De longe vi aquele vulto e logo simpatizei com o rapaz.
Não sei se era a cor da camisa ou o tom humilde do sorriso interiorano, que a cidade há muito já aboliu.
Cheguei bem à vontade e disse: - Ei moço...Quanto engraxas o meu sapato?
Ele numa boa vontade exposta no rosto falou: - Meu bom Senhor, é só um real.
Assentei-me à sombra do jambeiro, coloquei o pé sobre uma banqueta e fiquei apreciando-o polir os meus sapatos, em alto astral, naquele som frívolo de música assoviada em tom d´ alma.
Depois de tudo terminado, paguei-o e segui ao meu trabalho, que ainda ia começar.
Uma semana depois, o vi, em frente ao Banco do Brasil com um carinho de sorvete. E me sentindo incomodado, parei e pedi um sorvete. Interrogando-o em seguida:
-Meu rapaz, já outro serviço?
Na mesma alegria e simplicidade ele me respondeu: - É meu senhor, tenho filhos pra criar, e a gente é que faz tudo acontecer.
Dito isso foi saindo devagar, tocando a sua sineta , empurrando o carrinho e bradando: "Olha o sorvete!...".
Mata o calor da cidade, o tempo quente do sertão, a sede e o stress da estação."
Alguns meses depois, quando eu fui indicado para o cargo de gerente da Alfàndega, o vi várias e várias vezes, com a camisa de um time do Norte vendendo jornal nas salas. Naquele instante, não sabia dizer o que ganha mais, contudo percebi que o rapaz era virado.
Com o passar do tempo me aproximei mais dele, comprava os seus jornais, tirava umas brincadeiras e à s vezes, sem abusar tomava café em minha sala. E ele até disse,que um dia seria como eu.
Rimos a bessa, mas ele repetiu e sentir no seu olhar a sua vontade viva, quando ele saiu.
Mais alguns anos e fui trabalhar no interior. Perdi tudo o que tinha na cidade, pelos altos e baixos da política moderna dos Fernandos.
Enfim, sai do governo na merecida aposentadoria. E caminhando por uma das ruas , bem cedo, vi aquele rapaz bradando com o jornal em punho, sobre uma bicicleta. Não tive duvida era ele mesmo na luta.
Mais alguns anos, ou melhor, meses e o encontrei de novo. Ele parou numa moto, ao lado do meu carro no posto de gasolina pra abastecer. E como estava de capacete eu não o reconheci. Mas ele sempre humilde falou baixinho ao meu ouvido:
- Olha o jornal!
Meu Deus aquilo era como voltar no tempo, como se reconhecesse uma pessoa da minha família. E ele disse:
-Doutor! Agora trabalho no seu lugar.
Fiquei tão feliz que não sabia se ria ou se chorava. Imediatamente o convidei pra almoçar.
Entretanto, ele disse: Agradeço profundamente, mas você melhor que eu sabe que no banco a gente não tem sossego!
Tocou a moto gritando: - Fica pra outra vez!. E foi-se.
Fiquei na janela do carro meditando, como aquele rapaz cresceu.
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