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Contos-->Contos de Dostoievski -- 23/05/2004 - 00:36 (m.s.cardoso xavier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Contos de Dostoievski(final)

Senhores, gracejo evidentemente e eu próprio sei que meus gracejos não são muito bons; mas, aliás, não se trata unicamente de gracejos. É rangendo os dentes, talvez, que gracejo. Senhores, há problemas que me atormentam: ajudai-me a resolvê-los. Assim, quereis libertar o homem de seus antigos hábitos e corrigir-lhe a vontade segundo os dados da ciência e conforme ao senso comum. Mas como sabeis que o homem pode e deve ser corrigido? De onde concluístes que a vontade do homem deve necessariamente ser educada? Em uma palavra: por que pensais que essa educação lhe é realmente útil? E para dizer tudo: por que estais tão firme-mente persuadidos que é sempre vantajoso para o homem não contradizer seus interesses normais, reais, garantidos pelo raciocínio e pela aritmética? Isto não é, em suma, senão uma suposição vossa. Admitamos mesmo que tal seja com efeito a lei lógica; mas será verdadeiramente a lei humana? Pensais, talvez, que sou louco, senhores? Permiti-me que me explique.
Admito: o homem é um animal essencialmente construtor, obrigado a se dirigir conscientemente para um fim qualquer; é um engenheiro. Deve, pois, constantemente traçar caminhos novos, não importa em que direções. Mas é talvez por causa disso, precisamente que tem por vezes desejo de escapar pela tangente, precisamente porque está condenado a traçar um caminho e também porque, por estúpido que seja o homem de ação, ele adivinha por vezes que toda estrada leva sempre a alguma parte, e que não é a sua direção que importa, mas o próprio fato de que ela o conduz para um lugar qualquer, a fim de que o menino sabido não se lembre de desprezar seu ofício de engenheiro e não se abandone à preguiça, a qual é, como se sabe, a mãe de todos os vícios. É indiscutível que o homem gosta muito de construir e traçar caminhos; mas como acontece então que ele ame tão apaixonadamente a destruição e o caos? Dizei-me. Mas eu mesmo gostaria de vos dizer algumas palavras a esse respeito.
Não será que ama tanto a destruição e o caos (Se os ama às vezes, é indiscutível) porque tem instintivamente medo de atingir o fim e terminar o edifício que constrói? O que sabeis disso? Ele não ama talvez esse edifício, senão de longe, e não de perto. Apraz-lhe, talvez, construi-lo, mas não morar nele, e está pronto talvez a abandoná-lo aos animais domésticos. às formigas, aos car-neiros, etc. As formigas, sim, têm outros gostos; possuem nesse gênero um edifício verdadeiramente extraordinário, construído para os séculos, o formigueiro.
Foi por um formigueiro que começaram as honradas formigas e é provável que tal seja também o termo da sua carreira, o que faz honra à sua constância e ao seu senso prático. Mas o homem é um ser versátil, e é possível que, à semelhança do jogador de xadrez, não ame senão a ação mesma e não o fim a atingir. E quem sabe? (não se pode garantir) é possível que o único fim para o qual tende a Humanidade não consista senão nesse esforço, nessa ação; ou por outra: a vida não teria fim exterior, o qual não pode evidentemente ser senão aquele "duas vezes dois quatro", isto é, uma fórmula. Ora, senhores, duas vezes dois quatro é um princípio de morte e não um princípio de vida. Em todo o caso, o homem sempre teve medo desse "duas vezes dois quatro" e eu também tenho.
É verdade que o homem não se ocupa senão da procura desses "duas vezes dois quatro"; atravessa oceanos, arrisca a vida em sua perseguição; mas quanto a encontrá-los, quanto a apanhá-los real-mente - juro-vos que tem medo, pois ele se dá conta que, uma vez encontrados, nada mais tem a fazer. Depois de terminarem o trabalho e de terem recebido, os operários vão ao botequim, para acabarem a noite na cadeia; têm então a sua conta ao menos por uma semana. Enquanto que o homem, que se tomará ele? Em todo o caso, observa-se constantemente nele certo constrangimento, sempre que atinge um fim. Tenta aproximar-se do fim, mas tão logo o atinge, não está mais satisfeito; e isto é verdadeiramente bem cômico. Em uma palavra: o homem é construído de uma maneira muito cômica, e tudo isto faz o efeito de um calemburgo. Mas seja como for, "duas vezes dois quatro" é uma coisa bem insuportável. "Duas vezes dois quatro", na minha opinião, respira impudência. "Duas vezes dois quatro" nos desfigura insolentemente. De mãos nos quadris, ele se nos atravessa no caminho e nos cospe na cara. Admito que "duas vezes dois quatro" seja uma coisa excelente, mas se é preciso louvar tudo, eu vos direi que "duas vezes dois cinco" é também às vezes uma coisinha muito encantadora.
E por que pois estais tão inabalavelmente, tão solenemente convictos de que só é necessário o normal, o positivo, o bem-estar, em uma palavra? A razão não se engana em seus juízos? E possível que o homem não ame senão o bem-estar. Não é possível que ele ame na mesma medida o sofrimento? Não é possível que o sofrimento lhe seja tão vantajoso quanto o bem-estar? O homem se põe por vezes a amar apaixonadamente o sofrimento; isso é um fato. Não há necessidade de consultar a esse propósito a História Universal. Indagai vós mesmos se unicamente sois homens, e se tendes vivido, por pouco que seja. No que toca à minha opinião pessoal, dir-vos-ei que é mesmo inconveniente só amar o bem-estar. Está bem? Está mal? Isso eu não sei, mas às vezes é agradável quebrar alguma coisa. Não é precisamente o sofrimento que defendo aqui, ou o bem-estar: é meu capricho, e insisto para que ele me seja garantido, se for preciso. Nas comédias, por exemplo, não se admitem os sofrimentos, eu sei; tampouco podemos admiti-los num palácio de cristal: há dúvida, há negação no sofrimento, mas o que seria então de um palácio de cristal do qual se pudesse duvidar? Ora, estou certo de que o homem não renunciará jamais ao verdadeiro sofrimento, isto é, à destruição e ao caos.
O sofrimento! Mas é a causa única da consciência! Eu vos declarei, é verdade, no início, que a consciência, na minha opinião, é um dos maiores males do homem; mas sei que o homem a ama e não a trocará por nenhuma -satisfação, seja qual for. A consciência, por exemplo, é infinitamente superior a "duas vezes dois quatro". Depois de "duas vezes dois", não resta evidentemente mais nada, não somente a fazer, mas mesmo a conhecer. A única coisa que nos resta, então, é tapar nossos cinco sentidos e mergulharmos na contemplação. Com a consciência chega-se, é verdade, a um resultado idêntico, isto é, à inação, mas poder-se-á, então, pelo menos dar-lhe uma chicotada, de vez em quando, o que vivifica um pouco o espírito, apesar de tudo. É muito reacionário, mas sempre vale mais do que nada.
X- Conto-falta enviar
Credes no palácio de cristal, indestrutível, para a eternidade, ao qual não se poderá mostrar a língua, nem mostrar os punhos às escondidas. Pois bem! eu, se desconfio do palácio de cristal, é talvez justamente porque é de cristal e indestrutível e porque não se poderá lhe mostrar a língua, mesmo às escondidas.
Vede: se em lugar de um palácio de cristal eu só disponho de um galinheiro, quando chove, eu me insinuarei talvez no galinheiro, para fugir à chuva, mas ficando-lhe embora muito agradecido por ter me preservado, não tomarei meu galinheiro por um palácio. Rides, dizeis-me que em semelhante caso palácio e galinheiro se eqüivalem. Sim, responderei, se vivesse apenas para não estar molhado.
Mas que fazer, se me meteu na cabeça que não se vive somente para isso e que, se vive, é num palácio que é preciso se instalar? Isto é minha vontade, isto é meu desejo, Vós não conseguireis me arrancar esta vontade, senão quando tiverdes modificado meus desejos. Pois bem! modificai-os, apresentai-me um outro fim, oferecei-me um outro ideal! Mas, enquanto espero, recuso-me a tomar um galinheiro por um palácio de cristal. É possível que o palácio de cristal não seja senão um mito, que as leis da natureza não o admitam e que eu o tenha inventado por tolice, impelido por certos hábitos irracionais da nossa geração. Mas que me importa que ele seja inadmissível! Que me importa, pois que ele existe nos meus desejos, ou, para dizer melhor, pois que existe tanto quanto existem meus desejos? Continuais a rir, penso. Ride tanto quanto vos agrade! Aceitarei todas as zombarias, mas recusar-me-ei a me declarar saciado, quando ainda tenho fome; não me contentarei com um compromisso, com um zero se renovando indefinidamente, pela única razão de que está conforme as leis da natureza e existe realmente. Não admitirei que o coroamento dos meus desejos possa ser uma casa de tijolos, com alojamentos a preço módico, arrendados por mil anos e ostentando a tabuleta do dentista Wagenheim. Destruí meus desejos, derrubai meu ideal, apresentai-me um fim melhor e eu vos seguirei. Dir-me-eis, talvez, que não vale a pena ocupardes-vos de mim; mas neste caso posso vos responder do mesmo modo. Nós discutimos seriamente, e se não vos dignardes me conceder vossa atenção, pois bem! não vou chorar por isso. Eu tenho meu subsolo.
Mas, enquanto existo, enquanto desejo, que minhas mãos se. quem se levo um tijolinho que seja a essa casa! Não me digais que eu mesmo renunciei cedo ao palácio de cristal, pelo único motivo de não lhe poder mostrar a língua. Se falei assim, não é que eu goste tanto de mostrar a língua. Acontece porém que, e é isto precisamente que me irrita, de todos os vossos edifícios não há um ao qual não se possa mostrar a língua. Ao contrário, eu faria cortar minha língua, por gratidão, se arranjassem as coisas de tal maneira que eu não tivesse mais desejo de a mostrar. Que me importa que as coisas não possam se arranjar assim e que seja preciso contentarmo-nos com alojamentos a preços módicos! Por que tenho eu tais desejos? Não sou feito assim, senão para poder vefificar que essa constituição não é senão uma brincadeira de mau gosto? É esse verdadeiramente o único fim? - Não o admito.
De resto, sabeis o que vou dizer-vos? estou persuadido de que nós outros, homens do subsolo, devemos ser mantidos na trela. O homem do subsolo é capaz de permanecer silencioso no seu subsolo durante quarenta anos; mas, se sai do seu buraco, ele desabafa, e então fala, fala, fala...
XI- Conto- falta enviar
O fim dos fins, senhores, é não fazer nada, absolutamente nada. A inércia contemplativa é preferível seja ao que for. Assim pois, viva o subsolo! Se bem, que eu tenha dito antes que invejava o homem normal até a derradeira gota da minha bílis, quando o vejo tal qual é, renuncio ao ser normal (não cessando todavia de ter inveja dele). Não! não! apesar de tudo o subsolo vale mais. Lá ao menos se pode... Ah! cá que minto de novo! Minto, porque sei, tão claramente quanto duas vezes dois são quatro, que não é o subsolo que vale mais, mas algo muito diferente a que aspiro, mas que não posso descobrir. Para o diabo o subsolo!
Se eu pudesse crer ao menos numa só palavra do que escrevo aqui! juro-vos, senhores, que não creio em uma só palavra, em uma única e miserável palavrinha! Ou melhor dizendo: creio, talvez, mas sinto no mesmo momento, suspeito, não sei por quê, que minto descaradamente.
- Mas, nesse caso, por que escreveu tudo isto? - perguntareis certamente.
Que teríeis dito se eu vos tivesse encerrado durante quarenta anos, sem fazer nada, e se, decorrido esse tempo, eu fosse visitar-vos no vosso subsolo para verificar no que vos tínheis tornado?
Bem que eu gostaria de vos ver lá! Pode-se deixar durante quarenta anos um homem só e sem ocupação?
"Mas não é vergonhoso, não é humilhante!" - me direis talvez, meneando a cabeça, com desprezo, - "Você tem sede de vida, mas quer resolver as questões vitais por meio de mal--entendidos lógicos. E que obstinação! Que impudência com isso!
Mas tem medo, apesar de tudo. Você diz inépcias, mas sente-se feliz com elas. Diz insolências, mas tem medo e se desculpa. Declara que não receia ninguém, mas busca as nossas boas graças. Você nos assegura que range os dentes, mas graceja ao mesmo tempo, para nos fazer rir. Sabe que as suas sentenças não valem nada, mas parece muito satisfeito com a sua literatura. É possível que você tenha sofrido, mas não tem nenhum respeito pelo. seu sofrimento. Há certa verdade em suas palavras, mas falta-lhes pudor. Sob a ação da vaidade mais mesquinha, você traz a sua verdade t para a praça pública, expõe-na no mercado, para alvo de chacota. Você tem alguma coisa a dizer, mas o temor faz-lhe escamotear a última palavra, pois é insolente, mas não audaz. Gaba a sua consciência, mas não é capaz senão de hesitação, porque embora sua inteligência trabalhe, seu coração está emporcalhado pela libertinagem; ora, se o coração não é puro, a consciência não pode ser clarividente, nem completa. E como você é importuno, como é molesto! Que palhaçada, a sua! Mentira tudo isso! Mentira! Mentira!"
Todas estas palavras, fui eu quem mas ", evidentemente. Elas também provêm do subsolo. Durante quarenta anos, prestei atenção por uma pequena fenda a esses discursos. Eu próprio os compus, pois não tinha outra coisa a fazer. Por isso foi-me fácil decorá-los e imprimir-lhes; uma forma literária.
Mas, pudestes crer, verdadeiramente, que eu ia imprimir tudo isto e vo-lo dar para ler? E eis ainda o que não compreendo: por que me dirijo a vós, chamando-vos de "senhores", como se fósseis leitores meus? Não se publicam, não se dão a ler a ninguém as confidências que eu me preparo para fazer aqui. EU, em todo o caso, não sou suficientemente forte para agir assim, e, de resto, não vejo a necessidade disso. Mas, vede, veio-me alma fantasia, e quero realizá-la custe o que custar. Eis do que se trata:
Entre as lembranças que cada um de nós possui, há algumas que não contamos senão aos nonos amigos. Há outras ainda que não confessaremos nem mesmo aos nossos amigos, que não repetiremos senão a nós mesmos, e aliás, sob o signo do segredo. Mas existem enfim coisas que o homem não consente nem em confessar a si mesmo. No curso de sua existência, todo homem honesto acumulou dessas lembranças suficientemente. Direi mesmo que seu número é tanto mais importante, quanto o homem é mais honesto. Eu, em toda o caso, não faz muito tempo que me decidi a me lembrar de certas antigas aventuras minhas; até aqui, evitei-as, e não sem um tanto de inquietação. Ora, agora, quando as evoco e quero mesmo anotá-las, agora tenho a prova: é possível ser franco e sincero, ao menos cara a cara consigo mesmo, e poder-se-á dizer toda a verdade? Observarei a este propósito que Heine assegura que não podem existir autobiografias exatas, e que o homem mente sempre, quando fala de si mesmo.. Rousseau, com seu ponto de vista, certamente nos enganou nas sua Confissões e mesmo deliberadamente, por vaidade. Estou certo de que Heine tem razão: compreendo muito bem que nos possamos sobrecarregar de crimes abomináveis, apenas por vaidade, e compreendo também o que pode ser esse sentimento. Mas Heine tinha em vista as confissões públicas; ora, eu não escrevo senão para mim sozinho e declaro de lima Vez por todas que, se pareço dirigir-me ao leitor, é simples-mente iam processo de que me sirvo para maior facilidade. Não é senão uma forma, uma forma vazia; e quanto aos leitores, não. os terei jamais. já o declarei.
Não quero ser incomodado em nada na redação das minhas notas. Não observarei nenhuma ordem, nenhum sistema. Escreverei simplesmente o que me lembrar.
Mas vós poderíeis me pegar na palavra desde o começo e me perguntar: se é verdade que não pensa em seus leitores, por que então combina consigo mesmo - e no papel - ainda! - que não observará nenhuma ordem, nenhum sistema, que registrará o que lhe passar pela cabeça, etc.? Por que se explica? Por que essas desculpas ?
Pois bem! eis aí! é assim!
Há, de resto, aí, um caso psicológico interessante. É possível que eu seja muito simplesmente um covarde. Mas é possível também que imagine diante de mim um público, a fim de não perder o sentido das -conveniências. É possível ter milhares desses motivos...
Mas há ainda outra coisa: por que, em suma, pus-me a escrever? Se não é para o público, não posso evocar minhas lembranças sem as lançar ao papel?
Com efeito, mas quando estiverem fixadas no papel, adquirirão um aspecto mais solene. Isto me constrangerá, julgar-me-ei melhor e meu estilo ganhará. Demais, é possível que isto me traga certo consolo. Assim, hoje, estou particularmente oprimido por uma lembrança longínqua; surgiu em mim muito nitidamente há alguns dias, e, desde então, me persegue sem tréguas, como um desses motivos musicais que não pretendem vos largar. Ora, é preciso absolutamente que eu me desembarace dela. Tenho centenas de recordações desse gênero; mas uma delas às vezes desperta de súbito e me agarra pela garganta. Eu imagino, não sei mesmo por quê, que se a registrar, ficarei livre. Por que não tentaria?
E depois, enfim, eu me aborreço e nunca faço nada. Escrever as lembranças é um trabalho. Diz-se que o trabalho torna o homem bom e honesto. É então uma oportunidade que se me oferece...
(conclusão)
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