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Contos-->TESTEMUNHO DE UM DESCONHECIDO -- 01/04/2004 - 21:26 (adelay bonolo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
TESTEMUNHO DE UM DESCONHECIDO


Dia desses, tive que despachar um processo de meu interesse em um dos ministérios da Esplanada(1). Engavetado, precisava do apoio de um tal de Dr. Celso F. Pacheco, Secretário-Adjunto da área, para dar-lhe seguimento. Não era problema de pistolão, mas sim de prestação de informações adicionais necessárias à decisão daquela Autoridade.

Por volta das 15h, dirigi-me ao prédio onde ficava o tal gabinete. Subi ao terceiro andar, munido da documentação complementar que me fora solicitada, identifiquei-me com a segurança(2) e fui atendido por uma das secretárias, que me pediu para aguardar.

Meia hora de espera, que passou mais rapidamente que nunca, graças à beleza dos joelhos e da secretária sentada diante de mim. Não conhecia o Dr. Pacheco e jamais havia estado naquele gabinete, aliás, nem naquele prédio.

— O senhor pode entrar — disse a moça bonita e indicou-me a porta lateral que dava acesso à sala onde deveria estar o Secretário, abrindo-a para mim.

Entrei. Era sala larga, atapetada, com grandes cortinas brancas, meio amareladas pelo sol de Brasília, dependuradas desde o teto, com abajures grandes iluminados e conjunto de sofás de estilo, rodeando mesa de centro de mármore branco, sobre a qual se via pequeno pote de cristal cheio de balas e bombons.

— Boa tarde! — disse-me o Secretário, estendendo-me a mão.

Tive enorme susto. Aquela figura não me era nada desconhecida e de relance toda uma vida passada me veio à mente, como numa cena de filme. “Não, não pode ser”, pensei. “Mas que é igualzinho é, bastante mais velho e acabado, mas é a mesma pessoa”.

Notei que o Dr. Pacheco, ao me ver, também se assustou, pois mudou imediatamente de cor, ficando pálido, da cor das cortinas de seu gabinete.

— Dr. Pacheco, sou Carlos Pitanga, interessado no processo... Mas acho que o conheço há mais tempo. O senhor, por acaso... - “parece-se tanto com ele”... - o senhor conheceu um tal de Pachequinho, muitos anos atrás, no Rio de Janeiro?

Não podia ser outro. Aquele cara que estava diante de mim, naquele gabinete, ali em Brasília, sem dúvida era o Pachequinho, figura das mais notórias no meio estudantil dos meus tempos de faculdade.

— E você não é o Pitanga, paulista, a quem chamavam de Baixinho? – emendou ele.

Pronto. Estavam feitos os reconhecimentos.

— Quem diria, depois de tanto tempo encontrá-lo aqui! Tudo o que lhe aconteceu, ou melhor, o que disseram que lhe havia acontecido, as circunstâncias de sua prisão, de sua morte, de seu sumiço, enfim! Que houve?

— A história é complicada, Pitanga, ou antes, Baixinho. Pouca gente soube do que realmente aconteceu.

***

Aquele circunspeto Dr. Celso F. Pacheco não era outro senão o Pachequinho, sim senhor!: um dos personagens mais conhecidos da cena política estudantil no Rio de Janeiro nos idos de 1962 a 1966. Todo mundo o conhecia. Baixinho, atarracado, cabeça redonda achatada no alto, portava par de óculos de fundo de garrafa, que o obrigava a levar o papel bem perto dos olhos se quisesse ler alguma coisa. Nos murais, chegava quase a encostar o nariz na tela de veludo para ler as mensagens ali escritas, como barata rastreando os cartazes.

Até hoje ninguém sabe o que significava o tal do F. de seu nome, nem que seu primeiro nome era Celso. Era um paraibano de fala autêntica, bem arrastada, muito loquaz, inteligentíssimo, capaz de declamar durante horas textos dos poetas parnasianos, dos Lusíadas e das obras marxistas então em voga.

Nessa época, a efervescência política entre os estudantes era um fato. Os estudantes no Rio de Janeiro estavam bastante politizados. Lá ficava a sede da UNE (União Nacional dos Estudantes), entidade patrocinadora de muitas lutas e batalhas memoráveis na história política do País. A UNE agregava os estudantes de modo geral (universitários e outros), representando a classe nacionalmente. Na cidade ficava também a UME (União Metropolitana de Estudantes), entidade não menos participativa de nível secundário do Rio. Pachequinho era um dos dirigentes mais ativos da UME, que muitas vezes se juntava aos movimentos da entidade nacional, congregando massa enorme de jovens.

No campo político, o Brasil passava por grandes transformações. A renúncia de Jânio Quadros desencadeara uma série de movimentos da direita e da esquerda. O País fervilhava de emoções, num caldeirão que ebulia, parecendo prestes a explodir. A esquerda achava que a hora havia chegado e ansiava pela Revolução Socialista, o que apavorava a grande massa da população e enlouquecia os movimentos de direita. Temia-se pelo caos.

No meio e muitas vezes à frente desses movimentos estavam os estudantes, os quais, aliados aos sindicatos dos bancários e dos operários, eram competente e diligentemente direcionados aos propósitos da esquerda, especialmente dos Partidos Comunista e Socialista. O centro da cidade era testemunha de manifestações de toda sorte. Passeatas, comícios, e panfletos aos milhares coalhavam as ruas. Os jornais estampavam manchetes espalhafatosas e provocativas. A Cinelândia, uma das praças centrais do Rio, virara campo de batalha. Todas as noites havia ali comícios, quase sempre reprimidos pela polícia de Lacerda(3).

Do lado da direita, além das entidades de classe patronais, da polícia e seu DOPS, dos militares e da Igreja, havia os movimentos tipo paramilitares, de extrema direita, representados pelo MCC (Movimento de Caça aos Comunistas), TFP (Tradição, Família e Propriedade), afora outros igualmente atuantes.

Perto do Aeroporto Santos Dumont, na Ponta do Calabouço, existia um enorme restaurante exclusivamente estudantil, que servia refeições a milhares de comensais diariamente, inclusive ajantarado aos domingos e feriados. Era dirigido pelo benemérito Agamenon Magalhães, que providenciava recursos para o restaurante e para o ambulatório anexo. Sob sua administração a comida era excelente, da melhor qualidade.

O Calabouço funcionava como termômetro dos movimentos. Às vezes praça de guerra, às vezes festa só. Por qualquer coisa, alguém subia na mesa, empurrava para o lado, com os pés, a bandeja de comida e fazia discurso inflamado. Quase sempre o mote versava sobre a qualidade da comida servida. Mas também se falava de política. As palmas e vaias, tanto umas quanto as outras, eram representadas pelo tilintar dos talheres nas bandejas de folhas de aço inoxidável, cujas bordas, por isso mesmo, estavam sempre amassadas. Era um barulho ensurdecedor. Às vezes havia necessidade de intervenção do Agamenon para acalmar os ânimos.

Era esse o principal cenário da época. Nele figurava Pachequinho como militante. Vez por outra, subia também à mesa do restaurante para, com voz nordestina carregada, despejar enxurrada de palavras difíceis, que só ele sabia usar e talvez entender, conseguindo recorde de “palmas e vaias” da platéia.

À entrada, havia sempre filas enormes, pois a cozinha não dava vazão a tantos comensais. Eram milhares. À saída, formavam-se rodinhas de curiosos observando alguma presepada de alguém querendo chamar a atenção para si. Quase sempre conseguia, pois havia curiosos para tudo.

Certo dia, notei uma rodinha especialmente grande, uma “rodona”! Com muita dificuldade, empurrando aqui e ali, consegui chegar ao epicentro do fenômeno, quando, surpreso, deparei-me com o Pachequinho no comando do espetáculo.

— O que estaria acontecendo por aqui? - perguntei curioso.

— Pachequinho está apostando Cr$ 2,00 (dois cruzeiros) de cada um de que é capaz de comer uma barata viva(4).

— Uma barata? – perguntei enojado. Antes da resposta, olhei para o chão e vi uma cesta de vime cheia de notas de Cr$ 1,00.

— Pachequinho, pra que isso? – interpelei-o.

— Bota o dinheiro aí, ô Baixinho!

Todo mundo casado, Pachequinho tirou de um bolso da calça uma banana grande, nanica, ou d’água como a chamam no Rio, descascou-a e a partiu em duas partes com uma faca do restaurante. Tirou do outro bolso uma caixinha de fósforo, abriu-a demorada e cuidadosamente e mostrou à platéia, ouriçada pela emoção, uma barata grande, envernizada, cheia de pernas. Uma nojeira! Colocou-a dentro das duas partes da banana, apertando as metades da fruta com força para que a barata não lhe saísse pelas bordas. O inseto estava mesmo vivo, pois se mexia e tremelicava desesperadamente nas mãos de Pachequinho, antes de virar recheio de sanduíche.

Na platéia não se ouvia ruído, nada. Silêncio total. Pachequinho, então, deu início à degustação, se é que se pode chamar aquilo dessa forma. Uma primeira dentada, pequena, devagarzinho e, seccionado o pedaço, engoliu-o por inteiro, de uma só vez. E assim, de pedaço em pedaço, comeu a banana toda, recheada de barata. A cada naco engolido, olhava para a platéia, que o aplaudia ruidosamente, às gargalhadas, mas com incríveis caretas de nojo.

Terminada a operação, fez-se novo e profundo silêncio. Todos à espera de algum comentário do exótico comensal a respeito do que acabara de fazer.

— Por Cr$ 5,00 (cinco cruzeiros) – disse ele, pausadamente – eu como um rato! (5)

Essa não! Foi uma gargalhada só. A roda dispersou-se rapidamente, cada um para o seu destino, inclusive eu.

Talvez a repugnância tenha sido maior que a curiosidade. O certo é que ninguém se animou a dar-lhe os Cr$ 5,00 pedidos na aposta, o que possivelmente influíra na desistência da nova aventura.

Pachequinho era isso: ora, alma de poeta, declamando apaixonados sonetos, aos borbotões; ora, capaz de gestos inesperados como esse da barata. Nunca lhe perguntei o motivo da aposta. Soube depois que o episódio se repetira várias vezes, mas foi a única que vi.

***

A ebulição política aumentava, chegando ao auge com o famoso comício da Central do Brasil. De repente, ouve-se a notícia de que Minas Gerais, sob liderança de Magalhães Pinto, havia se rebelado contra a União, e o exército de lá, sublevado, marchava em direção ao Rio de Janeiro e o do Rio ia de encontro àquele. No início, tal notícia virou pilhéria, gozação. Mas quando se deram conta de que a coisa era verdadeira... Os exércitos, a meio caminho, confraternizaram-se. Notícias desencontradas de todos os lados; todo mundo, com os ouvidos colados a radinhos de pilha, à cata do que realmente estava acontecendo. Não demorou muito e as forças armadas, apoiadas por muitos governadores, inclusive o Lacerda, aderindo ao movimento de Minas, derrubaram o Presidente, instalando no País ditadura militar que iria durar mais de 20 anos.

A esquerda, na verdade, foi pega de surpresa. Todos esperavam que era ela quem daria o golpe, mas foi exatamente do outro lado que ele veio. Ficou provado uma coisa: a esquerda não estava preparada para assumir o papel a que se candidatava e apregoava aos brados nos comícios, panfletos e nos jornais e revistas.

Houve um princípio de reação, mas as forças armadas, na prática apoiadas pelo povo, dominaram inteiramente a situação. Tal movimento, cujo braço civil era a UDN, do Brigadeiro Eduardo Gomes e do Lacerda, entre outros tantos, vinha sendo preparado minuciosa e sigilosamente havia muito tempo, desde a época do governo de Juscelino, talvez antes. Estavam apenas esperando o momento certo. E não deu outra coisa.

E vieram os Atos Institucionais. E vieram as cassações. E vieram os exílios e os banimentos. E vieram as repressões. E vieram as prisões e as mortes. E deu-se início a prolongado período negro na História do `País, quando muita gente delatou, foi delatada, presa, torturada e sumiu... O País perdeu suas lideranças e a juventude foi amordaçada, alienando-se da Política. Até hoje o Brasil se ressente disso.

Atearam fogo ao prédio da sede da UNE, demolindo-o por completo. Aboliram os partidos políticos e as associações de classe foram interditadas umas, intervindas outras. Fecharam o Congresso Nacional. Substituíram os governadores e os principais prefeitos do País por interventores. A lei do terror passou a vigorar. A desconfiança era generalizada. Muitos ativistas de esquerda, inclusive estudantes, foram presos. Entre eles estava Pachequinho, que a rigor a rigor, não passava de um bobo alegre, inofensivo, falastrão apenas. Correu entre os “sobreviventes” a história da prisão, tortura e morte de Pachequinho, lamentada por muita gente, inclusive eu, que o conhecia de perto. Virara herói, a exemplo de todos aqueles que morriam naquelas circunstâncias.

***

— Mas, quanta surpresa vê-lo aqui em Brasília, com vida, depois de tanto tempo! Garantiram-me que tinha sido torturado e morto nas prisões do DOPS! – disse-lhe depois de fixar os olhos em sua fisionomia que, salvo algumas rugas, não havia mudado muita coisa.

— Pois é, Baixinho. A história, na verdade, é outra. Naqueles dias de batalha campal nas ruas do Rio, entre nós e a Polícia de Lacerda, muita coisa aconteceu. Outras, porém, tidas e havidas como verídicas, não passam de folclore.

“Naquela noite, lembro-me bem, — continuou Pachequinho — todos nós fomos à sede da UNE, como do costume, porque lá ficávamos sabendo das novidades e recebíamos sempre uma palavra de conforto e de esperança, diante de tanta notícia ruim. Exatamente na hora do “rush”, o trânsito na Praia do Flamengo, onde ficava o prédio, era intenso. Eu mesmo vi uma turma do MCC, acolitados por policiais à paisana, muitos dos quais a gente já conhecia, despejarem no asfalto, sorrateiramente, triângulos iguais aos utilizados pela Polícia Rodoviária Federal para impedir a passagem de carros nas “blitzen”. Só que eram menores e mais pontiagudos que aqueles. À medida que os pneus iam sendo furados por aqueles artefatos, os carros paravam, atrapalhando o trânsito, transformando-o para pior do que era, já caótico. Então, os agentes da direita começaram a gritar aos motoristas, que saíam de seus carros furiosos, que os responsáveis por tudo aquilo eram os estudantes da UNE. A coisa pegou. E, aos brados de fogo!, fogo!, incendiaram o prédio, com todos os seus pertences, papelada, móveis e tudo o mais que nele havia.

“É isso aí, Baixinho, foi o próprio povo quem fez aquilo, a moçada da Zona Sul, obviamente incentivada e açulada pelos inimigos da Revolução (Socialista, obviamente queria dizer o Pachequinho)”.

“As lágrimas rolavam de nossos olhos ao ver as chamas devorarem aquele templo sagrado da democracia. Senti naquele momento que a guerra, não a batalha, estava perdida. Algo deveria ser feito. Fomos todos para o Largo do São Francisco, ao recinto da Faculdade de Engenharia. Ali, num gesto desesperado, havia alguns soldados da marinha ensinando os estudantes a manejar fuzis e metralhadoras, — armamento cujo peso eu mal podia carregar —, caso fossem distribuídas armas para o povo, como alguns pretendiam. Foi ação tresloucada, isolada, sem nenhuma significância para estancar o processo revolucionário dos militares, a essa altura já vitorioso”.

“Poucos dias depois, a Revolução estava definitivamente consolidada”.

— E como foi a história da sua prisão? – perguntei-lhe.

— Ah!, foi o seguinte. Ao sairmos da Faculdade de Engenharia naquela noite, o centro da cidade estava completamente tomado pela polícia. Todas as lojas e casas haviam fechado suas portas desde cedo, inclusive com tábuas pregadas por fora. A fumaça das bombas de gás lacrimogêneo (hoje têm o nome eufêmico de bombas de efeito moral) encobria tudo. Todas as pessoas eram abordadas. Eu também fui, sem antes levar borrachada de cassetete na cabeça, que me dói até hoje, só ao lembrar-me.

“Não acreditaram na minha história e me levaram de camburão diretamente para uma sala do DOPS, onde fiquei três dias incomunicável, a pão e água. No quarto dia, ao me chamarem para depor, notei que eles haviam levantado toda a minha vida pregressa, em minúcias e detalhes de que eu mesmo já havia esquecido. Passaram alguns dias tomando meu depoimento, sempre as mesmas perguntas e as mesmas respostas, acusando-me de coisas que jamais fizera. Segundo eles, eu seria uma sinistra figura extremamente perigosa. Mas na realidade nada encontraram que justificasse minha permanência ali.

— Celso F. Pacheco – declarou o capitão, chefe da equipe do interrogatório – O que significa esse F? – Antes mesmo que respondesse, continuou - A sua ficha aqui é negra. Está pontilhada de situações não esclarecidas, altamente comprometedoras. — E abrandando a voz, quase sussurrando, me disse — Como é que um cabra de boa família, lá da Paraíba, minha terra e dos meus pais, foi se meter numa encrenca dessas, oxente! Você deu sorte em cair nas minhas mãos, cara! Vou liberá-lo, mas sugiro que suma daqui do Rio de Janeiro. Volte para nossa terra e fique lá quietinho, entendeu?

“Claro que havia entendido. No dia seguinte, peguei um ônibus para João Pessoa, e fiquei lá até a abertura política em 85, com a eleição de Tancredo Neves. Formei-me em Administração de Empresas e vim morar em Brasília. Nunca mais voltei ao Rio de Janeiro. Fiz concurso público e aqui você me vê, burguesamente sentado numa cadeira de chefia, relembrando um passado que já ficou longe...”

— É, Pachequinho, mas a história da barata não deu pra entender! Como foi aquilo? Por que motivo?

Vi que a pergunta mexeu com ele: ficou muito sério, franzindo a testa.

— Naqueles dias, morava comigo um irmão mais novo que, infelizmente, contraíra leucemia, doença que naquela época nem se imaginava pudesse ter cura. O Agamenon do Calabouço queria mandá-lo para os Estados Unidos, onde havia centro médico que tratava com algum êxito essa doença. Mas a ajuda que nos daria não seria suficiente para pagamento de todas as despesas. A única saída que encontrei foi comer baratas dentro de bananas, do jeito que você viu. Consegui algum dinheiro, mas antes que completasse o montante necessário, meu irmão faleceu.

— Nem imaginava, cabra, que pudesse ser uma coisa dessa!

— Pois é, Baixinho, na vida engoli muita barata, à toa, pra nada. Mas o que são baratas diante dos sapos que hoje tenho que engolir aqui no Ministério, sem apostas, de graça, sem motivo nem glória! Como vê, não sou nem fui aquele herói que todos imaginavam que fosse. Acovardei-me!

Por essa última frase, compreendi porque havia amarelado ao reconhecer-me quando entrei em seu Gabinete.

Adelay bonolo




(1) Esplanada dos Ministérios, em Brasília-DF.

(2) É comum a segurança das repartições em Brasília ser realizada por mulheres.

(3) Governador do então Estado da Guanabara, ferrenho inimigo da esquerda, com a qual veio a unir-se mais tarde, após ser cassado.

(4) Vigia na época a moeda CRUZEIRO (Cr$).

(5) Esse episódio me foi repassado por Carlos Rodolfo Acioli, amigo que teria presenciado a cena.
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