Usina de Letras
Usina de Letras
171 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62190 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22534)

Discursos (3238)

Ensaios - (10352)

Erótico (13567)

Frases (50593)

Humor (20028)

Infantil (5426)

Infanto Juvenil (4759)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140793)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6185)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Alma limpa -- 01/06/2004 - 11:33 (Isabel Fontes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Olhei em volta, o dia já clareava. Ao meu lado o corpo permanecia quente, ele ainda dormia.
-Vou-me embora. Esquece a morte da tua mãe e anima-te – disse ao corpo inerte e quente que ainda dormia ao seu lado.
Antes de fechar a porta ouviu a voz dizer: – Tenho saudades tuas, mãe.
Ao caminhar pela avenida reparou que o sol já brilhava bastante alto, via-se o esbater da luz nas fachadas dos prédios e as flores pareciam adormecer de novo. As ruas estavam desertas, não se ouvia quase nada, de vez em quando lá passava um carro. Ainda pensou sentar-se num dos bancos novos que tinham sido colocados pela Câmara Municipal para adquirir mais votos, mas não o fez. Antes de entrar em casa, encostou-se à porta da rua e deixou o vento correr pela sua face, inspirou bem fundo o ar limpo e sentiu-se feliz por um momento. As putas também sentem – pensou para ela. Entrou no prédio.
Abriu a porta de casa, descalçou-se e atirou-se cansada para o sofá velho e já sem cor definida. Naquele instante desejou ter algum tipo de mesa ou apoio para pôr os pés. Desejou muitas coisas, desde um candeeiro e um bom livro para ler, tirado da sua imaginária estante já há muito prometida ao espaço branco sujo da parede virada para a minúscula janela existente naquela sala multifunções. Vivo sozinha. Cuido razoavelmente de mim. Não tenho ninguém com que me preocupar. Sou pobre e isso é mau – pensava. Pegou na sua mala de mão e retirou o maço de cigarros. Acho que só tenho duas maças para comer. Ontem comi ovos mexidos, hoje gostava de comer qualquer coisa que me enchesse o estômago – falava para si mesma.
Na sua casa de duas assoalhadas, não abundava muita mobília, aliás não abundava nada e comida só numa noite muito boa de clientes. Apesar de não ter família, mantinha há já alguns anos uma amizade longa desde que tinha vindo da sua aldeia para a grande cidade, logo após a morte do seu padrasto. O João, um promissor pintor, que nunca vendeu um quadro e a única forma de subsistência eram os biscates que fazia às velhotas da rua ao ir-lhes buscar as compras à mercearia. Umas vezes tinha sorte e conseguia que o senhor Malaquias dono do único café da rua o chamasse para dar uma mãozinha a servir às mesas. Aí sim, os trocos já davam para comprar um bom bife no talho e fazer uma refeição digna de rei, com batatas fritas e ovo estrelado no topo, mesmo “a cavalo”.
Ao acabar de dar a última passa, ligou para o João.
- Boas. Então como vão as pinturas?
Um silêncio permanecia do outro lado do auscultador.
- João? Estás aí?
- Desculpa Maria, ‘tava concentrado numa pinta do quadro. Então, já chegaste? Foi produtiva, a noite?
- Não, e não tenho dinheiro para ir comprar nada de comer. Até já sinto vergonha de ir à mercearia pedir fiado. E tu?
- Um pouco melhor, consegui vender um quadro! Não ganhei muito, mas com 50 euros, já te posso convidar para vires dar um pulo aqui a casa e passarmos o dia juntos. Que dizes?
- Que bom! Vendeste, finalmente. Claro que aceito, esfomeada estou eu. Dentro de uma hora chego aí. Vou tomar um duche rápido.
- Até já.
Após um rápido duche, o gás estava mesmo no fim, vestiu o vestido rosa com flores grandes que o João tanto gostava e dirigiu-se para casa dele.
Quando lá chegou, a mesa já estava posta, e cheia de petiscos que ele tinha ido buscar ao café do senhor Malaquias. Desde batatas fritas, a arroz, croquetes, tudo aquilo que não estavam muito habituados a comer todos os dias.
Trocaram um olhar bastante cúmplice e deram um abraço muito caloroso. Quem não os conhecesse diria que eram dois amantes que se encontravam às escondidas de todo o mundo.
- Maria.
- Sim.
- És a primeira rapariga que me deixa sem palavras sempre que te vejo. Não me criticas e o facto de seres a minha melhor amiga, deixa-me contente.
- Deixa-te disso, sabes que eu serei sempre tua. Apesar de passar por muitas mãos, de ser beijada por muitas bocas. A minha alma será sempre tua.
Deram um beijo.
Ele puxou a cadeira e ela sentou-se. Começaram a comer.
Comeram em silêncio. Apenas se ouvia a vizinha do lado a fazer mais buracos na parede, talvez para pendurar mais um quadro que teria comprado na loja dos trezentos lá da rua.
Comiam e trocavam olhares. De vez em quando davam uma gargalhada, sem saberem porquê. Pareciam duas crianças quando têm um brinquedo novo.
A casa do João ficava numas águas furtadas. Tinha uma sala ampla onde servia de cozinha. Um quarto inclinado e a casa de banho tinha apenas uma banheira e sanita.
Acabaram de comer e dirigiram-se para o lavatório da semi cozinha. Lavaram as mãos ao mesmo tempo. Os olhares permaneciam. O quarto ficava mesmo ao lado.
Deram as mãos e trocaram um beijo prolongado. João olhou para o quarto, desapertou os laços pendurados nos ombros da Maria. O vestido caiu pelo seu corpo esguio e dirigiram-se para lá.
Deitaram-se na cama e fizeram amor, como se tudo à volta não existisse, e o mundo fosse apenas aquele quarto inclinado onde o único ruído era a batidela na parede da vizinha do lado.
A tarde passou a correr. Entre beijos, abraços e várias trocas de amor por fazer.
- Até quando te irás contentar com estas tardes? - Sussurrou Maria ao ouvido do João. – Pressinto que quando recusar vir viver contigo, este sonho irá acabar. – Continuava com perguntas. – Um dia arranjarás uma mulher, com um emprego normal, uma vida certa. Alguém que te poderá dar tudo o que mereces.
João colocou a sua mão na boca da Maria.
- Chiuuu…Não deixes este momento acabar. – Murmurou.
- Fecha a cortina. – Pediu com delicadeza Maria a João.
- Não vais trabalhar hoje? - Perguntou.
- Não. Fecha a cortina, mas deixa a janela semi aberta. Quero ver a claridade da lua, quando ela se puser.
João, sorriu. Abraçou a Maria como se o prédio estivesse em movimento, e, não a quisesse perder.
A cortina esvoaçava, o ar estava ameno. A noite vinha cada vez mais rápida e a lua já se aproximava com a sua luz branca.
Maria começou a chorar.
As lágrimas corriam pelo seu rosto, sem que ela pudesse fazer alguma coisa.
- Porque choras? – Perguntou o João.
- Por ti.
- Porquê? – Perguntou mais uma vez.
- Tens uns olhos lindos. Brilham como a lua e reluzem como o sol.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui