O dentista da minha amiga é filósofo. Ele diz que o importante é beijar e ser feliz. Sábio conselho. Não há coisa mais gostosa do que beijar quando se tem vontade. Beijo é como o walkman; você usa em qualquer lugar. Ainda não ouvi música de CD embaixo do chuveiro, mas tirando esse detalhe, já beijei em todos os lugares possíveis e imagináveis. Alguns beijos foram magicamente musicais.
Já tive beijos espetaculares de fim de tarde, ao pór de sol, com a brisa ainda quente envolvendo e arrepiando, Ã beira-mar, com musiquinha de fundo, mão aqui, mão ali... Tive beijo sob as estrelas, com ventinho mais fresco, um cantinho, um violão, mão aqui, mão ali. Foi uma delícia! E beijo de despedida na madrugada, você já experimentou? Depois de uma noite quase inteira de amor, você beija repousante, com um carro que buzina ao longe, mão aqui, mão ali, com fadiga muscular.
E o primeiro beijo bem dado naquela parceira que você vinha cobiçando fazia tempo? Aquele que rompe barreiras, encurta distàncias. Não importa onde aconteça, é um beijo de história de fadas. Começa tímido feito primeira partida de artilheiro na seleção. Meio sem jeito, vai ganhando intimidade com a equipe, acerta um passe, erra outro, de repente se empolga, dribla um, dribla dois, dá chapéu no goleiro e entra com bola e tudo.
São raros esses primeiros beijos, porque dependem muito da parceira. Mas quando acontecem, fazem a vida valer a pena. É beijo de aplauso, é beijo de placa. É daqueles que a gente tem vontade de ligar para o amigo e contar: cara, você não vai acreditar, hoje eu dei um beijo... Nesses casos, o beijo é a própria música. Inesquecível. E não tem vídeo teipe para ver se houve mesmo o impedimento. Vai para a súmula como um golaço e pronto!
Há os beijos matinais, também. Nem todo mundo gosta de beijar pela manhã com o cabelo em desalinho e os olhos grudando de sono. Uma amiga, por exemplo, não beijava ao acordar, mesmo se estivesse com um daqueles parceiros fenomenais, beijadores estonteantes de bíceps dourados e coxas de goleiro. Ela dizia que tinha nojo.
Viciado em beijos despertadores, um namorado dela deu jeito na questão: drops de hortelã. Acordava, tascava o drops na boca, dava uma deslizadinha geral e, pimba, acordava a amada com um beijão daqueles. Na primeira vez ela assustou. Na segunda, não resistiu por muito tempo. Na terceira, virou fã. O parceiro era tão criativo que acabou casando com ela.
O amor e os beijos, entretanto, são perecíveis. E por mais criatividade que ele tivesse, a poesia daquele relacionamento de hortelã acabou esvaindo-se. Minguou o estoque de beijos e acabaram se separando, com aquele gosto amargo. Hoje, ela usa balinhas e parceiros variados. E adora beijar pela manhã.
Dentista esperto esse da minha amiga. O negócio é beijar e ser feliz, sim. Aliás, preciso perguntar se ela já experimentou algum beijo dele. Será que o dentista é tão bom de beijo quanto de filosofia? Para falar a verdade, eu nem consigo imaginar um beijo de dentista. A primeira coisa que vem é aquele som das maquininhas de consultório. Dá calafrios.
Bom, mas o dentista e o beijo não são meus, portanto, só perguntando mesmo. Vai saber se o cara não é um artilheiro ou, na pior das hipóteses, se não tem lá a sua balinha de hortelã, né?
