RECADOS EM BANHO-MARIA
Não tenho conta das inúmeras vezes que enviei meu texto para a redação do jornal e mais tarde, voltando à leitura , fiquei insatisfeita com o produto final. Isso sem considerar as folhas de papel amassado jogadas no lixo, com inícios e partes de textos rabiscados, que poderiam ter sido pérolas literárias se concluídos. Sou bastante autocrítica. Não escrevo para agradar aos outros, mas no mínimo quero ser autêntica, despertando a curiosidade, o interesse e a atenção daqueles que procuram essa coluna. Ultimamente tirei uma folga maior para deixar o texto semanal em banho-maria, antes de enviá-lo aos meus leitores-censores.
Se as pessoas precisam de tempo para passar pelo crivo da revista geral que o mundo lá fora reserva, é imprescindível que certas coisas também devam ser planejadas e bem pensadas antes de darem as caras. Vejam bem, assim é o que acontece quando se escreve um texto, quer seja literário, poético, de ficção ou simplesmente um texto de informação. Esse último não é o meu caso. Quando releio meu texto, na manhã seguinte, ( sempre escrevo à noite ) , encontro algumas idéias desconexas, palavras repetidas e confusão de idéias, talvez resultado da canseira noturna. Preciso fazer a revisão antes de liberar finalmente via E-mail. E pensar que tantos vestibulandos entraram pelo cano, pois não tiveram tal chance, escrevendo contra o tempo e com a cabeça quente. Felizarda eu.
Está cada vez mais difícil decidir, optar ou mesmo cumprir atribuições que pela urgência deveriam ter o prazo para ontem. Como acompanhar a velocidade exigida? Nosso acertos e erros não têm chance de serem detectados . E nossas relações com nossos familiares, nossos amigos, nossos vizinhos, nosso big boss? Discutindo ou palavreando bobagens impensadas , quantas vezes os atingimos ou somos atingidos, parecendo até que a relação foi detonada sem chance de reversão. Se pudéssemos colocar as injúrias e as mágoas em banho-maria, depois de algum tempo elas poderiam amolecer e ficar menos rudes e mais amenas.
Um sim sem pensar, um não que não foi balbuciado por medo, um silêncio que substituiu um argumento forte ou ainda uma ofensa em hora errada, poderiam ser trabalhados em fervura lenta, e tirados do recipiente de forma mais branda e acertada, tornando as pessoas mais sábias e menos impetuosas. Por que não ?
Querer tudo isso é puro romantismo. Na verdade, vencedores são aqueles que tomam decisões rápidas: cirurgiões, policiais, bombeiros. Contar até 10 seria uma perda de tempo, quem sabe a perda de muitas vidas, a chance de um novo trabalho.
Posso me dar ao luxo de trabalhar com vagar , revisando aquilo que faço. Se bem que já passei por uma fase de corre-corre , quando anos atrás chegava à casa de minha mãe e ela dizia: "Já vais minha filha? Nem vi teu rosto e já estás de partida?" Se pudesse resgatar aquele tempo e colocá-lo em banho-maria. Dessa vez será diferente. A chance me foi dada. Depois de teclar send, não terei motivos para voltar atrás.
Carmen@gaz.com.br
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