Usina de Letras
Usina de Letras
21 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62306 )

Cartas ( 21334)

Contos (13268)

Cordel (10451)

Cronicas (22541)

Discursos (3239)

Ensaios - (10398)

Erótico (13576)

Frases (50697)

Humor (20046)

Infantil (5466)

Infanto Juvenil (4789)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140835)

Redação (3311)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6217)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->“até que a vida nos separe” -- 10/04/2004 - 16:15 (Idelmar de Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
PARTE I




Nossas vidas estão cercadas por coincidências, fatos isolados que permeiam o dia-a-dia mudando consideravelmente os caminhos da história; a maça de Nilton, os fungos da penicilina e outros não tão importantes para a humanidade, mas que assumem sua relevância em cada roda de idéias e experiências.
A mão do destino que nos conduz no tempo, sorrateiramente empurra-nos a outros caminhos sem a possibilidade de escolha, joguete divino que nos põem em duvida quanto a nossa real situação no universo, quanto ao nosso direito de decidir. O mesmo toque sutil do destino ou por que não dizer “o acaso” fez com que duas vidas colidissem nas bifurcações do tempo.
Rostos impares cercados de pequenos fatos que se fundem e vistos separadamente chamaríamos de meras coincidências, mas, que no final adquire a real acepção no que denominamos vida, a mesma que une Maria e Clara...
Agosto de 1981, a chuva era a majestade, caia da noite como se quisesse lavar toda a sujeira de um dia conturbado, as gotas despencavam do céu violentamente compondo um cenário de filme de suspense para um carro que se precipita no aguaceiro. Sebastião conduzia com extremo cuidado seu veiculo, pois junto a ele estava a sua esposa grávida de sete meses.
De passeio como sempre fez desde seu casamento há dois anos, perdeu-se do seu destino, indo parar em uma cidade desconhecida. Rita já aflita, repentinamente entra em trabalho de parto, deixando o seu esposo ainda mais flébil. Decidiu não mais retornar ao seu caminho, mas em encontrar um hospital que os acolhessem. Andou alguns metros até que estoura um dos pneus do carro. Sebastião instintivamente, (o mesmo que guia um animal acuado) toma Rita nos braços e desesperadamente corre em meio à chuva.
Já quase sem força ele pára no meio da rua com a esposa em seus braços. Um carro que desponta ao longe avista ambos no meio da rua e gentilmente a senhora que o dirigia sede-lhes ajuda e os conduz ao hospital maternidade da cidade.
Rita, naquela noite agitada, deu a luz a duas lindas meninas, porem uma das crianças não consegue sobreviver. Abatidos eles decidem permanecer na cidade por mais um tempo até que Rita pudesse recupera-se e assim retornar sua viagem, agora de volta para casa. Em sua estadia na cidade, Sebastião pôde perceber a beleza do local, bucólico, diferente da note em que as filha nasceu. Ele já havia visitado vários lugares no mundo, pois sua profissão de fotógrafo permitiu que ele visse e fotografasse desde as mulheres mais lindas até os horrores das guerras, apesar de sua juventude pôde presenciar todos estes acontecimentos, fatos que constroem cada página da nossa historia, no entanto naquela pequena cidade, ele sentiu algo diferente dentro de si, uma sensação de que voltaria aquela cidade e que uma nova fase de sua vida se iniciará..
Sebastião, Rita e a pequena Maria decidiram enfim retornarem São Paulo; Seu lar.
Naquela mesma noite outra linda menina veio a mundo, a filha de Lúcia e Roberto.
O casal já havia tentado ter filhos, mas sem sucesso, seus planos eram suspensos por sucessivos abortos que Lúcia vinha tendo. Com a ajuda de um médico o Dr Carlos Damasceno, conhecido por seus clientes e amigos por Dr. Carl, era um medico como poucos, fazia de tudo para ver os seus clientes bem, Lúcia havia começado um tratamento com ele e ao mesmo tempo freqüentava um psicólogo que a ajudava a enfrentar este problema, e naquela mesma noite, quando o mundo parecia desmanchar-se em água, Dr Carl fez o parto de Lúcia. Meses depois o Dr batizou a pequena Clara.
A noite chuvosa de agosto entrelaçou os caminhos das duas lindas meninas e a força do tempo encarregou-se de separá-las.
Maria cresceu em um ambiente onde os pais eram uma imagem num porta-retrato, cresceu vendo-os sempre às pressas, atarefados com seus trabalhos; a mãe - R ita - uma bem sucedida advogada, passava todo o seu tempo em meio a escritório, processos e tribunais e o pais - Sebastião - um excelente fotógrafo, um dos mais requisitados do país, dividia o seu tempo entre o seu laboratório e as viagens pelo mundo. A pequena Maria só desejava dividir o seu pequeno mundo em companhia dos pais, quimeras, só sobrava-lhe os breves instantes entre os abraços da chegada e os beijos da saída, e ela começava a aprender a viver das migalhas de afetos laçados ao seu minúsculo coração. Assim foi o seu mundo, cresceu convivendo com os empregados e o luxo que o dinheiro dos pais proporcionavam. A ausência do convívio familiar, que com o tempo achava ter compreendido, mas que se revelava contraditória a cada discussão com o pai, foi decisivo para a construção do seu caráter, não era tímida, contudo nunca conseguia manter uma amizade por muito tempo, tinha um grande poder de afastar os homens que tentavam conquistá-la, com a mente aberta para o mundo, e o coração fechado para os relacionamentos. Na adolescência descobriu com as poucas amigas que possuía um forte desejo por pessoas do mesmo sexo. Tempos depois seus pais descobriram que matinha um relacionamento homossexual com uma amiga do ginásio, não se incomodaram com a descoberta, compreenderam o desejo da filha.
Clara foi cercada por todo o amor dos pais, filha única (apesar de varias tentativas do casal, Lucia não mais conseguiu engravidar). Assim dedicaram toda a vida em prol da felicidade da filha. Lúcia e Roberto não mediam esforços quando se tratava de Clara. Dotada de uma beleza vista em poucas mulheres de sua idade, sua timidez escondia toda a sexualidade e privava-a do amor que ainda não conhecia apesar do namoro que mantinha, com muita insistência da mãe, com um amigo de infância.
Sebastião decide retornar a Bahia a passeio, junto com a mulher e a filha, deseja mostrar a Maria o local que ela nascerá e também mostrá-la que a ama apesar de sua ausência, não sabia expressar-se com palavras, pois sempre trabalhou com imagens, sempre lidando com a abstração, “a imagem falando mais que mil palavras”, e a única forma, era ficando junto da filha e assim tentar compensar os anos afastados.
Mais de 20 anos depois Sebastião guia o seu carro na mesma estrada que o conduziu a Santo Amaro da Purificação. Desta vez o dia estava claro e o céu estava tão azul que doeu os olhos também azuis de Maria. Sebastião por um instante mergulhou em pensamentos e ficou confuso tentando imaginar como conseguiu sair do seu curso naquela noite chuvosa. Logo seus pensamentos são afugentados quando avista as primeiras casas surgindo.

PARTE II

BEM VINDO À CIDADE HISTÓRICA DE SANTO AMARO Sebastião avistou a placa no meio da estrada e lembrou que naquela noite não percebeu a mensagem de boas vindas, e muito menos o nome da cidade. Ao transitar pela cidade, nota um movimento confuso, graças a sua aguçada percepção adquirida pela experiência de muitas viagens pelo mundo, sentiu que aquele não era o habitual, não era a cidade tranqüila de 20 anos. Abordou um rapaz que passava perto do seu carro e logo soube o motivo de tanto alvoroço.
20 de janeiro de 2002, a cidade novamente em festa em louvor a padroeira Nossa Senhora da Purificação, considerada uma das maiores festas populares do recôncavo, corria comentários sobre o declínio das organizações festivas, não sei se por alguns saudosistas que almejavam as festas ao som de charangas e de marchinha de carnaval ou se da jovem massa consumista querendo ver novas atrações, decerto é que os comentários rolavam e foi neste clima que Maria desceu na praça principal da cidade. Olhou ao redor e sentiu-se em casa, a cidade tinha destas, acolhia os visitantes como se fossem filhos, acolhia-os de uma forma que muitos deles não pensavam mais em retornar para as suas cidades natal, mas em compensação, tratava os filhos reais e os moradores de muitos anos com um total desprezo que muitos desejavam sair e nunca mais voltar, era como se a cidade desejasse renovar-se, precisava sempre de novas pessoas circulando em suas estreitas ruas. Avistou também a Igreja Matriz que parecia virar a cara para a praça Será de vergonha! Riu Maria com o pensamento. Resolveu naquele instante dar uma volta enquanto os pais se informavam onde poderiam hospedar-se.
Algumas pessoas que estavam por perto acharam estranha, aquela menina de cabelos curtos e alaranjados, que fazia um belo contraste com os olhos azuis, no supercílio um piercing dava o toque rebelde. Quem a olhasse rapidamente, poderia confundi-la com um garoto, um leve ar andrógino, mas, olhando-a bem, poderiam notar a forma dos pequenos seios por baixo da camiseta branca que vestia, deixando-a bem sensual. Maria ignorou os olhares e continuou andando, parou próximo ao chafariz da cidade que se situava ao meio da praça, sentou-se em um banco próximo e ficou a divagar em pensamentos. Sentiu um cansaço repentino, estava viajando já há algumas horas, precisava de repouso, retornou para junto dos pais que acabavam de hospedar-se em um hotel ali mesmo na praça matriz.
Sebastião após se instalar em um quarto resolveu dar uma volta pela cidade deixando Maria e Rita dormindo. Aos poucos foi lembrando das ruas que ficavam armazenados em sua memória, resolveu procurar o doutor que havia feito o parto de sua filha, não tinha certeza que iria encontrá-lo, já se fazias muito tempo, mas arriscou uma tentativa. Parou em frente ao hospital maternidade da cidade, apesar da nova fachada, ela ainda guardava traços da fachada antiga. Na portaria procurou noticias do Dr. Carlos Damasceno, e depois de algumas explicações informaram-lhe que o doutor havia se aposentado já há alguns meses, porem ainda residia na cidade, a enfermeira que o atendeu gentilmente sede-lhe o endereço, Sebastião agradece e decide procurá-lo uma outra hora e retorna para o hotel.
Já era noite na cidade, o movimento aumentava nas ruas, a praça matriz era como fosse um espécie de imã que atraia os moradores, Maria ficou na porta do hotel a observar o transito das pessoas, olhou curiosa as meninas que davam varias voltas em torno da praça, olhando a cena lembrou os rituais em que as mulheres em transe davam voltas em torno de ma fogueira, talvez aquilo fosse uma espécie de ritual, decidiu participar.
Sua sensualidade não deixou de ser percebida por onde passava, apesar de algumas vezes suas atitudes lembrarem as de um rapaz. Parou em frente a Igreja e nas escadarias havia um grupo de jovens que lhe chamo a atenção, resolveu aproximar-se. Não foi difícil o primeiro contato, pois os rapazes conversavam sobre musica, assunto que Maria dominava muito bem, principalmente quando se tratava de jazz, samba e blues.
A conversa rolou descontraída, Maria dividiu experiências e contou sobre os lugares que já havia visitado, não contou que eram os seus pais, acho que não era conveniente, poderiam achá-la arrogante.
De repente um silencio e todo o grupo voltou os olhares para uma única direção, menos Maria que ficou desnorteada por alguns instantes, mas logo em seguida percebeu o motivo da quietude. Maria sentiu um aperto no coração e uma taquicardia repentina, seus olhos apesar da distancia, avistou os olhos tão azuis quanto os seus, pele alva e cabelos aloirados, era Clara. O silencio foi quebrado quando um dos rapazes gritou: - Clara! que retribuiu com um aceno e dirigiu-se ao grupo. Clara já os conhecia, sua paixão por poesia a aproximou dos rapazes, porem não conhecia Maria, que lhe causou uma certa curiosidade, os olhares insistentes faziam Clara gelar toda vez que os seus olhos fitavam os dela. Mas não demorou a descontração e todos estavam conversando normalmente.
Os dias se passaram e os encontros das garotas tornaram-se cada vez mais freqüentes, os propósitos de Maria foram se tornando mais evidentes para Clara, que se sentiu confusa com os assédios, nunca havia passado por isso antes, mas aos poucos foi cedendo e as meninas agora mulheres que o destino separou, via-se envoltas em caricias e jura de amor.
Apesar do pouco tempo de conhecimento, Clara e Maria já sabiam que algum dia teriam que se encontrar, os fatos que compunham as suas vidas se mesclavam ao ponto de deixá-las assustadas, mas o amo que florescia, faziam-nas esquecer, pelo menos por breves instantes a dura realidade, amor homossexual em pleno século 21 ainda chocava, mas as garotas acreditavam que mesmo que o destino houvesse escrito os seus caminhos elas poderiam mudá-lo, pois Deus havia lhes concedido o poder da escolha - O Livre Arbítrio - de reescrever a história.
No hotel, revirando os bolsos, Sebastião encontra um papel escrito: Jardim Verde Vale. Lembra do Dr Damasceno, resolve então lhe fazer uma visita. Não foi difícil encontrar o local, já que o Dr é muito conhecido na cidade. Chega a casa e é atendido pelo próprio Dr, que sem o reconhecer convida-o a entrar. Ambos estão descontraídos, Sebastião conta-lhe o motivo da visita, o Dr ouve atentamente a narrativa e um leve sorriso escapa de seus lábios, sorriso de quem está acostumado a ouvir a mesma historia sobre parto e crianças, porem quando a historia começa a ter sentido, quando o Carl recorre ao seu inconsciente atrás de lembranças do passado, lembranças que gostaria de enterra. Um estranho pavor surge de súbito, o sangue parece fugir-lhe do corpo, neste instante o medico não compreendia mais palavras, só frases distorcidas que confundia a sua cabeça, ele levanta a procura de ar. Sebastião fica assustado, não sabia o que estava acontecendo, pensou esta diante de um ataque cardíaco. Alguns empregados surgiram para socorrê-lo e Sebastião fica observando sem poder fazer nada. Neste momento, Clara e Maria aparecem e a surpresa toma conta das duas, Clara corre para ajudar o padrinho e Maria não entende a presença do pai naquela casa. Sebastião explica rapidamente o ocorrido à filha e ambos decidem sair, Maria despede-se de Clara, que mal entende as palavras e retorna a atenção para o padrinho. O Dr recupera a lucidez e arrasta Clara para o seu escritório. Ele senta em sua cadeira e fica por alguns minutos com o olhar distante, como se estivesse vendo além das paredes daquela sala, de sua boca começam a ouvir sussurros, que aos poucos vão tornando-se palavras... 19 de agosto de 1981, a sua mãe havia entrado no hospital em trabalho de parto, era uma gravidez de risco, ela já havia tentado engravidar outras vezes mais nunca tinha sucesso, aquela noite parecia tudo bem, parecia que iria acontecer, mas o bebê nasce morto, não poderia contar, ela não iria suportar a dor, na mesma noite uma outra mulher havia dado a luz a gêmeos, ela não era da cidade, estava só de passagem... a crianças que nascera morta tinha as mesmas características dos gêmeos, pele clara olhos azuis, ninguém iria perceber, já que os bebês eram prematuros, um dele poderia não resistir, eu amava Lúcia não poderia vê-la sofrendo, desculpe-me Clara.
Ela ouviu as palavras silenciosamente, toda a sua história transformava-se em poucos minutos, ela saiu da sala, atônita cruzou a casa como um zumbi, levando tudo pela frente. Caminhou pelas ruas, sem direção, o seu corpo seguiu o sopro do vento e quando se deu conta estava cruzando a rua do amparo indo em direção à praça matriz. Parou nos bancos atrás da prefeitura e ficou sentada por horas, encolhida como se um frio ártico cortasse a sua pele. Eram 10 horas de uma manha do dia 2 de fevereiro de 2002 e Clara permaneceu naquela mesma posição ate as 17 hora da tarde, ate Maria encontrá-la. Conversaram por algum tempo e decidiram sair. Foram a casa de Clara. Entraram no quarto e não cumprimentaram Lúcia que estava na sala. Clara já havia decidido correr os riscos do romance com Maria, mas agora era impossível manter, era inaceitável. Estava tremula, mal conseguia pronunciar uma palavra. Maria ficou a observar, não estava entendendo, pensou que os pais haviam descoberto o romance, mas descartou logo em seguida, pois os pais sabiam do seu homossexualismo e nunca se objetaram, Maria saiu do quarto e alguns minutos depois voltaram já tranqüila e em suas mãos uma caixa de Lexotan que a mãe usava para depressão e que ela havia tomado quase todos os comprimidos, conta toda a historia a Maria que pela primeira vez senti-se confusa. Olha para Clara deitada sob os efeitos dos tranqüilizantes, pega a caixa no chão e toma o restante dos comprimidos e deita-se ao lado dela. Ficam a observa-se, ambas em silêncio. Os tranqüilizantes começam a fazer os efeitos devastadores em seus organismos, ficam nesta mesma posição por horas, já perderam a noção do tempo. Na rua ouvia-se os fogos encerrando os festejos na praça matriz. Não havia mais nada para as duas, nem os gritos desesperados da mãe de Clara a esmurrar a porta, nem o estampido de um tiro fatal na casa do Dr Carlos Damasceno, só o azul dos olhos, que foram se tornando negros, o negrume da morte no dia 2 de fevereiro.

Idelmar de Oliveira
Janeiro de 2002
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui