Usina de Letras
Usina de Letras
60 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62247 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22538)

Discursos (3239)

Ensaios - (10372)

Erótico (13571)

Frases (50643)

Humor (20034)

Infantil (5442)

Infanto Juvenil (4771)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140812)

Redação (3308)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6199)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Sina de felicidade -- 06/06/2004 - 21:05 (Luciene Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Sina de felicidade

Sina de felicidade

Você, decerto, não conhece Jequitinhonha. Ela não se importa com isso, pois não vive para ser conhecida, mas simplesmente para viver a própria vida. Do bagaço ao talo. Com seu vestido estampado, cor de abóbora, cianinhas seguidas por babados, ela veste por cima uma camisa de renda fina que mal lhe cobre o soutien branco a esconder seios bastos. Em cima de tudo isso, põe colares de nagô de várias cores. Nos ombros, um xale vermelho com listras pretas. Nos pulsos, pulseiras de contas. Na cabeça, turbante branco. E vai para a roda de dança ser admirada pelo povo que se embola pelos cantos.

Jequitinhonha é nome de cidade, ela sabe. Um dia, disseram a ela. Mas era o sonho de sua mãe. E sonho dos outros, Jequitinhonha respeita, pois sabe que a matéria mais bela, a matéria que realmente nos constrói, é o sonho.

Quando Pedro Manto saiu de sua vida, ela aprendeu essa lição à duras penas. Ele a deixou com um menino no ventre. E o menino chorava. Ela ouvia. E não dizia nada a ninguém. Só disse a sua mãe. Mas aí já era tarde, pois o acidente já havia acontecido e o menino morreu. Sua mãe ralhou com ela. Se houvesse falado antes, teria feito trabalho. Segurava o menino. Mas como Pedro já havia ido, Jequitinhonha também não se importava se o menino fosse também. Quem sabe assim poderia esquecer o amor e todas as coisas que o amor trás e carrega embora com ele? Demorou muito tempo para esquecer. Mãe morreu dois anos depois. Pai também.
E Jequitinhonha ficou sozinha. Que nem cão pelo mundo.

E foi no sonho que ela reencontrou forças para retomar a nau da vida. Mãe apareceu e disse, com cara brava, toma teu rumo e segue vida adiante. Eu não pari vara fraca. Se não te assunta, vento te carrega. E te esqueço também. Fez o sinal da cruz e desapareceu na fumaça. Jequitinhonha acordou pingando suor. Chorava que nem criança. Parecia que santo incorporou. Qual nada. Nem dela, santo queria saber naqueles dias.

Saiu de manhã, como sem rumo. Ficou matutando por tempo vário. Olhava o mar, as matas, as ruas de poeira, os meninos gritando pelos terreiros. E a roda de samba. Parou perto dela e o samba foi entrando em suas veias. Parecia que via mãe e pai dançando. Quase escutava a risada. Era uma alegria só, a roda de samba. Do meio dela, pareceu vir um vozeirão que dizia Jequit, vem pra cá, fica aí parada em pé, pensando o quê? Mas ninguém havia falado com ela. E não há ciência que prove, nem boca de ser vivente. Mas ela foi arrastada. E quando se deu conta, seus pés dançavam como nunca havia antes.

Viu Pedro, que não era manto, era Ernesto. E ele ficou com olho de gula olhando os traços da negra rodopiando na roda. Foi para casa depois. Do lado de dentro da casa, debruçada na janela, Jaciara lhe gritou, mulher vai pra onde com esse passo apressado? Vem cá que quero te contar um negócio.
Vou não, foi o que disse a Jaciara. Tenho que retomar ligeiro, coisa que está atrasada. E foi em passo largo. Abriu a porta, pegou a quartinha do axé do santo e fez a reverência que o coração pedia. Firmou vela amarela e fez o pedido. Que coisa nenhuma nessa vida me tire o centro do rumo. Fez a reza e abençoou o que sobrara do desatino. E dali saiu pra lida. Nunca mais. Nunca mais. Nem um dia sequer, esqueceu de ser feliz.

Pedro Ernesto se aproximou e com ela fez família. Mas o segredo da felicidade, para ninguém Jequitinhonha contou. De ano em ano, vai para o folguedo. Dança até entortar o pé. Vai para casa e faz chamego ao marido. Pedro Manto ficou rico e disso nunca soube. Lá no fundo, foi peça de evolução. Por isso, Jequitinhonha nunca amaldiçoa homem por burrice de mulher. Pois ela sabe, da felicidade ninguém faz o outro perder o rumo. Não cabe ao santo de Deus, não cabe à ciência dos Homens. Cabe mais a ter o juízo no lugar. E não esquecer. Nunca. Nunca. Nem um dia sequer. Que a gente foi posto no mundo para cumprir a sina. Mas não é qualquer sina, que a gente não veio pra cá por coisa pequena. É sina de felicidade. Isso, Jequitinhonha sabe. Sabe, sim.

LLima

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui