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Contos-->O elevador -- 06/06/2004 - 14:33 (Athos Ronaldo Miralha da Cunha) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


O elevador
Athos Ronaldo Miralha da Cunha

Heleno entrou ofegante pelo hall do edifício.
Estava todo encharcado. Xingava o alagamento das sarjetas provocado pelo aguaceiro e amaldiçoava o seu inútil guarda-chuva.
Diante do elevador uma exuberante morena portava-se impacientemente. Apertava freneticamente o botãozinho amarelo na esperança de que, com essa atitude, o elevador viesse mais depressa. A sua sombrinha estava dependurada elegantemente em seu braço esquerdo. Tinha, também, a sua roupa molhada pela inconveniente chuvarada daquele dia.

Naquela primeira hora da tarde, apenas os dois estavam à espera do elevador que os levaria até o consultório médico.
- Demorado ele, não? - comenta a esmo. Sem se virar para Heleno.
- Quem? Hã! Ah! O elevador. - disse sorrindo e olhando os maravilhosos olhos azuis da beldade morena de cabelos extremamente negros em sua frente.
- Oi!
- Olá! – respondeu fazendo um gesto com a mão direita, pois o elevador recém havia chegado, e completou.
- Tenha a bondade.
O belo sorriso e a simpatia da morena estimulou-lhe mais uma pergunta.
- Como é mesmo o seu nome?
- Helena. – respondeu sorrindo.
- Que coincidência, o meu é Heleno. – e percebeu que além dos olhos seu sorriso também era maravilhoso.
Helena apertou o botão de número 9. E, delicadamente, perguntou qual era o andar de Heleno.
- Também vou ao nono, vou fazer uma seção de acupuntura com o doutor Ladislau.
- Outra coincidência... também vou consultar com o doutor Ladislau Camargo.

Após receberem a informação da secretária de que o atendimento estava três consultas em atraso e que a demora seria de 45 minutos, sentaram-se. Helena folhava uma velha revista “Nova” e Heleno não tirava os olhos dos admiráveis olhos de Helena. Tornaram-se amigos. Helena fazia um tratamento para emagrecer e Heleno colocava as agulhinhas para combater o estresse.

Em duas semanas, na ante-sala do doutor Ladislau e sob o olhar alcoviteiro da secretária, houve o convite.
Naquela noite jantaram juntos, escolheram um restaurante que servia grelhados no terraço de um edifício. Ao subirem, foi no elevador que Heleno segurou pela primeira vez a mão de Helena.
- Foi com medo de elevador... - sussurrou em seu ouvido.
Helena sorriu.

Estavam no vigésimo segundo andar de um dos prédios mais altos e chiques da cidade. Tomaram vinho. Um cabernet sauvignon safra de 1991. A ocasião permitia uma certa extravagância. Heleno não era um entendedor de vinhos, mas sabia que a safra de 91 era uma das mais comentadas. Então pediu, simplesmente, pela uva e pela safra.
- Garçom, um cabernet 91! Por gentileza.
Helena ficou radiante com as maneiras e a educação de Heleno. Coube à Helena escolher o prato, estrogonofe foi a sua sugestão.
Contemplaram o horizonte iluminado das avenidas e o brilho de um céu estrelado. Uma leve brisa noturna esvoaçava os longos cabelos de Helena no terraço do restaurante. E ela tornava-se cada vez mais bonita e jovial. E Heleno percebeu que eram encantadores os seus longos cabelos negros.

- Heleno essa noite foi fascinante.
E foi nesse momento que Helena deu o primeiro beijo em Heleno. Eles estavam no elevador. No luminoso que identificava os andares marcava o numero 14. No relógio digital a luz verde e fosforescente mostrava 23:45h.
- Veja Heleno! A hora: 2, 3, 4 e 5. Os números estão em seqüência.

Um ano após o primeiro encontro, foi em um elevador que Heleno pediu Helena em casamento. E para marcar essa data, presenteou-lhe com um anel cravejado com 22 diamantes e uma esmeralda. Assim teriam um amuleto para relembrar seu primeiro encontro e um restaurante de grelhados no vigésimo segundo andar do edifício Palácio Esmeralda.
- Querido, que lindo!
- Linda é você meu amor.
- Heleno, que barulho foi esse?
O elevador havia parado entre o sétimo e oitavo andar. Dispararam o alarme, mas o sentimento foi de solidão, pois o socorro estava demorado. Heleno tentou forçar a porta. Entretanto, seu esforço foi em vão. Apenas um lusco-fusco de uma luz amarelada iluminava o interior daquela caixa dependurada por cabos de aço. Helena estava nervosíssima com a inesperada e perigosa situação.
- Tu percebeste o buraco que está sob os nossos pés? São sete andares! Estou com medo, Heleno.
- Helena, eu estou excitado.
E abraçou-a com paixão. Beijou-a longamente. Suas mãos percorriam afoita e energicamente todo o corpo de Helena. E começou despi-la como se fosse um selvagem.
- Heleno...
Nove meses após o susto, quando ficaram trancafiados por duas horas em um elevador, nasceu Helenita. Uma linda garotinha que trazia as feições do pai e o sexo da mãe. Para extrema felicidade do casal.

O destino reservou, a Helena e Heleno, muitas surpresas no interior dos mais diversos elevadores. O fato é que os momentos importantes de suas vidas sempre aconteciam dentro daquele cubículo hermeticamente fechado dos edifícios. Helena sempre brincava dizendo que a vida deles acontecia num sobe-e-desce. Às vezes tinha receio em entrar nos elevadores. E sempre concluía que as surpresas tinham sido maravilhosas e inesquecíveis. No entanto, tinha a impressão que uma tragédia estaria reservada a eles em algum dia.

Quando perceberam que seus destinos passavam, impreterivelmente, pelos interiores dos elevadores, muitas vezes, eles não deixavam que o acaso proporcionasse as surpresas. Eles iam ao encontro dessas situações. Inclusive, induziam esses momentos. Planejavam suas vidas, trocavam confidências e tomavam decisões, sempre dentro dos elevadores.
Por vezes tinham que cochichar, um no ouvido do outro, quando o assunto era da intimidade do casal e o elevador estava abarrotado de pessoas sisudas e convencionais.

Não foram poucas às vezes que estando passeando por uma praça, de repente, um deles dizia que precisava de um elevador. Era a senha para dizer um simples “eu te amo”, para propor uma aventura romântica ou tomar uma decisão que, geralmente, mudava o rumo de suas vidas.


Passaram-se os anos. E os acontecimentos se sucediam nos elevadores.
Helena e Heleno foram branqueando seus cabelos e envelheceram parceiros. Era o casal mais que perfeito. Eles eram o complemento um do outro.

Ambos estavam sentados em um sofá aguardando a hora de subir para visitar a filha, Helenita, que tinha um consultório odontológico no 22o andar do centro clínico. Tinham tempo. Estavam adiantados, Helenita ainda não havia chegado. Naquele dia chovia, como numa certa tarde, há muito tempo, em que o aguaceiro fora intermitente. Uma chuvarada de verão entupia as bocas-de-lobo e alagava as calçadas.
Uma jovem aguardava impaciente diante do elevador. Nesse instante entra um rapaz todo encharcado e amaldiçoando a chuva e o tempo. Ao ver a jovem transforma sua fisionomia e seu semblante tornou-se tenro e seus gestos delicados.
- Elaine meu amor.
- Everaldo...
E beijaram-se. Trocaram algumas juras de amor e Everaldo apalpou carinhosamente a barriga de Elaine.
O casal de ancião presenciava a cena com um quê de nostalgia nos olhos e sorrisos à Mona Lisa. A mesma imagem romântica de um passado muito distante. Helena cutucou Heleno e comentou que aquele casal era parecido com eles.
- Como? Parecido?
- Meu velho, a gente se conheceu diante de um elevador. Era um dia chuvoso e tu entraste porta à dentro do prédio amaldiçoando o seu ineficiente guarda-chuva. Lembra?
- E eu nunca te vi tão bonita!

O casal entra no elevador e as luzinhas começaram a acender e a apagar. Heleno contava as luzinhas dos andares.
- 7... 8... 9... 10...
- Viste os nomes deles, Heleno? - comentou Helena ao seu velho.
- O que tem? 14... 15... 16...
- Eles se chamam Everaldo e Elaine. Como a gente. A mesma letra no início do nome.
- Não, nós começamos com “H” eles com “E”. 21... 22... 23...
- Meu velho, tu sabes o que eu quero dizer. O som das letras...
- Olha só ali.
- O quê?
- As luzinhas estão descendo rapidamente. O elevador está caindo!
- Meu Deus!
Em segundos ouviu-se um estrondo no subsolo.
Na garagem do edifício, os corpos de um jovem casal foram resgatados, sem vida, dos destroços do elevador.
Daquele dia em diante, o casal de anciãos nunca mais entrou em um elevador.




Leia também o conto Os dois mosqueteiros que conta, hoje, com 714 leituras.

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