A discussão era entre a minha vizinha, uma estudante de jornalismo delicada e de olhos verdes, e, ao que parece, seu novo namorado, um daqueles tipos intelectuais que parecem levantar teses até para beber um copo d´água. Devo ter pego a dis-cussão pela metade.
- E quer saber? Eu acho O Homem da Capa Preta melhor que Titanic, sim! Ë denso, profundo, revolucionário! Cheio de vigor e reali-dade! Critica-se o cinema brasileiro, porque o pes-soal quer ver cinema americano! O nosso povo é pobre, mal educado, mau caráter e o nosso cinema mostra nossa realidade como ela é!
- São gêneros diferentes! Será que você não pode ser menos ideológico, não? Você mete políti-ca em tudo!
- Política, não, querida! Estou sendo crítico de arte! Veja: romàntico é o cara cabra-macho de-fender sua vida no calibre, na marra, por trás da corrupção do poder e não uma burguesinha que não sabia nem dar uma escarrada! Aliás, se você quer saber, torci pelo barco e pelos tubarões!
- Você é horrível, cara!
- Viva Tenório! Viva a memória histórica da nossa arte! - Ele provocava...
- Para de gritar, você não está no PC do B!
- Pode dizer lá na sua universidade que eu defendo diante de qualquer um as qualidades do nosso cinema! Provo em cinco minutos a farsa do cinema americano, rico e sem conteúdo! Pode di-zer que alguém disse que o Titanic é uma porcaria! Que o Di Capri parece um frango!...
Nesse momento, começou uma barulheira que, a princípio, pareceram-me de panelas, mas depois pude perceber o som de pratos e copos, en-quanto ele gritava assustado com aquela revolução feminina.
- Para, Para, ficou Louca! Para!
Depois de alguns minutos barulhentos, só se ouvia baixo sons de vozes indistintas. Parecia que finalmente o nosso intelectual tinha saído da teoria para a pratica política correta.
Horas depois eu os vi descendo à rua, visi-velmente felizes como dois pombinhos!