Fragrância Feminina na Poesia – Flora Figueiredo
Estamos dando continuidade a publicação destes pequenos artigos que visam mostrar um pouco da escrita poética feminina no cenário nacional e mundial.
Pretendemos, tão somente, falar da emoção de nossas descobertas literárias ao nos depararmos com a vasta produção feminina na construção de uma identidade poética.
É antes de tudo, uma gota de perfume que permitirá ao leitor curioso, buscar outras essências, a partir da publicação destes textos.
Flora Figueiredo
Poetisa, cronista e tradutora paulista, é autora de Florescência (1987), Calçada de Verão (1989) e Amor a Céu Aberto (1992).
São características da poesia de Flora Figueiredo: a linguagem concisa, a economia e sutileza verbais, onde o silêncio entre as palavras é também instrumento de comunicação da emoção.
Flora, ao compor, sinaliza ao leitor caminhos a seguir, indicando sempre a intimidade do sentir com firmeza e argúcia. Percebe-se em sua escrita, a familiaridade com o traçado das estradas do coração. O romantismo, a sensualidade e a irreverências são aspectos consistentes e marcantes de sua poética.
Flora nos diz que ao compor, tenta “beijar a alma do leitor”. E isto acontece facilmente, quando nos deparamos com sua tônica lírica e seu idioma de ternuras.
Foi prefaciada por personalidades de renome do mundo literário, como Olavo Drummond, Fábio Lucas, Josué Montello. Flora possui livros que são utilizados na rede municipal de ensino de São Paulo. Suas obras também estão entre as produções brasileiras que constam do Centre International d Etudes Poétiques.
Poesias de Flora Figueiredo
Retirada
Respeite o silêncio
a omissão,
a ausência.
É meu movimento de deserção.
Abandonei o posto,
rompi a corda,
desacreditei de tudo.
Cansei de esperar que finalmente um dia,
minha fotografia
fizesse jus ao seu criado-mudo.
Calçada de Verão, Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro, 1989
Lembrete
Não deixe portas entreabertas
Escancare-as
Ou bata-as de vez.
Pelos vãos, brechas e fendas
Passam apenas semiventos,
Meias verdades
E muita insensatez.
Calçada de Verão, Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro, 1989
Enlevo
Eu olho você grande e distante
e da sua grandeza me comovo
e da sua distância me revolto.
Olho de novo.
Procuro reter em minhas mãos sua figura
mas ela gesticula, oscila e cresce
e numa inconstância distraída
no instante exato
por trás da vida desaparece.
Um desacato.
Do meu desaponto eu me levanto
pra levar embora outro desencanto
mas você me divisa e então me chama.
Me aguarda, reclama e me convida
e minha vida nessa ansiedade por fim entrego.
E nesse amor feito de espuma colorida
nós flutuamos: você borbulha, eu escorrego,
ensaboados, você explode, eu me desintegro.
Florescência, Editora Nova Fronteira, 1987 - Rio de Janeiro, Brasil
Nó
Estou perdidamente emaranhada
em seus fios de delícias e doçuras.
Já não encontro o começo da meada,
não sei nem mesmo
se há uma ponta de saída,
ou se a loucura
vai num ritmo crescente
até subjugar a minha vida.
Não importa.
Quero seus nós de seda
cada vez mais cegos e apertados
a me costurar nas malhas e nos pêlos.
Enquanto você me amarra,
permanece atado
na própria trama redonda do novelo
Amor a Céu Aberto, Editora Nova Fronteira, 1992 - Rio de Janeiro, Brasil
Vento Novo
Estava enrolada
em teias e traças,
debaixo da escada,
lá no subsolo
da casa fechada.
Começava a tomar ares de desgraça.
Manchada do tempo,
fenecia
a esperar que um dia
alguma coisa acontecesse.
Antes que se perdesse completamente,
sentiu passar um vento cor-de-rosa.
Toda prosa, espanou a bruma,
pintou os lábios
e sem vergonha nenhuma
caprichou no recorte do decote.
A felicidade volta à praça
cheia de dengo e de graça,
com perfume novo no cangote.
Amor a Céu Aberto, Editora Nova Fronteira, 1992 - Rio de Janeiro, Brasil
Lição de Casa
Você tampa a panela,
dobra o avental,
deixa a lágrima secar no arame do varal.
Fecha a agenda,
adia o problema,
atrasa a encomenda,
guarda insucessos no fundo da gaveta.
A idéia é tirar a tarja preta
e pôr o dedo onde se tem medo.
Você vai perceber
que a gente é que faz o monstro crescer.
Em seguida superar o obstáculo,
pois pode-se estar perdendo
um espetáculo acontecendo do outro lado.
Atravessar o escuro
até conseguir tatear o muro,
que é o limite da claridade.
Se tiver capacidade para conquistá-la,
tente retê-la o mais que puder.
Há que ter habilidade, sem esquecer
que a luz é mulher.
Do inferno assim desmascarado,
é hora de voltar.
Não importa se é caminho complicado,
se a curva é reta,
ou se a reta entorta.
Você buscou seu brilho, voltou completa;
jogou a tranca fora, abriu a porta.
Amor a Céu Aberto, Editora Nova Fronteira, 1992 - Rio de Janeiro, Brasil
A Pedidos
Querem um verso,
mas não sou capaz.
Vejo a palavra fraturar
as entrelinhas,
tento soldá-las,
mas não são minhas.
Rompeu-se o verbo
e me deixou pra trás.
Amor a Céu Aberto, Editora Nova Fronteira, 1992 - Rio de Janeiro, Brasil
Flutuações
O sonho aprendeu a pairar bem alto,
lá onde o sobressalto nem sequer nasceu.
Namorou a trôpega ilusão,
até que trêfego e desajeitado,
desprendeu-se de seu reino idealizado,
veio pousar tamborilante em minha mão.
Assim, aquecido e aconchegado,
parece que se esqueceu de ir embora.
Na hora em que ressona distraído,
eu lhe pingo malemolências ao ouvido,
à sua inquietação eu me sujeito.
Eis que o sonho dorme agora aqui comigo,
seu corpo repousa no meu peito.
Amor a Céu Aberto, Editora Nova Fronteira, 1992 - Rio de Janeiro, Brasil.
Fonte de Pesquisa:
- Sites:
http://geocities.yahoo.com.br/amarilis2000_br/flora.htm
http://www.geocities.com/Paris/Opera/8148/bio_flora.html
http://utopia.com.br/poesia/atualizacao.html
http://www.poesias.pro.br/autores/flora/flora.htm
© Fernanda Guimarães
Em 27.07.02
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