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Contos-->O CAMPINHO -- 02/03/2004 - 22:37 (Antonio Perdizes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Campinho

Era a hora do recreio naquela manhã de abril. Todos, meninos e meninas, brincavam no pátio de fronte a escola. Uma cerca de arame farpado com um grande portão de tábuas de madeira separava o pátio e a escola do campinho, que ficava em frente.
Um dos meninos, que estava de vigia, já esperando alguém, foi avisando os outros.
- Olha lá! Eles estão chegando.
Uma turma com seis meninos se aproximava vagarosamente pelo centro do campinho, olhando para o interior do pátio como quem está procurando alguém. Pararam a uns vinte metros do portão e, então, Zeca Britadeira, treze anos, magro e alto, branquelo, sardento e brigão, líder de sua turma, gritou:
- Tedesco, seu filho da puta, aparece que eu quero ver se você é homem!
No pátio a brincadeira terminou. Todos correram para a lateral da escola e ficaram olhando o que iria acontecer. No centro junto à pequena escadaria de madeira que dava para o corredor e levava até as portas das salas de aula, Tedesco, onze anos, baixinho, forte e corajoso, e um grupo de mais sete meninos se agruparam e ficaram encarando os invasores.
Então, uma saraivada de pedras, trazidas nos bolsos e nas mãos, foi jogada na direção da escola. A turma de Tedesco se desviava das pedras e corria para apanhá-las. No interior do pátio não existiam pedras, eles precisavam delas para revidar e as pegavam, corriam até o portão para ficarem parcialmente protegidos e as lançavam de encontro a Britadeira, que não esperava essa reação e teve de recuar se desviando para não ser atingido.
Só então, Irmã Solange, a diretora da escola, saiu da sua sala acompanhada das professoras agitando seu hábito preto correu para a escada gritando:
- Parem! Parem! Isto aqui é uma escola. Vou chamar a polícia.
Britadeira, cujo apelido havia sido dado porque seu pai trabalhava numa pedreira nos arredores da cidade, não se intimidou e deu alguns passos na direção da escola lançando com toda a força uma derradeira pedra. Todos acompanharam a trajetória, ela passou rente a Irmã Solange, que ficou petrificada, atravessou a vidraça da janela e foi parar dentro da sala de aula, para susto e consternação das professoras.
Tedesco e sua turma tiveram de passar o resto da aula de pé, no canto da sala, como castigo sem poderem conversar, para ele isso era pouco, pior fora a ameaça de cobrar o vidro quebrado de seu pai, já que não tivera culpa. Britadeira não deveria procurá-lo na escola, considerou uma fraqueza do adversário e medo de enfrentá-lo na rua, jogar pedras contra a escola fora uma baixaria que ele nunca faria.
Estava rindo por dentro se recordando que, quando estava no primeiro ano, fora mandado de castigo para o quartinho escuro porque dera um soco no nariz de um colega e arrancara sangue. O tal foi defender uma menina em quem ele jogou pó de giz no rosto quando ela zombou, mostrando a língua, porque ele errou quase toda a tabuada do quatro.
O quartinho escuro fica no porão da escola. Ele sentou numas tábuas, um facho de luz atravessava uma fresta no assoalho de madeira da sala de aula. Não era tão escuro assim e estava até divertido ficar escutando o barulho da professora e dos alunos. Foi quando sentiu algo tocar na sua mão e depois passar por cima dela, era um rato. Deu um grito tão forte que paralisou o colégio. Depois disso todos passaram a ter muito medo de serem enviados para lá, e ele ficou com pavor de rato.

Ninguém sabia como essas brigas iniciavam, bastava alguém falar da irmã ou da mãe do outro, ou uma briga numa partida de futebol ou numa brincadeira qualquer, até mesmo uma implicância natural de um com o outro. As brigas não duravam muito, às vezes um mês ou mais, depois já podiam ser vistos juntos outra vez, alguém os aproximava para uma brincadeira ou por um outro interesse e ficavam sem se falar por algum tempo, mas se aturando.
Aquilo funcionava como uma descarga de adrenalina, algo para controlar naturalmente a agressividade, nada ficava reprimido, tudo era jogado para fora como numa explosão em que depois se reparam as conseqüências. A raiva aliviada com um sonoro palavrão, o ódio, com um vibrante soco.
O campinho era o centro de todo o bairro. Ficava num terreno que ocupava metade de um quarteirão fazendo frente para três ruas, não era plano, mas uma colina. No alto ficava o campo de futebol, que tinha muitos buracos. Os jogadores já estavam acostumados e sabiam para que lado a bola mais corria e, na frente do campo numa lateral na parte interna, ficava a pequena escola, toda construída em madeira com tábuas de pinho pintada, na parte externa de vermelho escuro já desbotado. O interior não era pintado, e as paredes tinham a cor natural do pinho envelhecido.
Tinha quatro salas de aula na parte superior e mais a sala da diretora, na parte inferior, com o acesso por uma lateral, mais duas salas onde funcionava o jardim da infância e o primeiro ano. O restante era fechado e estava cheio de restos da construção e era chamado de quartinho escuro.
Quartinho escuro era a palavra mágica para controlar os mais bagunceiros. Bastava a ameaça de enviá-los para lá que o comportamento mudava. Para provar que não era apenas uma ameaça, às vezes, alguns eram levados para lá, ficando por uma hora ou até terminar a aula. Depois da primeira vez, a ameaça do quartinho para esses alunos não fazia mais o efeito desejado.
A Escola era dirigida pelas freiras do Colégio São José e funcionava como estágio para as professoras que se formavam e era mesmo uma prova de fogo em que moças sem experiência, saídas do colegial, enfrentavam meninos selvagens. Para isso a diretora atuava com mão de ferro.

A casa de Tedesco ficava ao lado do campinho, bastava atravessar a rua. Ele chegou em casa ao meio dia, após as aulas daquela manhã, morto de fome e com a pergunta de sempre dirigida a sua mãe.
- Papai chegou?
- Não.
- Tem alguma notícia?
- Nada, mas hoje é sexta e no fim de semana ele vai chegar. - Respondeu sua
mãe com a voz cansada e pautada pela incerteza.
Seu pai era motorista de caminhão e fazia viagens longas passava, até um mês longe de casa. Quando ele ficava mais de quinze dias fora, Tedesco começava a ficar ansioso aguardando sua chegada e era sempre uma grande alegria e alívio quando seu pai retornava. Agora já havia passado de um mês e ele não mandara notícias. Soube através de um motorista, que ele havia viajado para bem longe.
- Nordeste, haviam dito.
Se São Paulo já é longe e Rio de Janeiro mais longe ainda...
- Onde fica o Nordeste? Perguntara.
- Muito longe! O caminhão demora quase um mês para ir e voltar, disseram.
Ele e sua mãe ficaram na espera, era o filho mais velho depois dele havia duas meninas e o seu irmão menor de quatro anos e todas as manhãs ao acordar ia até a porta do quarto de seus pais, olhava para a cama na esperança de que ele tivesse chegado durante a noite e estivesse dormindo.
O almoço fora muito fraco, um pouco de polenta, uns pedacinhos de carne dividida entre todos e uns tomates tirados da horta do fundo da casa. Sabia que o dinheiro estava acabando. Naquela tarde sua mãe colocou o melhor vestido e saiu. Ele notou o ar de preocupação, por certo ela iria procurar alguém que pudesse dar alguma notícia, uma esperança. Tedesco aproveitou para dar uma olhada na caixinha do dinheiro que ficava no armário. Sempre que seu pai viajava era lá onde era guardado o dinheiro, mas só havia uns trocados que não davam para nada.
Foi para seu quarto, apanhou seu canivete e colocou no bolso: Precisava estar prevenido caso encontrasse Britadeira na rua, e saiu à procura de alguma aventura e foi para o alto do campinho se juntar com alguns amigos que resolveram brincar no barranco.

Junto à rua que fica do lado oposto a escola, o terreno fora escavado para a passagem da rua e então, um barranco acompanhava toda a extensão da mesma. Os meninos tinham escavado uma trilha no barranco de tal maneira que uma pessoa podia passar agarrada. Também fizeram apoios e degraus, que permitiam a escalada em situações diferentes. Era uma prova de agilidade percorrer a trilha e escalar o barranco em diferentes posições sem usar cordas ou qualquer outro tipo de segurança.
O barranco do campinho era de uma argila vermelha, e dela aflorava, em alguns trechos, pedrinhas tipo seixo de cores opacas e diferentes. As mais comuns eram brancas e as raras, as vermelhas, com essas pedras foi iniciada a brincadeira de esconder tesouro. Uma rivalidade estava formada entre a turma de Tedesco e os meninos da “turma de cima”, que moravam na rua que ficava mais para o lado do centro da cidade e eram os mais “ricos”.
Os meninos da “turma de cima” catavam as pedrinhas colocando-as em pequenas latas. Depois, cavavam um pequeno buraco junto a trilha e as escondiam cobrindo com terra, tudo bem disfarçado para ninguém encontrar. A turma de Tedesco fazia a mesma coisa e também tentava encontrar os tesouros da “turma de cima”. Cada turma trabalhava em horários e até em dias diferentes, porque também não podiam brincar juntos, já que poderia iniciar uma briga.
Era com satisfação que descobriam, no dia seguinte, que o seu tesouro foi tão bem escondido que os outros meninos não haviam conseguido encontrá-lo. Se uma turma encontrasse a outra em qualquer lugar, chamavam-se de burros e faziam todo o tipo de provocações.
Nesse dia Tedesco resolveu inovar, depois de verificar que diversos dos seus tesouros haviam sido descobertos, resolveu implantar tesouros falsos nas trilhas. Então foram catar, no lixo, potes pequenos de margarina usados para servir de caixinha, e se reuniram no alto do campinho.
- Quem está com vontade de fazer cocô? Perguntou Tedesco.
Ninguém estava, aquela não era a hora e, quando não é a hora, não adianta. Julinho teve a idéia: Seu Geraldo, pai de Moises, que mora na rua de baixo estava engordando dois porcos num chiqueiro, nos fundos da casa. Não precisava nem pedir para entrar: era só pular a cerca, ir ao chiqueiro e encher os potinhos com merda de porco, e lá foram Julinho e Renato buscar a merda com dois potinhos.
- Quem está com vontade de fazer xixi?
- Eu? Todos estavam.
Cada um pegou um potinho e foi encher e depois examinaram o conteúdo, o xixi de Roberto foi rejeitado.
- Ohh Beto, como é que você faz um xixi destes? Parece água, xixi bom é
para ser bem amarelo e com um cheirinho, reclamou Tedesco.
Esvaziaram os potinhos deixando só dois dedos de urina e depois colocaram um pouquinho de pedra comum para disfarçar e fecharam bem para enganar com uma fita adesiva, que Beto foi buscar na sua casa como castigo pelo xixi imprestável, e depois fizeram a mesma coisa com os dois potes de merda de porco, está sim de primeira qualidade.
Eles queriam se certificar de que seus adversários iriam abrir mesmo os potinhos e se sujar com a merda e o xixi. Esconderam os potes em lugares mais fáceis e, no dia seguinte, escalaram Julinho pelo período da manhã. Ele ficaria observando de longe o que iria acontecer.
Julinho já estava cansado de tanto esperar quando apareceram três meninos da turma de cima, que começaram a percorrer a trilha e encontraram o primeiro tesouro. Ficaram desconfiados, balançavam o potinho e até parecia que não daria certo, mas a curiosidade venceu, e um deles forçou a tampa fechada com fita adesiva, até que ela saltou junto com o conteúdo, ele teve de voltar para sua casa para se limpar da merda do porco.
Os outros dois continuaram na trilha e acharam os outros três tesouros, mas não abriram, colocaram de volta e foram embora. Desse dia em diante a brincadeira de esconder tesouro havia acabado, ninguém acreditava mais que ainda iria encontrar algum no barranco do campinho.

Antonio perdizes

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