coletivo vingou o silêncio dos adolescentes e prendeu a atenção dos habitantes na pracinha à frente da igreja quando o homem levantou-se abrindo os braços. Desabotoado, o sobre-tudo abriu-se como um manto patrístico. Erguendo o queixo e forçando um eco nos casarões defronte, esbravejou em discurso.

_ E digo mais a todos vós: “Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, vos repelirem, vos cobrirem de injúrias e proscreverem vosso nome como mau, por causa do filho do homem”. Licencio-me junto a São Lucas, pela prova de vida que impuseram a mim, que sereis então julgados pela justiça Dele – dedo em riste apontando o céu – que não faltará aos que dela nesta vida teve sede e fome.

Desceu os degraus da calçada e em passos firmes e largos tomou o rumo da poeira soprada pra fora da cidade. Braço erguido apontando o céu, repetiu seu discurso até a sua árvore, ignorando os assobios e gritos dos habitantes.

_ Zé Durango! Zé Durango!

Pouco se sabia do pobre homem que se vestia de preto, abrigava-se numa árvore e sobrevivia de comer ervas, raízes e aves do serrado.

Uma neblina cinzenta desceu as serras naquela noite. Abrigado em sua cabana de restos de construções e demolições, o homem refugiava-se em seus perturbados sonhos. Repentinamente sentiu-se sacudido. Pedras se chocavam nas madeiras e latões de sua habitação. Uma gangue de moleques perturbava sua sossegada solidão. Seguro no galho atravessado no alto da cabana professou injúrias a seus agressores. Uma parede de latões desabou e a gangue se perdeu na neblina.

Com o rosto coberto pelo chapéu, avançou pela cidade segurando o menino como a um bebê. Um latão o degolara na queda. A cidade acordava pelas janelas aos gritos de “Meu Deus!”, “Valei-me, Cristo!”. Subiu as escadarias da Igreja Matriz jazendo o corpo pequenino no alto. Um grupo de moradores se formou na base da escadaria. O homem apontou o corpo do menino e disse aos ouvintes:

_ “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”.Inocente em seu delito, foi chamado ao exemplo para seus próximos. Agora chorai e consolai-vos uns aos outros, pois ainda hoje ele estará na companhia do senhor.

Tomado pela tristeza, desceu a escadaria e atravessou a pequena multidão que, atônita pela tragédia, observava as lágrimas em seu rosto. Desapareceu pela neblina na noite fria, nunca mais sendo visto.

Fim.
13/06/2004

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