Usina de Letras
Usina de Letras
175 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62265 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22539)

Discursos (3239)

Ensaios - (10379)

Erótico (13571)

Frases (50654)

Humor (20039)

Infantil (5450)

Infanto Juvenil (4776)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140816)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6203)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
cronicas-->LARGO DA CARIOCA -- 13/07/2003 - 19:44 (DANIEL CARRANO ALBUQUERQUE) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Eu tinha doze anos, acabava de mudar-me do interior de Minas para o Rio e caminhava junto com meu pai pela Praça XV, quando então ele observou com entusiasmo:
_Veja como é bom viver no litoral. Olha quanto espaço! Veja a grandeza do mar. Como esse descampado - passávamos pela Explanada do Castelo - é diferente daquelas cidadezinhas onde a gente fica sufocada entre morros! E fazia uma analogia entre a geografia e o coração das pessoas.
De fato, meu pai tinha razão. Não é preciso muito tempo para se confirmar que generosidade e amabilidade são características inquestionáveis do carioca. E não é necessário que seja "da gema". O espírito expansivo dos nativos abate-se sobre todos os que, venham de onde vier, passam a viver naquela cidade. Vivi trinta anos no Rio de Janeiro. Não moro mais lá, embora ainda para lá viaje toda semana a trabalho. E numa dessas vezes passei pelo Largo da Carioca, onde não pisava há pelo menos dez anos. É a área mais central da cidade. Do alto, o Mosteiro de Santo Antonio, velha arquitetura, posta-se como um ancião vigilante em contraste com as construções mais jovens. O imponente e moderno prédio da Caixa, desafia, separado pela entrada da estação do Metró, seu um pouco mais antigo vizinho Edifício Avenida Central, sede de um complexo comercial e empresarial dos mais agitados e que ocupa um vasto quarteirão entre a Rua São José e a Avenida Rio Branco. A ruidosa Uruguaiana, agora transformada em passeio, hospeda, junto com a tradicional Rua da Carioca - sede dos históricos e extintos cinemas Ideal, São José e íris - uma vasta rede de lojas de sapatos, roupas, eletrodomésticos e outros artigos afins destinados a uma clientela mais modesta, a qual se estende até o Largo de São Francisco e Praça Tiradentes, onde dois grandes terminais de ónibus da zona norte despejam pessoas simples, outras vindo também da estação de trens da Central do Brasil, bem pertinho dali na Avenida Presidente Vargas. Nesses dois grandes largos se situam a velha Igreja de São Francisco, o antigo prédio da Escola de Engenharia e os Teatros Carlos Gomes e João Caetano, esse último tradicional em revistas. O comércio, formal e informal, os gritos dos camelós, tudo fervilhando. Já na Avenida Rio Branco, paralela à Rua Uruguaiana, estendendo-se da Praça Mauá até a Praça Paris, desfilam engravatados e mulheres "produzidas" entre os edifícios luxuosos dos grandes complexos bancários e das mega-empresas nacionais e multinacionais. Em seu final, ladeada pelos monumentais prédios do Teatro Municipal e da Biblioteca Nacional, atravessa a Praça Mahatma Ghandi e o Passeio Público (Cinelàndia), e termina como se quisesse mergulhar nas águas da Baía de Guanabara, atravessando o Aterro da Glória.
No Largo da Carioca, de onde se avista, olhando em direção à Av. República do Chile, a moderna Catedral de São Sebastião e o prédio da Petrobrás sombreados pelos "ray-bans", ambos avizinhados pela estação dos bondinhos de Santa Tereza para onde se tem acesso através dos Arcos da Lapa, um antigo chafariz, bem centrado, assiste à movimentação dos camelós, artistas de ruas com seus desenhos e outros com exibições circenses, construindo aglomerações em rodas de espectadores curiosos. Pregadores em seus terninhos e vestidos compridos bradam com modestos microfones a u´a minguada platéia. Líderes grevistas, por sua vez, agitam com alto-falantes. E a moçada caminha, indiferente, conversando com tagarelices rápidas como seus passos, sobre seus interesses, para ela mais importante que tudo, dentro da realidade egoísta comum aos jovens. O carioca não mudou, embora a vida da cidade venha sofrendo cada vez mais com a violência que vem se abatendo sobretudo sobre as grandes cidades, consequência da modernidade de um mundo progressivamente mais egoísta, onde o individualismo predomina como uma nova filosofia de vida. Uma filosofia suicida, penso eu.
É surpreendente como aquelas pessoas que transitam ou se agrupam em bate-papos nas ruas do centro do Rio, o fazem tão descontraídas, mesmo sabendo do perigo dos tiroteios que ocorrem com frequência. Os rostos simpáticos, mares de sorrisos. Brincadeiras e algazarras. Quanta alegria! Agora, caminhando depois de tantos anos por aquelas ruas que fizeram parte de importante e alegre época da minha vida, as lembranças num misto de doçura e amargura, olho para aquelas pessoas e fico com a impressão de que ainda são as mesmas, de que não envelheceram e de que nunca saíram de lá. As moças atraentes a quem dirigia olhares gulosos na minha juventude ainda caminham com suas largas e ágeis passadas e sua habitual indiferença aos meus desejos. Os porteiros, os vendedores prestimosos nas portas das lojas, os anciãos vagarosos e até mesmo os pivetes e mendicantes estão do mesmo jeito como num grande postal fixo da bela cidade. A brisa vinda da baía e os pombos em revoadas, terminando por pousar sobre as estátuas e os peitoris dos prédios velhos, ornamentados com motivos em alto relevo do século passado, eu diria, são os originais de trinta anos atrás. Somente eu, segundo a reflexão de uma vitrine, mudei.

Julho de 2000 Daniel Carrano Albuquerque
notdam@bol.com.br

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui