Tenho vários defeitos. O mais grave deles, talvez, seja não falar nem escrever em inglês. Não entendo nada de inglês. Não faz falta nenhuma no dia a dia. Vivo em português. Trabalho em português. Amo em português. Mas fico mordido de raiva quando gosto de uma música em língua inglesa e não consigo cantar. Morro de inveja dos amigos que cantarolam as estrofes igualzinho aos artistas.
Lembro que havia um curso transmitido pela TV Cultura, de São Paulo, em que as lições eram dadas em cima das letras de música. Puxa, como eram legais aquelas aulas. Caíam como uma luva para as minhas ambições. Não quero saber inglês para fazer grandes negócios ou para escrever para a Sharon Stone. Queria saber cantar em inglês, só isso.
O meu filho João Paulo, de onze anos, resolve bem essas questões. Ele põe a música no cd do computador e canta do jeito dele, na base do iéis-bêibi-tchíqui-tchuguéder. É bonito de ver. Ele gosta das músicas e acompanha como entende, imitando os sons. E se diverte. Sabe ouvindo o quê? Os Beatles. Ele curte os Beatles e canta com eles na base do "tróbous-cróbous" como eu nunca tive coragem de fazer depois de adulto.
Não tenho a mesma coragem, definitivamente. Não em público. Até faço isso sozinho, no banho, por exemplo. Mas canto baixinho para não dar bandeira. Puxa, deveria ter um curso de inglês para quem deseja apenas cantar. Nada que implicasse em ficar repetido dis-is-a-têibou ou gúdi-mórningui-títcher. Um curso para cantores frustrados como eu. Há outros cantores fãs dos Beatles analfabetos em inglês como eu. Tem que haver!
Não me interessa entender ou traduzir as letras. Não, seria uma decepção. Já vi algumas versões de músicas do John e do Paul e fiquei horrorizado. Acho que deve ser como encontrar uma namorada da Net. Não tem nada a ver com o que eu imaginava. "Rélpi-ai-nidi-sambóre" é lindo porque é "rélpi-ai-nidi-sambóre", "ó, iéis!". Nada de cultura, nada de ilustração. Eu quero apenas cantar igual ao disco, poxa! E não ria que é sério.
Canta o João Paulo o seu entendimento de Beatles enquanto brinca com o joguinho de computador. Vejo com uma pontinha de despeito. Ninguém liga para um garoto que arrisca as primeiras melodias cantadas em um inglês de marciano. Mas um velho como eu, ah!, seria motivo de gozação. Tenho certeza. Imagino a cena. Eu aqui, escrevendo, ouvindo meu cd e murmurando um empolgado: "sànsin-in-de-uêi-chi-uuuuussss".
O Gabriel, meu filho mais velho, que fala, lê, canta e escreve em inglês, olharia com aquela cara de John Wayne na frente de um apache e diria: "Tsk! Tsk! Por que você não aprende inglês de uma vez, heim, pai?". Ele não entenderia a resposta. Eu não quero aprender inglês. Eu só quero cantar os Beatles, eu só quero cantar.