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Contos-->Foto-Solidão -- 17/04/2004 - 07:18 (José Geraldo Barbosa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
FOTO-SOLIDÃO

Gerônimo tinha duas irmãs pouco mais novas que ele. Ele estava ali pela casa dos dezoito, dezenove anos. Isso quer dizer que as amigas das irmãs, pela idade que tinham, invariavelmente estavam em sua mira.
Mas, nunca conseguia sucesso em suas investidas contra as meninas.
Um dia, porém, uma delas, por sinal a mais bonita de todas, engraçou-se dele: foi a Selma.
Selma... garota de lábios róseos e carnudos, olhos verdes e mortais. Cabelos louros e lisos, a emoldurar um rostinho angelical. O sorriso, então, era de iluminar qualquer ambiente, por mais escuro que este fosse.
E o corpo? Exatamente o que vocês pensaram: corpo de modelo.
Coxas torneadas e de pele lisa, sem uma estria sequer. Também, com 17 anos, haveria de tê-las?
Cintura fina, mas não muito, bumbum perfeito, arredondado e arrebitadinho na proporção mais que correta.
Provocava olhares e mais olhares, quando passava. Suspiros e mais suspiros, gemidos e mais gemidos. Enfim, era um chuchu, como se dizia, à época.
E Selma engraçou-se de Gerônimo... Quem diria, hein? Nem ele próprio acreditava.
E sabem por quê? Viram a descrição da Selma logo aí em cima? Gostaram?
Tá bom, então vejam agora a dele: magro, pernas tortas, cabeça grande, orelha de abano, nariz que mais parecia uma batata, feio que doía! Enfim, para cada atributo de beleza existente na Selma, havia um ou mais detalhes de feiúra no Gerônimo.
Vocês podem pensar o seguinte: lógico que, analisando item por item, assim como orelha, nariz e outros, o diabo poderia parecer mais feio do que realmente é.
E vocês podem até ter razão, mas, não no caso do Gerônimo. No caso dele, quando se juntava tudo, ele ficava ainda mais feio. Já pensou?
Então, fica a questão: o que ela viu nele? Mistérios... Mistérios que só desvendaremos, talvez, após a morte.
Bem, mas isso não vem ao caso. O fato é que se ela, que teve essa queda por ele, não exigiu explicações para o caso, nós é que iremos ficar preocupados? Deixa pra lá.
Ocorre que, pelo menos em dois dias da semana, a Selma costumava ir a casa do Gerônimo, a fim de estudar com uma de suas irmãs. E chegava empunhando uma maletinha contendo roupas, escova de dentes e que tais, pois, nessas ocasiões, ficava para dormir.
E, de fato, estudavam até tarde da noite, pois, naquele tempo, a escola não dava moleza. Não havia, como hoje há, a tal de progressão continuada, através da qual o aluno jamais é reprovado. Naquele tempo, aprovação sem nota boa, nã, nani, nanã. Não mesmo!
Mas, assim que a amiga, ou pretensa cunhada, dormia, Selma, furtivamente, se encaminhava para o quarto do Gerônimo. E ali rolavam coisas muito gostosas e que não precisam aqui ser descritas, nem comentadas, mesmo porque não é esse o objetivo deste relato.
E as coisas entre eles foram fluindo por longos meses, sem que Gerônimo assumisse qualquer atitude mais firme em relação a ela. Ou seja, nada de falar em algo mais sério, nada de encarar a situação como início de um relacionamento duradouro, nada de assumir um compromisso que pudesse chegar uma dia a ser eterno, nem que fosse apenas enquanto perdurasse.
Aí, Selma foi se cansando e começou a apertar o namorado noturno e secreto, pois ele não demonstrava intenções de querer tornar público aquele namoro:
- E então, Gerônimo? Quando a gente vai se comportar como um casal enamorado? Quando vamos passear pelas ruas de mãos dadas, para que todo mundo tome conhecimento do nosso romance?
Ele desconversava.
- Gerônimo, quando vamos nos tornar um casal normal?
Aquilo começou a perturbá-lo um pouco. Então, começou a evitar os encontros, arrumando desculpas esfarrapadas para tal.
Até que chegou num ponto em que ela se cansou deveras. E, numa noite de visita ao quarto dele, não sem antes aproveitar bem a estada, declarou:
- Olhe aqui, já não dá mais. Estou a fim de parar com tudo. E outra coisa, vou começar a namorar aquele seu colega de trabalho, o Emiliano.
- Ah! Ah! Ah! - foi a reação do Gerônimo - aquele cara? Ah! Ah! Ah! Duvido. D-u du v-i vi d-o dó. Duvido, minha loura. Aquele cara nem olha pra menina alguma! Se uma mulher lhe dirige a palavra, ele só falta morrer, fica tão vermelho que o sangue parece querer espirrar da cara dele. Conta outra, benzinho!
- Ah! Você duvida, é? Pois vai ver. Vou tomar providências para que tudo dê certo com ele. Aliás, já está tudo mais ou menos encaminhado. E tem mais: vou me casar com ele, você vai ver. E tem mais, ainda: sabe aquela fotografia sua que há muito tempo carrego em minha bolsa?
- Qual fotografia?
- Aquela com a dedicatória mais fingida que já vi: “À minha eterna namorada, com amor também eterno. Seu Gerônimo”.
- Puxa! Quase não me lembrava mais. Mas, tudo bem, o que tudo isso tem a ver com aquela foto?
- Ela vai servir de mensagem para comunicar a você o fato de que eu agarrei o Emiliano.
- É mesmo? Então me explique como é isso.
- Muito fácil: quando você encontrar sua foto rasgadinha em cima de seu criado-mudo, esse é o sinal.
- Que sinal? Sinal de quê?
- É o sinal de que comecei a namorar seu amigo. Essa vai ser a forma de você ficar sabendo que esqueci você de uma vez por todas.
Gerônimo não deu a mínima importância àquela conversa. Achou que era coisa de momento, puro desabafo, ou, então, uma ameaça para apertar-lhe o cerco, para induzi-lo a tomar aquela famosa e desejada atitude: namoro sério. Deixou pra lá.
Mas, passaram-se vários dias e não mais se viram. E por quê? Porque ela não apareceu mais.
Um belo dia, ou melhor, uma bela noite, Gerônimo, que nem se lembrava mais daquela conversa, chegou a casa, foi para o quarto e, ao olhar para o criado-mudo, viu algo diferente. Aproximou-se e aí lembrou-se, pois ali estava sua foto, devidamente rasgada em quatro partes. Era o sinal que ele jamais acreditava fosse receber.
Juntou os pedaços, fixou o olhar na fotografia reconstituída, examinou o verso para conferir a dedicatória, resmungou qualquer coisa ininteligível e foi dormir.
No dia seguinte, acordou, esfregou os olhos, ressentindo-se, ainda, de uma leve ressaca, e olhou vagamente para o criado-mudo. De um pulo, sentou-se na cama:
- Meu Deus, eu não sonhei, era verdade mesmo! É a minha foto, aquela mesma da conversa com a Selma. Então, a danada conseguiu desinibir o Emiliano, hein? O Emiliano namorando a Selma? Como é que pode? Eu não acredito!
Depois de se arrumar e tomar seu café da manhã, voltou ao quarto, guardou no bolso aquilo que restou de sua foto e saiu.
Ao chegar ao trabalho, a primeira providência que tomou foi reconstituir a foto, montando-a certinho e colando-a com uma fita adesiva transparente.
Tirou a carteira e aninhou a foto bem no fundo de um de seus compartimentos. Fechou a carteira e guardou-a novamente no bolso. Só aí começou a trabalhar.
Antes, porém, incrédulo, lançou uma olhadela de soslaio em direção ao Emiliano, que já finalizava a arrumação de sua escrivaninha de trabalho. Deixou escapar, então, em voz alta:
- Não é possível!
Mas, de fato, a Selma seduzira o Emiliano, que ficou totalmente apaixonado. Apaixonado a ponto de perder a vergonha de mulheres, ou, pelo menos a ponto de perder a vergonha em relação a ela.
E tudo caminhou bem para os dois: casaram-se, tiveram filhos, mudaram-se da cidade e seguiram seu destino. Como estão hoje, não sei.
Agora, vocês vão me perguntar:
- E o Gerônimo?
Olha, o Gerônimo nunca mais a viu. Também nunca se casou.
Seus hábitos vão desde trabalhar, até jogar algumas partidas de truco em alguns botecos da cidade.
Em alguns dias, ao sair do trabalho e, não havendo nenhum carteado programado, passa horas e horas na mesa de um bar qualquer. E ali, solitário, fisionomia mais ou menos triste, olhar perdido no horizonte, bebe suas doses que não são poucas.
Toda vez que isso acontece, quando está deglutindo a última dose, ele puxa a carteira do bolso e, de dentro dela, retira qualquer coisa que se parece com um cartão. Ou com uma foto, talvez.
Fica a olhar demoradamente para um lado daquilo que parece um cartão, depois vira-o e fica mais um tempo olhando fixamente, como se estivesse lendo algo. Nem parece notar se há ou não alguém na mesa vizinha, ou em qualquer outra mesa do bar. Nesse momento, tem-se a impressão de que nada lhe interessa, só aquele cartão preso entre os dedos, alvo de seu olhar sério e triste ou, no mínimo, melancólico.
Depois, lentamente, pega a carteira que deixara sobre a mesa, guarda aquele cartãozinho com um capricho tal que se assemelha a um ritual, ao mesmo tempo em que tira uma nota e paga a conta.
Por fim, apanha o troco, entorna o copo da última dose da noite, e se encaminha, lento, cambaleante e cabisbaixo, para o modesto quartinho de pensão, onde hoje mora sozinho.




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