Ouviu seu nome seguido de alguma informação do menino que descia o morro correndo, os cabelos espichados pelo vento. Soltou a foice, apurou os ouvidos e tornou a escutar, desta vez mais nítido: mataram o teu pai. O coração aos saltos, pôs-se a subir o morro ao encontro do companheiro. A subida era íngreme, a descida súbita, havia cercas pelo caminho, mas ele tem a sensação de que nunca parou até chegar à praça central do lugarejo onde se aglomeravam os habitantes ao redor de um homem. Um homem que lhe inspirava mais medo morto do que vivo porque cercava-se do respeito que a morte confere às pessoas. Os chinelos embarrados, as calças de riscado, a camisa xadrez, a poça de sangue, o chapéu de palha, as pessoas apontando o filho, a filha e a mulher que chegavam abraçadas, as diferentes versões contadas na presença das crianças, a boca seca e os pensamentos confusos: quem vai retirá-lo daqui? Quem vai cuidar da nossa família? Onde está o homem que matou o meu pai? O que quer dizer aquela expressão no rosto da mãe?
O corpo foi velado durante a madrugada e de manhã o menino foi chamado para receber as orientações de um tio. Tua mãe está mal, tu tem que cuidá dos irmão.
Os cabelos grisalhos, os olhos claros, a pele cansada do sol, a estatura tão superior à dos homens de sua época e as mãos grossas e pesadas do descendente de alemão ajudam a contar histórias pessoais enquanto fala de política. Mais de meio século de fidelidade ao que acredita, penso com ternura ao me servir do ensopado fumegante que ele colocou sobre a mesa na minha primeira visita à casa de subúrbio cercada de quintal e pomar.
Ando para uma estante de livros sobre economia e política, ele escova com cuidado uma prótese discretamente escondida na palma da mão. Demora-se nessa tarefa e eu sou arrebatada por um grande carinho que nunca imaginara sentir em tal situação.
Retira os pratos da mesa: Temos ossos para o feijão, brinca, e eu fico feliz porque faço parte da vida dele.