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cronicas-->O Éden da História fica às margens do Potomac -- 22/05/2002 - 14:24 (Lindolpho Cademartori) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

"Será que Bush e Gore já pararam para pensar ou até mesmo discorrer brevemente sobre o passado político dos Estados Unidos? Anda faltando sensatez. Se houvessem dedicado alguns escassos minutos à análise e reflexão da situação em que se encontram, um dos dois iria indubitavelmente aceitar a derrota."


Há uma cena em Nixon, longa-metragem dirigido por Oliver Stone que conta a conturbada trajetória do homem que esteve à frente da maior superpotência do globo entre 1969 e 1974, em que o personagem-título, interpretado por Anthony Hopkins, contempla um quadro de seu arqui-rival democrata John Kennedy e diz: "Quando eles olham para você, eles vêem o que querem ser. Quando eles olham para mim, eles vêem o que são.". Era o , por assim dizer, "apogeu da derrocada". Nixon havia acabado de assinar o documento no qual renunciava oficialmente ao cargo de Presidente dos Estados Unidos da América, após virem à tona as chocantes e escandalosas revelações sobre o caso Watergate. Mas atenhamo-nos às palavras proferidas pelo nobre republicano que tirou os EUA do Vietnã à respeito tanto de seu inimigo político John Kennedy quanto da própria desgraça política na qual se encontrava imerso: JFK era o que os manda-chuvas de Washington queriam ser, um ícone (erróneo) de liderança, austeridade e determinação. Richard Nixon, por sua vez, era a imagem do escárnio político, das falhas, dos escàndalos e defeitos que todos no Capitólio tinham mas que teimavam em negá-los e refutá-los. Lembrava-se de Kennedy com os olhos marejados de orgulho, da certeza da liderança idónea, dinàmica e objetiva. Foi Oswald explodir-lhe os miolos em Dallas para o homem virar mito. E, de certa forma, contribuir para transformar os Kennedy numa espécie de "família real" norte-americana.
De excepcional, John Kennedy tinha somente a capacidade de fazer sexo com qualquer coisa que se movesse e que tivesse um par de seios (avantajados, como os de Marilyn Monroe). É isso mesmo. O príncipe de Washington não fez na Casa Branca nada que Roosevelt ou Eisenhower não tenham feito melhor. Ao contrário: foi no governo de JFK que os EUA protagonizaram o patético episódio da Baía dos Porcos, foi quando Kennedy pisou em ovos para resolver a Crise dos Mísseis e também, de certa forma (muito embora os Estados Unidos só tenham oficializado sua entrada na Guerra do Vietnã em 1965), quando o gigante da América se entregou de corpo (s) e alma (s) à uma guerra bizarra num rincão remoto do sudeste asiático chamado Vietnã. Condensando, Kennedy jogou tudo pro alto deixando o demónio de Moscou vir cantar de galo em seu quintal, além de ter sido o Presidente que colocou o país na maior catástrofe militar de sua História.
Morreu o homem, nasceu o mito. Veio Lyndon Johnson. E depois, "Dick Vigarista". Nixon, ao contrário do ideário que prevalece na cabeça da maioria dos norte-americanos, foi um bom presidente, descontando-se, evidentemente, seus não raros acessos de nervosismo e descontrole. Longe de mim negar o fato de que Richard Nixon era um homem desequilibrado. O que o mundo esquece, porém, é que foi esse mesmo homem desequilibrado quem tirou os Estados Unidos da Guerra do Vietnã, aproximou o Ocidente da China e quem assinou com Brejnev o SALT-1, o primeiro tratado de redução de armas nucleares, dando início, dessa forma, à cessação das disputas entre EUA e URSS.
A pergunta continua ladeando o intelecto e insistindo em bombardeá-lo com dúvidas insolúveis: Quem derrubou Richard Nixon? Extrema ingenuidade atribuir as causas da tragédia política somente à Watergate. Ou à birra que os setores mais progressistas da sociedade norte-americana parecem ter com os republicanos. Uma redundància, um clichê, uma idiotice; de fato, não me importa, o que os céticos irão dizer, pois aí vai: duas pessoas derrubaram Richard Nixon: o próprio Nixon e John Kennedy. Sim, ele mesmo. Onze anos depois de morto (e ainda hoje), o fantasma do clã mais famoso da América voltou para assustar o pobre e consternado Dick Nixon. A verdade dói mas, bem, contempla-se uma América imersa nos problemas que ela mesma criou e procura-se desesperadamente um bode expiatório. Pobre Nixon. Watergate foi a gota d´água. Pressões de todos os lados. A humilhação da derrota no Vietnã. O fantasma...uma manhã ensolarada em Dallas...um conversível...democratas...Baía dos Porcos...Cuba...Fidel Castro...JFK...o mito. Ponto final. Começava a ser escrito um dos mais trágicos e tumultuados capítulos da História americana.
Difícil se conformar com as viabilidades da História. Nixon quis ser amado pelo povo norte-americano como um todo. Irónico, até, conceber o fato de que Nixon foi um dos que ajudaram a mitificar Kennedy e elevar suas atitudes a um patamar que beirava a santidade e a perfeição. Com o perdão do trocadilho, tal período da História americana me faz lembrar Platão. A eterna dialética e contraposição entre Mundo das Idéias e Mundo dos Sentidos. John Kennedy e Richard Nixon, respectivamente. A América, a mesma América que fitou Kennedy com olhos deslumbrados de idealismo viesou Nixon com olhos realistas e o desprezou. Desprezou a própria condição. A própria natureza. A própria realidade. Será que Platão esperava por isso? Acho que não. Mas, bem, já fui longe demais. De Platão à Nixon, passando por JFK. O homem que minou os próprios alicerces com um passado avidamente resgatado principalmente por ele.
Washington anda precisando de uma faxina Ética. Por Deus do céu, quando é que a alma penada de John Kennedy vai deixar de assombrar o Salão Oval? O problema nunca foi Nixon. A Casa Branca parece perecer e deixar que a nostalgia discorra do paroxismo político.
Os reflexos do paradoxo da política ianque parecem estar vivos até hoje. Lá se foram dezessete dias da realização da eleição presidencial norte-americana e ainda se desconhece o nome do homem que irá ocupar a Casa Branca a partir de 2001. Será que Bush e Gore já pararam para pensar ou até mesmo discorrer brevemente sobre o passado político dos Estados Unidos? Eu creio que não. Anda faltando sensatez. Se houvessem dedicado alguns escassos minutos à análise e reflexão da situação em que se encontram, um dos dois iria indubitavelmente tomar a atitude que o nobre Richard Nixon tomou em 1960, ao aceitar a derrota na eleição presidencial para Kennedy, mesmo tendo em vista possíveis e suspeitíssimas ações fraudulentas no processo eleitoral.
A História, como é sabido, parece não dar muito espaço aos injustiçados. Nixon abriu mão da pendenga judicial que poderia se prolongar por anos em nome da estabilidade política do país. Da estabilidade política do mesmo país que catorze anos depois iria crucificá-lo diante de um lapso estúpido cometido numa noite fatídica em Watergate.
Vamos lá. Platão e Nixon, mãos dadas, às margens do Rio Potomac. George Washington e Abraham Lincoln contemplam a cena, do alto, em meio a risadas de satisfação. Roosevelt, em seu habitual e aparentemente involuntário gesto, passa a mão pelos cabelos. Ao fundo, um filme sobre a Guerra do Vietnã. Ei-lo que resmunga, aborrecido e irado, injustiçado e desprezado, desmascarado e humilhado; senta-se ao fundo, enrolado numa bandeira americana, o não-mais príncipe de Washington, John Kennedy. No portão, bradando contra os seguranças os mais escabrosos palavrões da língua inglesa, George Bush e Al Gore brigam, talvez em vão, para ver qual dos dois irá entrar para a História.

Lindolpho Cademartori

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TEXTO REDIGIDO EM 23 DE NOVEMBRO DE 2000
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