Meu neto de seis anos faz suas lições de casa na escrivaninha do avó, em frente à minha.
Volta e meia levanto os olhos do meu trabalho e o namoro; analiso a sua figura. Pele clara, cabelos escuros, lisos, caídos sobre os olhos. Morde a ponta da língua, presa no canto da boca polpuda. Segura firme o lápis - é canhoto - funga e resfolega sobre o caderno.
Num momento ele para e me olha desanimado:
- É difícil demais fazer o "D" maiúsculo! Tem uma voltinha pequenininha aqui em baixo e uma voltona barriguda na frente. Não sei por que inventaram uma letra tão chata!
Respondo, compreensiva:
- Os homens inventam, mesmo, coisas difíceis para serem feitas...
Ele me interrompe:
- Porque eles inventam para os "homens", não é´, vovó? Para as crianças deveriam inventar quadrados: "A" quadrado, "B" quadrado, "C" quadrado...
- Você quer que eu o ajude a fazer o "D" maiúsculo?
- Não! A tia disse que nem mãe , nem avó,podem ajudar - suspira desanimado - tenho que lutar sozinho...
- Bem, mas eu posso segurar a sua mão...
- E depois eu reparto a nota com você, é?
O seu pensamento, de fato, me pareceu lógico. E venhamos que ele tirasse um oito? Que vexame para nós dois...
- Está bem, então vamos treinar a fazer o "D" maiúsculo em uma outra folha de papel, depois você o fará sozinho.
Ele fica desesperado:
- Você acha que é fácil, e? Vai demorar um mundão! E eu perco o programa da Xuxa! E os meus dedos vão ficar doendo mais ainda!
Eu o consolo:
- Também eu, quando comecei a aprender a escrever, achava horrível fazer o "D" maiúsculo; hoje, veja, escrevo tão rápido!
Ele levanta os olhos e me analisa:
- Vai demorar muito para eu ficar velho como você...
Ai, a franqueza das crianças! Tento aliviar a situação:
- Quando você ficar velho com eu, há de ter um netinho lindo como você e ensiná-lo a fazer o "D" maiúsculo.
Ele larga o lápis sobre o caderno, franze as sobrancelhas, deixa cair os cantos da boca e sacode o dedinho na frente do meu nariz
- Não senhora! Nada disso! Ele que vá chatear outro! Eu não estou aprendendo sozinho? Preguiçoso! Essa é boa!
Criança. Ã s vezes, é caso de polícia.
Fico impaciente:
- Pois faça sozinho o seu "D" e não me aborreça!
Ele prende novamente o lápis, morde a língua e com a mão esquerda, volta a lutar. Em vão; mais apaga do que escreve. Levanta-se, caminha até a janela e namora o quintal. Tanto verde! Tanto sol! Eu o sinto como um passarinho engaiolado, preso a um miserável "D" maiúsculo.
Suspira e me fita angustiado:
- Às vezes tenho vontade de morrer! Por que inventaram a escola? Olha lá - aponta o cachorro refestelado na varanda - o Vidabá não sabe ler... e veja só que vidão!
Sua angústia é tamanha que eu tenho vontade de fazer uma revolução, com cartazes e tudo: Abaixo a escola! Abaixo as tias! Abaixo o "D" maiúsculo! Abaixo tudo o que nos tolhe a liberdade; viva a vida!
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Christina - e-mail chritinacabral1@hotmail.com