Sempre achei um absurdo Natal e Réveillon sem panetone. Desculpe, é coisa de classe média. Posso conviver com a falta daquela profusão de assados e cozidos, doces, frutas secas e rabanadas. Mas não posso admitir a falta de panetone. Poxa, panetone com toddy nos cafés da manhã das festas de fim de ano é tradição familiar desde que me conheço por gente.
Pois agora ingresso na dimensão dos absurdos. Pela primeira vez na vida termino o ano sem panetone. E não é por falta de dinheiro ou oportunidades. Em casa, há uns dois ou três panetones neste momento. Os panetones estão para mim. Eu é que não estou para os panetones. Não se trata de um problema doméstico. É um problema de domesticação. Estou de dieta.
Já sei, já sei! Você vai dizer: mas ninguém faz dieta nesta época do ano. Eu faço, oras! Eu estou fazendo, aliás. Resolvi voltar à acupuntura por esses dias e o Jou, meu médico e acupunturista (chinês de carteirinha), é daqueles sujeitos radicais. Ou vai, ou vai. E eu fui. Dieta radical à s vésperas do Natal. Adeus lombos, pernis, cremes de milho, sobremesas e sobremesas e sobremesas... e panetones.
Meu negócio, agora, é saladinha e carne branca. Ah, tem também legumes e frutas. Quando ninguém pensa em eleição, fiquei politicamente correto. Devo ter código genético de monge. Quanto maior o sofrimento, melhor eu fico. Se fosse carro, seria um daqueles jipes de rally. Péssimo para dirigir na cidade, mas um luxo no meio da selva. É verdade! Funciono melhor nas condições adversas.
Mas não precisava exagerar, você vai emendar. Podia esperar o começo do ano, eu sei. Mas aí viriam as férias e nas férias eu engordo. Quando todo mundo rala, malha, nada e se esfola, encosto à sombra de algum chapéu de sol e leio. Leio feito louco. Torro um pouco ao sol e volto a ler. Algum líquido gelado aqui ou ali e tome leitura. Um mergulhinho para refrescar e volto aos livros. Nas férias sou traça litorànea de livros. Uma traça sedentária. E democrática, pois como livros e tudo o mais que me aparecer pela frente.
Por isso, nem pensei duas vezes. Não estava me sentindo muito bem. Fui ao Jou e ele respondeu à altura: corta tudo! Sabe o que eu estou comendo no café da manhã? Frutinhas. Pode? Pode sim. Aliás, é a única coisa que pode. Nada de pão quente com manteiga derretendo e café com leite de caneca. Nada de presunto, queijo (ai, um emental!!!) e geléias. Toddy, então, nem pensar!
Difícil é ficar sem panetone. Não posso disfarçar o meu desgosto. Meus filhos, aqueles glutões, comem fatias enormes que eu mesmo corto e sirvo. Puxa, isso é tortura chinesa! Calma, Jou, calma! É brincadeirinha! Eu sei que preciso.
O que me salva é pensar que em pouco tempo, quem sabe em dois ou três meses, estarei no peso ideal. Um coroa enxuto, como diria vovó. Magrinho e saradinho, diria você. Todo galã, queimado de sol, ilustrado por uma dúzia de livros lidos, mas triste. Porque, quando o Jou disser agora pode tudo, os panetones já terão sumido das prateleiras. E eu nem lembrarei que estava com vontade de comer panetones. Ó, dó!