Os percevejos daqueles tempos!
Lá pelos idos de novecentos e trinta era comum em todos os cantos. Hoje parece que a praga assola somente algumas cidades do interior. Mas a história aconteceu mesmo na capital.
A família morava em um sobrado azul. Dentro, os percevejos tinham ares de dono, até mais do que o próprio. Ornamentavam a casa pelos paredões, camas e até mesas. As roupas eram excelente esconderijo e, não raro, quem via o percevejo na gola da camisa, de preferência, não levava a mal porque de todas os percevejos privilegiavam.
Os talheres, esses, coitados, embora cuidadosamente lavados, inflitravam-se nos insetos entre a comida. Não tinha como evitar. Apenas se aconselhava espantá-los para não pipocar sangue no prato.
Foi por isso que o proprietário, pressionado, teve que fazer uma reforma para o casamento da filha mais velha.
- Como receberia o pai, a mãe, os tios, os irmãos, os sobrinhos, que vinham do sertão, no meio de tantos percevejos?
- Talvez eles se afastem com o cheiro de tinta - alguém atentou.
No dia do matrimónio, contudo, lá estavam os convivas percevejos, sem cerimónia em cima do bolo de dois andares - Que bonito! - e mais à vontade ainda sobre a cama matrimonial.
A solenidade foi uma graça. As núpcias, outras tantas.
Quando, finalmente a sós os dois pombinhos, a recém-casada perdeu a graça - Eta, família mais mexeriqueira! Vai ficar todo mundo plantado na sala? - e arremessou-se à caça aos percevejos, sobre a colcha toda branca, alguns ainda pintados de cal, cheios e ainda sedentos de sangue.
- Ela sempre teve nojo de percevejo, mas tem que conviver com eles! - indignava-se o pai, diante dos pedidos de socorro da filha, lá do quarto.
Uma noite se passou atrás da outra, igual e tediosa - a família nas poltronas a esperar, a moça a gritar da alcova, e os senhores percevejos no seu desembaraço habitual.
Na décima quinta noite, um silêncio se ouviu e todos foram descansar, afinal - Que cansaço, hem?
Comenta-se ser invenção que a moça não tinha medo de percevejo, outros confirmam e brigam por essa versão. Os participantes do evento que ainda vivem, entretanto, recomendam, cautelosos:
- Menina, todo cuidado é pouco quando se trata de percevejo!
Lêda Nova.
Em 28.03.03
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