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Contos-->LIÇÕES DE VIDA -- 31/03/2004 - 02:17 (Roberto Stavale) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
LIÇÕES DE VIDA



Corria o ano de 1969.
Rio Claro, cidade em grande desenvolvimento no interior paulista, começava a abrigar diversas fábricas.
Sua história econômica tinha como ponto forte, além do setor agropecuário, cerâmicas e olarias.
Mas antes de prosseguir com as lições que a vida nos ensina, vamos voltar ao passado.
Por volta de 1720, o povoamento de Rio Claro, às margens do Córrego da Servidão, servia como pouso de tropeiros que se dirigiam para o sertão de Goiás e Mato Grosso, em busca de ouro, pedras preciosas e outros metais valiosos.
Devido à excelente topografia e ótima qualidade da terra, por volta de 1821 começaram a surgir na região diversas fazendas de cana-de-açúcar e café.
A data oficial da sua fundação é 24 de junho de 1827, quando o padre Delfino da Silva Barbosa chegou ao lugar, nomeado cura do povoado, trazendo a imagem de São João Batista, padroeiro da cidade.
O grande desenvolvimento do Estado de São Paulo aconteceu devido à construção da Estrada de Ferro São Paulo Railway, ligando Jundiaí ao porto de Santos.
Em 1859, Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, com outros interessados, convenceram o governo imperial da importância da construção da referida estrada.
Como a linha férrea tinha de vencer, para subir e descer, a íngreme Serra do Mar, foi chamado o engenheiro inglês Daniel Makinson, dono de vasta experiência na construção de estradas de ferro nas montanhas do norte do País de Gales e encostas dos Pirineus.
Empresas inglesas de engenharia foram responsáveis pela estrada, inaugurada em fevereiro de 1867.
Seguindo o exemplo de progresso, diversos fazendeiros paulistas, principalmente os barões do café, construíram logo a seguir uma nova estrada de ferro, permitindo assim um melhor escoamento de seus produtos para exportação até o porto de Santos.
Esta estrada, inaugurada em 1876, foi a lendária Companhia Paulista de Estradas de Ferro.
O pátio da Estação de Rio Claro e mais alguns prédios anexos foram transformados em oficinas de locomotivas e vagões de carga e passageiros.
A Companhia Paulista de Estradas de Ferro, depois transformada em Fepasa – Ferrovia Paulista S.A., até hoje mantém, em Rio Claro, parte do imenso Parque dos Eucaliptos, madeira que servia de lenha para as fornalhas das antigas locomotivas a vapor.
A cerâmica, do grego kéramos – terra queimada ou argila queimada, – manufaturada e cozida há cerca de 10.000 mil anos, geralmente encontrada em sítios e escavações arqueológicos, é extremamente resistente.
Quando abandonou as cavernas e se tornou agricultor, o homem passou a necessitar de outros tipos de abrigos. Dado este enorme passo a caminho da civilização, os nossos primitivos ascendentes precisaram proteger suas habitações contra as intempéries e, ao mesmo tempo, de vasilhas para armazenar água, alimentos e sementes para os próximos plantios. Tais vasilhas tinham de ser impermeáveis e de fácil fabricação.
Essas facilidades foram encontradas nos barros próximos aos rios e mananciais.
A cerâmica é feita com argila que, quando umedecida, torna-se plástica e fácil de manusear. Depois de secas, as peças moldadas são colocadas em fornos com altas temperaturas, por volta de 1.000ºC, que dão a elas a devida rigidez.
Essas propriedades permitiram que a cerâmica fosse utilizada na construção de moradias, vasilhames para uso doméstico e armazenamento de alimentos, vinhos, óleos, perfumes, urnas funerárias e até como "papel" para a escrita.
Atualmente, além de matéria-prima de diversos utensílios domésticos e na construção civil, a cerâmica é utilizada na tecnologia de ponta, mais especificamente na fabricação de componentes térmicos de foguetes espaciais, pois são refratárias e de grande durabilidade. É também largamente usada pelos artistas plásticos.
No Brasil, a cerâmica originou-se da avançada cultura indígena que floresceu na Ilha do Marajó.
Estudos arqueológicos, contudo, indicam a presença de uma cerâmica mais simples, ainda na região amazônica, por volta de 5.000 anos atrás. A cerâmica marajoara era altamente elaborada e sua especialização artesanal compreendia várias técnicas: raspagem, incisão, excisão e pintura.
A modelagem era tipicamente antropomorfa, embora houvesse peças com lagartos e cobras em relevo. Outros objetos de cerâmica destacavam-se, como os bancos, estatuetas, rodelas-de-fuso, tangas, colheres, adornos auriculares e labiais, apitos, urnas mortuárias e outros objetos de uso diário.
Mesmo sem conhecer os tornos, e trabalhando com instrumentos rudimentares, os nossos índios conseguiram criar cerâmicas de valor, dando a nítida impressão de superação dos estágios primitivos da Idade da Pedra e do Bronze.
A tradição ceramista, como vemos, não chegou ao Brasil com os portugueses ou outros europeus. Eles apenas construíram as primeiras olarias, estruturando a indústria de tijolos e afins, e concentrando a mão-de-obra.
A introdução, na faixa litorânea, do uso de tornos e “rodadeiras” nas novas cerâmicas e olarias, construídas principalmente pelos jesuítas, acelerou a fabricação das peças, enquanto no interior do Brasil permaneceram os sistemas rudimentares do manuseio do barro e da argila. Mas, vamos deixar o Brasil Colônia por conta da nostalgia e voltar a 1969.

Devido às grandes reservas de argila na região, Rio Claro é famosa por estas indústrias.
Jorge trabalhava em uma destas cerâmicas havia mais de dez anos. Começou como contínuo e pouco a pouco galgou degraus, pois era um verdadeiro “coringa”. Fazia de tudo, principalmente os serviços que exigiam muito jeito para vencer a burocracia governamental.
Quando tudo parecia perdido, Jorge ia e resolvia.
Com estes resultados positivos, a diretoria chamou-o para trabalhar diretamente com os diretores. Num passe de mágica, na sua carteira profissional passou constar a função Assessor da Diretoria.
Felipe Scapoletto, diretor-presidente, via em Jorge o filho que nunca teve, pois era pai de cinco mulheres.
A empresa prosperava com suas novas linhas de pisos e azulejos.
Certa tarde, quase na hora de encerrar o expediente, seu Felipe chamou Jorge e confidenciou:
– Filho, nós estamos importando da Itália uma nova máquina, toda automatizada. Precisamos dela aqui em quinze dias, no máximo.
Seu Felipe tinha toda a razão.
Outros concorrentes também estavam importando máquinas semelhantes. Mas quem vencesse a desenfreada corrida pelo lançamento de novidades no ramo certamente ganharia o mercado.
– Mas qual é o problema? Retrucou Jorge.
– O nosso agente do porto de Santos acabou de passar um telex, avisando que o navio está à deriva, avariado, na costa do Rio Grande do Norte.
E continuou a ler o telex.
– Veja, filho! O navio vai ser rebocado para o porto de Natal, nestes próximos três dias, e não virá para Santos, como previsto.
A contragosto, terminou:
– Vamos dar um jeito de mandar você até lá, para desembaraçar a mercadoria e trazê-la de caminhão.
Despachantes de Natal e de Santos foram acionados para esta quase impossível tarefa, pois todos os documentos de bordo diziam que a tal mercadoria era destinada ao porto de Santos.
Seria uma operação difícil e longa. Às vezes, este tipo de transbordo demorava meses.
Conversaram mais alguns minutos sobre o fato e decidiram que Jorge viajaria para Natal, dentro de dois dias.
Seu Felipe tinha a certeza absoluta do sucesso da missão.
Na manhã da partida para São Paulo, onde Jorge tomaria o avião para Natal, seu Felipe recebeu um telefonema chocante e desastroso. A notícia mudaria o trajeto e a vida de Jorge.
A família Scapoletto tinha uma capela no Cemitério da Quarta Parada, em São Paulo. Lá estavam enterrados seus pais, irmãos e outros parentes.
Inaugurado em 1880, ficou conhecido como Cemitério da Quarta Parada, porque foi construído perto da Estrada de Ferro Central do Brasil, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, na quarta parada que os trens faziam depois de sair da Estação do Brás.
O Quarta Parada localiza-se entre os bairros do Brás, Mooca, Belém e Tatuapé. E é também conhecido como o Cemitério do Brás.
Conta-se que no início da história do Tatuapé (muitos tatus, em idioma indígena), toda a região foi desbravada por Brás Cubas por volta de 1560. O local onde localiza-se o cemitério era uma colina habitada por índios piqueris.
Mas voltemos ao nosso personagem Jorge.
Naquela manhã, Helena, irmã caçula de seu Felipe, telefonou aos prantos, contando que o jazigo tinha sido violado e todas as gavetas, arrebentadas. Motivo: roubo do ouro das arcadas dentárias das caveiras.
Felipe consultou seus outros irmãos e ficou entre a cruz e a espada. O único que poderia cuidar de tudo aquilo, e rapidamente, era Jorge.
Mas nem foi preciso chamá-lo. Jorge estava entrando na sala para se despedir quando recebeu a notícia.
Seu Felipe terminou a conversa, aconselhando:
– Vá correndo a São Paulo e cuide do túmulo como se fosse da sua família. Tome todas as providências e faça a reforma geral da capela o mais rápido possível. A máquina que espere o navio chegar a Santos.
A decisão estava tomada.
Jorge ficou impressionado com o vandalismo praticado no jazigo. Ossos e crânios esparramados pelo chão no meio de tijolos, reboco e pedaços de mármore.
A conselho da Administração do Cemitério, fez um boletim de ocorrência na delegacia mais próxima.
Ficou sabendo, então, da “via sacra” que teria de percorrer para colocar tudo em ordem.
Em primeiro lugar, deveria fazer as exumações. No túmulo jaziam nove falecidos.
Para essa tarefa seria necessário um requerimento ao Serviço Funerário, pedindo autorização.
Jorge ficou sabendo, na própria Administração, que muitos despachantes trabalhavam com esses procedimentos. Além disso, o empreiteiro responsável pela reforma teria de ser cadastrado no Serviço Funerário.
Em meia hora arrumou três empreiteiros para escolher o melhor orçamento.
Dirigiu-se a uma rua próxima, onde havia uma Agência de Despachos.
Lá ficou conhecendo dona Nair, uma senhora dos seus cinqüenta anos, despachante autorizada a lidar com exumações.
Telefonou para seu Felipe e contou as decisões tomadas. Sem delongas, foi aconselhado a ficar em São Paulo para acompanhar a obra.
No dia seguinte, dona Nair, munida das devidas procurações, deu entrada no requerimento.
Seu Pedro, um velho construtor lá do Quarta Parada, devido ao preço e ao prazo, ganhou a concorrência.
Mas sem as exumações, em que os ossos são guardados em caixas de concreto e, posteriormente, levados ao ossuário, na mesma capela, seria impossível começar a reforma.
Dona Nair prometeu que em quinze dias estaria tudo autorizado.
Passado esse prazo, Jorge marcou um encontro com a despachante e o construtor na porta principal do cemitério, bem próximo ao velório.
Às oito da manhã, lá estavam todos, conversando.
Jorge voltou aborrecido e decepcionado. Dona Nair tinha pedido mais quinze dias.
Enquanto viajava de volta, pensava: – “Se essa mulher não resolver o caso nos próximos quinze dias, tiro tudo das mãos dela e resolvo a questão que tanto atormenta a família do patrão”. E a paciência dele também!
Quando faltavam dois dias para vencer o prazo, Jorge telefonou para a agência e falou com dona Nair.
A despachante pediu mais uma semana.
Contrariado, Jorge marcou para a segunda-feira seguinte, às oito em ponto, como de costume, na porta do cemitério. Lá estaria também seu Pedro, o empreiteiro.
No dia marcado, Jorge saiu de madrugada de Rio Claro para não se atrasar. Eram quase oito horas quando estacionou o seu carro diante do velório. Depois de cinco minutos, seu Pedro apareceu e perguntou por dona Nair.
Oito horas, nada! Oito e quinze, nem sinal de dona Nair! Jorge estava nervoso e começou a dizer impropérios contra a despachante.
Oito e meia, nada! Jorge já não tinha mais palavrões para classificá-la.
Seu Pedro apenas pedia calma, quando Jorge bradou, furioso, num último desabafo:
– Essa maldita vaca incompetente deve estar no inferno, a uma hora dessa! Olhou no relógio, passavam das nove horas, despediu-se de seu Pedro e voltou para Rio Claro.
Na terça-feira, depois do almoço, Jorge recebeu um telefonema do construtor. Depois da conversa, aquele rapaz afoito mudou o seu modo de agir e de pensar.
– Seu Jorge, aqui é o Pedro! O senhor não imagina o que aconteceu!
– Fale logo, estou muito ocupado, respondeu Jorge.
– A dona Nair teve um enfarte no domingo cedo e faleceu!
– O quê?! Balbuciou Jorge.
– A dona Nair morreu! E o velório foi lá, no Quarta Parada mesmo. Ela estava lá, e no horário combinado! Nós não fomos falar com ela! O funeral saiu às nove horas e ela foi enterrada no próprio cemitério.
– Ela estava lá, pontual como sempre, repetia seu Pedro, para desespero de Jorge.
– Nós faltamos com ela! Repetia o empreiteiro.
De fato, do lugar onde Jorge e seu Pedro esperaram dona Nair, naquela manhã de segunda-feira, a distância não chega a cinqüenta metros do velório. E ela, com certeza, estava lá, esperando a última visita do seu cliente tão mal educado.
Não houve resposta do outro lado.
Jorge apenas colocou o fone no gancho. Ele, até hoje, pensa nas lições que a vida nos ensina.



Roberto Stavale
Direitos Autorais Reservados®
São Paulo, 03/2004.














LIÇÕES DE VIDA



Corria o ano de 1969.
Rio Claro, cidade em grande desenvolvimento no interior paulista, começava a abrigar diversas fábricas.
Sua história econômica tinha como ponto forte, além do setor agropecuário, cerâmicas e olarias.
Mas antes de prosseguir com as lições que a vida nos ensina, vamos voltar ao passado.
Por volta de 1720, o povoamento de Rio Claro, às margens do Córrego da Servidão, servia como pouso de tropeiros que se dirigiam para o sertão de Goiás e Mato Grosso, em busca de ouro, pedras preciosas e outros metais valiosos.
Devido à excelente topografia e ótima qualidade da terra, por volta de 1821 começaram a surgir na região diversas fazendas de cana-de-açúcar e café.
A data oficial da sua fundação é 24 de junho de 1827, quando o padre Delfino da Silva Barbosa chegou ao lugar, nomeado cura do povoado, trazendo a imagem de São João Batista, padroeiro da cidade.
O grande desenvolvimento do Estado de São Paulo aconteceu devido à construção da Estrada de Ferro São Paulo Railway, ligando Jundiaí ao porto de Santos.
Em 1859, Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, com outros interessados, convenceram o governo imperial da importância da construção da referida estrada.
Como a linha férrea tinha de vencer, para subir e descer, a íngreme Serra do Mar, foi chamado o engenheiro inglês Daniel Makinson, dono de vasta experiência na construção de estradas de ferro nas montanhas do norte do País de Gales e encostas dos Pirineus.
Empresas inglesas de engenharia foram responsáveis pela estrada, inaugurada em fevereiro de 1867.
Seguindo o exemplo de progresso, diversos fazendeiros paulistas, principalmente os barões do café, construíram logo a seguir uma nova estrada de ferro, permitindo assim um melhor escoamento de seus produtos para exportação até o porto de Santos.
Esta estrada, inaugurada em 1876, foi a lendária Companhia Paulista de Estradas de Ferro.
O pátio da Estação de Rio Claro e mais alguns prédios anexos foram transformados em oficinas de locomotivas e vagões de carga e passageiros.
A Companhia Paulista de Estradas de Ferro, depois transformada em Fepasa – Ferrovia Paulista S.A., até hoje mantém, em Rio Claro, parte do imenso Parque dos Eucaliptos, madeira que servia de lenha para as fornalhas das antigas locomotivas a vapor.
A cerâmica, do grego kéramos – terra queimada ou argila queimada, – manufaturada e cozida há cerca de 10.000 mil anos, geralmente encontrada em sítios e escavações arqueológicos, é extremamente resistente.
Quando abandonou as cavernas e se tornou agricultor, o homem passou a necessitar de outros tipos de abrigos. Dado este enorme passo a caminho da civilização, os nossos primitivos ascendentes precisaram proteger suas habitações contra as intempéries e, ao mesmo tempo, de vasilhas para armazenar água, alimentos e sementes para os próximos plantios. Tais vasilhas tinham de ser impermeáveis e de fácil fabricação.
Essas facilidades foram encontradas nos barros próximos aos rios e mananciais.
A cerâmica é feita com argila que, quando umedecida, torna-se plástica e fácil de manusear. Depois de secas, as peças moldadas são colocadas em fornos com altas temperaturas, por volta de 1.000ºC, que dão a elas a devida rigidez.
Essas propriedades permitiram que a cerâmica fosse utilizada na construção de moradias, vasilhames para uso doméstico e armazenamento de alimentos, vinhos, óleos, perfumes, urnas funerárias e até como "papel" para a escrita.
Atualmente, além de matéria-prima de diversos utensílios domésticos e na construção civil, a cerâmica é utilizada na tecnologia de ponta, mais especificamente na fabricação de componentes térmicos de foguetes espaciais, pois são refratárias e de grande durabilidade. É também largamente usada pelos artistas plásticos.
No Brasil, a cerâmica originou-se da avançada cultura indígena que floresceu na Ilha do Marajó.
Estudos arqueológicos, contudo, indicam a presença de uma cerâmica mais simples, ainda na região amazônica, por volta de 5.000 anos atrás. A cerâmica marajoara era altamente elaborada e sua especialização artesanal compreendia várias técnicas: raspagem, incisão, excisão e pintura.
A modelagem era tipicamente antropomorfa, embora houvesse peças com lagartos e cobras em relevo. Outros objetos de cerâmica destacavam-se, como os bancos, estatuetas, rodelas-de-fuso, tangas, colheres, adornos auriculares e labiais, apitos, urnas mortuárias e outros objetos de uso diário.
Mesmo sem conhecer os tornos, e trabalhando com instrumentos rudimentares, os nossos índios conseguiram criar cerâmicas de valor, dando a nítida impressão de superação dos estágios primitivos da Idade da Pedra e do Bronze.
A tradição ceramista, como vemos, não chegou ao Brasil com os portugueses ou outros europeus. Eles apenas construíram as primeiras olarias, estruturando a indústria de tijolos e afins, e concentrando a mão-de-obra.
A introdução, na faixa litorânea, do uso de tornos e “rodadeiras” nas novas cerâmicas e olarias, construídas principalmente pelos jesuítas, acelerou a fabricação das peças, enquanto no interior do Brasil permaneceram os sistemas rudimentares do manuseio do barro e da argila.
Devido às grandes reservas de argila na região, Rio Claro é famosa por estas indústrias.
Jorge trabalhava em uma destas cerâmicas havia mais de dez anos. Começou como contínuo e pouco a pouco galgou degraus, pois era um verdadeiro “coringa”. Fazia de tudo, principalmente os serviços que exigiam muito jeito para vencer a burocracia governamental.
Quando tudo parecia perdido, Jorge ia e resolvia.
Com estes resultados positivos, a diretoria chamou-o para trabalhar diretamente com os diretores. Num passe de mágica, na sua carteira profissional passou constar a função Assessor da Diretoria.
Felipe Scapoletto, diretor-presidente, via em Jorge o filho que nunca teve, pois era pai de cinco mulheres.
A empresa prosperava com suas novas linhas de pisos e azulejos.
Certa tarde, quase na hora de encerrar o expediente, seu Felipe chamou Jorge e confidenciou:
– Filho, nós estamos importando da Itália uma nova máquina, toda automatizada. Precisamos dela aqui em quinze dias, no máximo.
Seu Felipe tinha toda a razão.
Outros concorrentes também estavam importando máquinas semelhantes. Mas quem vencesse a desenfreada corrida pelo lançamento de novidades no ramo certamente ganharia o mercado.
– Mas qual é o problema? Retrucou Jorge.
– O nosso agente do porto de Santos acabou de passar um telex, avisando que o navio está à deriva, avariado, na costa do Rio Grande do Norte.
E continuou a ler o telex.
– Veja, filho! O navio vai ser rebocado para o porto de Natal, nestes próximos três dias, e não virá para Santos, como previsto.
A contragosto, terminou:
– Vamos dar um jeito de mandar você até lá, para desembaraçar a mercadoria e trazê-la de caminhão.
Despachantes de Natal e de Santos foram acionados para esta quase impossível tarefa, pois todos os documentos de bordo diziam que a tal mercadoria era destinada ao porto de Santos.
Seria uma operação difícil e longa. Às vezes, este tipo de transbordo demorava meses.
Conversaram mais alguns minutos sobre o fato e decidiram que Jorge viajaria para Natal, dentro de dois dias.
Seu Felipe tinha a certeza absoluta do sucesso da missão.
Na manhã da partida para São Paulo, onde Jorge tomaria o avião para Natal, seu Felipe recebeu um telefonema chocante e desastroso. A notícia mudaria o trajeto e a vida de Jorge.
A família Scapoletto tinha uma capela no Cemitério da Quarta Parada, em São Paulo. Lá estavam enterrados seus pais, irmãos e outros parentes.
Inaugurado em 1880, ficou conhecido como Cemitério da Quarta Parada, porque foi construído perto da Estrada de Ferro Central do Brasil, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, na quarta parada que os trens faziam depois de sair da Estação do Brás.
O Quarta Parada localiza-se entre os bairros do Brás, Mooca, Belém e Tatuapé. E é também conhecido como o Cemitério do Brás.
Conta-se que no início da história do Tatuapé (muitos tatus, em idioma indígena), toda a região foi desbravada por Brás Cubas por volta de 1560. O local onde localiza-se o cemitério era uma colina habitada por índios piqueris.
Mas voltemos ao nosso personagem Jorge.
Naquela manhã, Helena, irmã caçula de seu Felipe, telefonou aos prantos, contando que o jazigo tinha sido violado e todas as gavetas, arrebentadas. Motivo: roubo do ouro das arcadas dentárias das caveiras.
Felipe consultou seus outros irmãos e ficou entre a cruz e a espada. O único que poderia cuidar de tudo aquilo, e rapidamente, era Jorge.
Mas nem foi preciso chamá-lo. Jorge estava entrando na sala para se despedir quando recebeu a notícia.
Seu Felipe terminou a conversa, aconselhando:
– Vá correndo a São Paulo e cuide do túmulo como se fosse da sua família. Tome todas as providências e faça a reforma geral da capela o mais rápido possível. A máquina que espere o navio chegar a Santos.
A decisão estava tomada.
Jorge ficou impressionado com o vandalismo praticado no jazigo. Ossos e crânios esparramados pelo chão no meio de tijolos, reboco e pedaços de mármore.
A conselho da Administração do Cemitério, fez um boletim de ocorrência na delegacia mais próxima.
Ficou sabendo, então, da “via sacra” que teria de percorrer para colocar tudo em ordem.
Em primeiro lugar, deveria fazer as exumações. No túmulo jaziam nove falecidos.
Para essa tarefa seria necessário um requerimento ao Serviço Funerário, pedindo autorização.
Jorge ficou sabendo, na própria Administração, que muitos despachantes trabalhavam com esses procedimentos. Além disso, o empreiteiro responsável pela reforma teria de ser cadastrado no Serviço Funerário.
Em meia hora arrumou três empreiteiros para escolher o melhor orçamento.
Dirigiu-se a uma rua próxima, onde havia uma Agência de Despachos.
Lá ficou conhecendo dona Nair, uma senhora dos seus cinqüenta anos, despachante autorizada a lidar com exumações.
Telefonou para seu Felipe e contou as decisões tomadas. Sem delongas, foi aconselhado a ficar em São Paulo para acompanhar a obra.
No dia seguinte, dona Nair, munida das devidas procurações, deu entrada no requerimento.
Seu Pedro, um velho construtor lá do Quarta Parada, devido ao preço e ao prazo, ganhou a concorrência.
Mas sem as exumações, em que os ossos são guardados em caixas de concreto e, posteriormente, levados ao ossuário, na mesma capela, seria impossível começar a reforma.
Dona Nair prometeu que em quinze dias estaria tudo autorizado.
Passado esse prazo, Jorge marcou um encontro com a despachante e o construtor na porta principal do cemitério, bem próximo ao velório.
Às oito da manhã, lá estavam todos, conversando.
Jorge voltou aborrecido e decepcionado. Dona Nair tinha pedido mais quinze dias.
Enquanto viajava de volta, pensava: – “Se essa mulher não resolver o caso nos próximos quinze dias, tiro tudo das mãos dela e resolvo a questão que tanto atormenta a família do patrão”. E a paciência dele também!
Quando faltavam dois dias para vencer o prazo, Jorge telefonou para a agência e falou com dona Nair.
A despachante pediu mais uma semana.
Contrariado, Jorge marcou para a segunda-feira seguinte, às oito em ponto, como de costume, na porta do cemitério. Lá estaria também seu Pedro, o empreiteiro.
No dia marcado, Jorge saiu de madrugada de Rio Claro para não se atrasar. Eram quase oito horas quando estacionou o seu carro diante do velório. Depois de cinco minutos, seu Pedro apareceu e perguntou por dona Nair.
Oito horas, nada! Oito e quinze, nem sinal de dona Nair! Jorge estava nervoso e começou a dizer impropérios contra a despachante.
Oito e meia, nada! Jorge já não tinha mais palavrões para classificá-la.
Seu Pedro apenas pedia calma, quando Jorge bradou, furioso, num último desabafo:
– Essa maldita vaca incompetente deve estar no inferno, a uma hora dessa! Olhou no relógio, passavam das nove horas, despediu-se de seu Pedro e voltou para Rio Claro.
Na terça-feira, depois do almoço, Jorge recebeu um telefonema do construtor. Depois da conversa, aquele rapaz afoito mudou o seu modo de agir e de pensar.
– Seu Jorge, aqui é o Pedro! O senhor não imagina o que aconteceu!
– Fale logo, estou muito ocupado, respondeu Jorge.
– A dona Nair teve um enfarte no domingo cedo e faleceu!
– O quê?! Balbuciou Jorge.
– A dona Nair morreu! E o velório foi lá, no Quarta Parada mesmo. Ela estava lá, e no horário combinado! Nós não fomos falar com ela! O funeral saiu às nove horas e ela foi enterrada no próprio cemitério.
– Ela estava lá, pontual como sempre, repetia seu Pedro, para desespero de Jorge.
– Nós faltamos com ela! Repetia o empreiteiro.
De fato, do lugar onde Jorge e seu Pedro esperaram dona Nair, naquela manhã de segunda-feira, a distância não chega a cinqüenta metros do velório. E ela, com certeza, estava lá, esperando a última visita do seu cliente tão mal educado.
Não houve resposta do outro lado.
Jorge apenas colocou o fone no gancho. Ele, até hoje, pensa nas lições que a vida nos ensina.



Roberto Stavale
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