Lança seus olhos perdidos e vermelhos na direção dos meus e me confesse o quanto chorou por minha ausência e por todos os erros que sua estupidez desconhecida cometeu. E me puxe com sua parca força pelo braço quantas vezes for preciso, mas sempre implorando que eu escute as tantas rosas entaladas na garganta que você tinha para me oferecer. E depois cante baixinho, em meus ouvidos, músicas sobre estrelas, céus, mares e cores e sonhos até me fazer dormir. Lança também esse corpo cansado de noites mal dormidas em cima dos meus ombros e jamais esqueça de molhá-los com saliva e lágrimas. Diga que tudo o que passamos não passou de um pesadelo e depois lança sua boca entorpecida de desejo sobre a minha, mas não espere que meus lábios correspondam à sua cena. Porque eu passei a desconfiar até mesmo dos filmes de amor, onde todos os finais são felizes.
Então me convença que seu corpo veio correndo, transpirando agonia, à procura da minha pele, que lhe dá algum alívio, alguma história, uma divina inspiração, mais algumas cenas, um pouco mais de vida, mais palavras bonitas que nem a boca sabe falar.
Mas ainda que eu desconfie, ainda assim, lança poemas pelo ar que eu respiro, lança afagos entre os vãos do meu corpo, lança sopros de luz nos meus olhos, lança mãos quentes no meu coração gelado, à deriva, tão exposto na vitrine da minha carne viva. E convença meus olhos de que dentro dos seus ainda resta uma verdade para ser dita. E convença minha boca de que na sua ainda resta um gosto ligeiramente doce. E convença meu coração de que o seu ainda bate por vontade própria. E convença meu corpo de que o seu não é artificial. E convença, por fim, minha dor a parar de doer. E estanca meu sangue num abraço sincero e quase sem fim.
E depois vá embora sentir a gosto da chuva que cai.
(Mariana Antonelli - 20/04/2003)
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