Vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que podíamos ter
sido.
Ah, se apenas tivéssemos acertado aquele número (Unzinho e eu ganhava
a sena acumulada), topado aquele emprego, completado aquele curso,
dado aquele beijo, chegado antes, chegado depois, dito sim, dito não,
ido para Londrina, casado com a Doralice, feito aquele teste...
Agora mesmo neste bar imaginário em que estou bebendo para esquecer o
que não fiz. Aliás, o nome do bar é Imaginário. Sentou um cara do meu
lado direito e se apresentou:
-Eu sou você, se tivesse feito aquele teste no Botafogo.
E ele tem mesmo a minha idade e a minha cara. E o mesmo desconsolo.
Por que? Sua vida não foi melhor do que a minha?
- Durante um certo tempo, foi. Cheguei a titular. Cheguei à seleção.
Fiz um grande contrato. Levava uma grande vida. Até que um dia...
- Eu sei, eu sei... disse alguém sentado ao lado dele. Olhamos para o
intrometido... Tinha a nossa idade e a nossa cara e não parecia mais
feliz do que nós. Ele continuou:
- Você hesitou entre sair e não sair do gol. Não saiu, levou o único
gol do jogo, caiu em desgraça, largou o futebol e foi ser um medíocre
propagandista.
- Como é que você sabe?
- Eu sou você, se tivesse saído do gol. Não só peguei a bola como
mandei para o ataque com tanta perfeição que fizemos o gol da
vitória. Fui considerado o herói do jogo.
No jogo seguinte, hesitei entre me atirar nos pés de um atacante e
não me atirar. Como era um herói, me atirei... Levei um chute na
cabeça. Não pude ser mais nada. Nem propagandista. Ganho uma miséria
do INSS e só faço isto: bebo e me queixo da vida. Se não tivesse ido
nos pés do atacante...
- Ele chutaria para fora.
Quem falou foi o outro sósia nosso, ao lado dele, que em seguida se
apresentou.
- Eu sou você se não tivesse ido naquela bola. Não faria diferença.
Não seria gol. Minha carreira continuou. Fiquei cada vez mais famoso,
e agora com fama de sortudo também. Fui vendido para o futebol
europeu, por uma fábula. O primeiro goleiro brasileiro a ir jogar na
Europa. Embarquei com festa no Rio...
- E o que aconteceu? Perguntamos os três em uníssono.
- Lembra aquele avião da VARIG que caiu na chegada em Paris?
- Você...
- Morri com 28 anos.
Bem que tínhamos notado sua palidez.
- Pensando bem, foi melhor não fazer aquele teste no Botafogo...
- E ter levado o chute na cabeça...
- Foi melhor, continuei, ter ido fazer o concurso para o serviço
público naquele dia. Ah, se eu tivesse passado...
- Você deve estar brincando disse alguém sentado à minha esquerda.
Tinha a minha cara, mas parecia mais velho e desanimado.
- Quem é você?
- Eu sou você, se tivesse entrado para o serviço público.
- Vi que todas as banquetas do bar à esquerda dele estavam ocupadas
por versões de mim no serviço público, uma mais desiludida do que a
outra.
As consequências de anos de decisões erradas, alianças fracassadas,
pequenas traições, promoções negadas e frustração.
Olhei em volta. Eu lotava o bar. Todas as mesas estavam ocupadas por
minhas alternativas e nenhuma parecia estar contente. Comentei com o
barman que, no fim, quem estava com o melhor aspecto, ali, era eu
mesmo.
O barman fez que sim com a cabeça, tristemente.
Só então notei que ele também tinha a minha cara, só com mais rugas.
- Quem é você? Perguntei.
- Eu sou você, se tivesse casado com a Doralice.
- E?
Ele não respondeu. Só fez um sinal, com o dedão virado para baixo...
Creio que a vida não é feita das decisões que você não toma, ou as
atitudes que você não teve, mas sim, aquilo que foi feito! Se bom ou
não, penso, é melhor viver do futuro que do passado!