O dia nublado e parado, santificado, memorável. Após um sono descabido, da manhã ao final da tarde, depois da noite, da madrugada, da chuva, dos pés machucados, da luz insistente da lanchonete a perturbar os olhos, do cheiro embriagado do motel, depois de horas maravilhosas na companhia dele por entre a noite decadente. Depois da triste manhã de volta, de despedida, de algumas lágrimas e pequenas desculpas esfarrapadas pra salvar ainda alguns segundos a mais, juntos, amantes, um do outro, e da vida, que por instantes, afável... Me leva até a porta? E a gente foge. Do assunto. Da despedida. Da volta da nossa revolta. Da volta da mão sozinha, sem a mão dele. Sem o corpo dele. Sem o olhar dele que eu finjo que não vejo de vez em quando só pra prazerosamente sentir o olhar dele por mim. A presença dele sob mim. Sem a maravilhosa sensação de já não estar sozinha no mundo. Porque nele não há ninguém. Que não ele... E alguns figurantes.
Acordo cinco da tarde, sem ele. O quarto bagunçado, a bolsa no chão... Ah sim, o livro dele que ele me deu pra ler um conto da Clarice, que ele diz ser a minha cara. "Brasília". Ah sim, Clarice. Era uma de nós. Certamente. "Sou fabulosa e inútil", diz Clarice, diz pra mim, diz de mim.
Toca música enquanto... Nesses momentos sempre toca. Eles pedem por isso, esperam por isso. Pra provocar. Me provocar. Porque eu tenho que chorar, sozinha, no quarto. Quase sozinha no mundo. É tão comum que chega a dar raiva. Inútil. Fabulosa e inútil. À toa no mundo. Sozinha. Mas não com ele. Saudades. Maldito dia vazio depois de tê-lo por toda noite. Sem ele. Sem. Só amor. Sem eu mesma. Sem presença. Não quero ficar sem você, ele disse. E eu. Fabulosa. Segurei sua mão e disse que estava aqui. E ele por fim dormiu...
E agora, sem ele. Inútil. Ah, desculpa , meu amor, desculpa por não poder te dar a mão hoje. Desculpa e Obrigado por tudo, meu amor. Remédio abaixo pra dormir, fulminada, agora, sem demora, sem me dar conta que o dia passou sem você e que por esta noite não, não posso dar a mão a você. Sem você. Amor. Amor da minha vida. Meu amor por ela. Fabulosa.
Ieda Marcondes - 23/11/02 |
