Mergulhado numa profunda crise social, o Brasil precisa de pessoas responsáveis que se solidarizem no resgate da dignidade humana. Em meio a muitas bravatas e salamaleques o governo federal lançou o programa Comunidade Solidária, presidido pela primeira-dama Ruth Cardoso. Tempos depois, o programa se transformava no estandarte de uma política social mentirosa, enquanto o governo insistia em divulgar que era uma operação de sucesso.
Com o passar do tempo, a socióloga Ruth Cardoso foi obrigada a admitir que resgatar a cidadania era uma tarefa árdua para um governo tão omisso como o do presidente Fernando Henrique Cardoso, coincidentemente seu marido. Enquanto inúmeros brasileiros, desprovidos do mínimo de cidadania, reviram lixos para matar a fome ou morrem enquanto aguardam atendimento nos hospitais públicos, Ruth Cardoso está empenhada em disseminar conceitos contra os adversários de Fernando Henrique Cardoso e José Serra.
Utilizando-se da infra-estrutura do programa Comunidade Solidária, Ruth Cardoso despachou um sem fim de e-mails com mensagens contra o candidato Ciro Gomes, a partir dos computadores da organização que dirige. No clamor das denúncias, os assessores de Ruth Cardoso saíram em sua defesa alegando que não foi utilizada a máquina estatal, uma vez que o Comunidade Solidária é uma organização não-governamental.
O lado hilário do caso fica por conta da amnésia momentànea dos assessores, que se esqueceram de que mesmo sendo uma ONG o Comunidade Solidária mama nas tetas do governo, e muito. Como dirigente de uma organização não-governamental, a primeira-dama viajou inúmeras vezes sob as expensas do erário.
Mas o Comunidade Solidária não tem o privilégio de ser a única organização não-governamental que é governamental. Uma outra ONG, dirigida pelo ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, tem todo o seu staff pago pelo governo federal para que um amigo e ex-colaborador de Fernando Henrique Cardoso brinque de ser politicamente correto. As razões não são passíveis de publicação, mas sabe-se que remontam à s alcovas íntimas dos integrantes do jogo.
O fato é que ao mesclar solidariedade com política, a primeira-dama acabou agindo em favor da velha politicagem de botequim. Aquela da fofoca e do fala-fala.
Independentemente da qualidade e da capacidade do candidato de cada eleitor, uma organização não-governamental, cujo principal objetivo o combate à pobreza e à exclusão social, não tem o direito de usar a sua máquina para fazer campanha política enquanto milhões de brasileiros continuam sonhando, ingenuamente, com um futuro mais digno.
Prevalecendo o fato de que o Comunidade Solidária é financiado com dinheiro público, ou seja, do próprio povo, caberia a ele decidir se quer ou não que seja feita campanha política em favor deste ou daquele candidato. Agir contra a vontade popular é uma atitude velhaca e aviltante, podendo ser caracterizada como uma conduta criminosa. Neste caso, a primeira-dama teria incorrido, no mínimo, em um dos artigos do Código Eleitoral:
Artigo 300 - Valer-se o servidor público da sua autoridade para coagir alguém a votar ou não votar em determinado candidato ou partido.
Pena - detenção de até seis meses e pagamento de multa de 60 a 100 dias-multa.
Como a Justiça é praticamente cega, querer enxergar este delito será uma dificuldade enorme!
Porém, se a tese dos assessores de Ruth Cardoso for verdadeira, nenhum político poderia se locupletar com os dividendos, mesmo que inócuos, de uma organização não-governamental, o que tem feito, constantemente, Fernando Henrique Cardoso.
Mesmo que o Presidente da República tenha afirmado que algumas pessoas usam os números para mentir, acreditar na capacidade de recuperação de José Serra, nos próximos dois meses, é mentir para si próprio. Apostar na sua vitória se configura em um verdadeiro auto-flagelo político e uma completa ignorància aritmética.
Dignidade humana não tem cor, raça, credo e muito menos preferência política. Dignidade é um baluarte da existência humana que a tropa palaciana esmagou ao longo dos últimos oito anos.
Agir de forma irresponsável em favor de um candidato, vilipendiando o direito universal de existir de cada cidadão, merece uma explicação. Na verdade a ação não foi apenas para beneficiar José Serra, mas sim uma atitude desesperada de uma pessoa que, mesmo traída, se vê na obrigação de salvar o próprio marido das consequências das falcatruas cometidas no emaranhado do poder.
Ao mostrar, mesmo de forma inadequada, a sua solidariedade dirigida ao candidato oficial, Ruth Cardoso não tenta salvar apenas o Presidente da República e o candidato chapa branca, mas também o faz com o mais famoso arquipélago do planeta.